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Especial - Bolsas de Estudo

Investimento nacional

O sistema oficial de bolsas de estudos voltadas para a formação de pesquisadores em vigor, hoje, no Brasil, concentra na região Sudeste mais da metade de seus investimentos anuais -que atingem uma cifra perto de R$640 milhões. Ele também parece se inclinar ligeiramente para uma maior concessão de apoio às disciplinas que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, agrupa sob a expressão Ciências da Vida, comparativamente às demais áreas do conhecimento.

Essas são duas conclusões possíveis, quando se examina os dados disponíveis sobre as bolsas, ainda que eles não sejam tão completos e exatos quanto seria desejável para uma rigorosa radiografia do sistema. Pelo menos, apontam nessa direção números das duas mais importantes agências federais que concedem bolsas para todas as áreas do conhecimento, em todo o território nacional -ou seja, o próprio CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, ligada ao Ministério de Educação -e ainda, os indicadores de algumas fundações estaduais de amparo à pesquisa, incluindo a maior delas, a FAPESP.

A primeira conclusão, na verdade, não constitui surpresa alguma. Afinal, São Paulo, o maior estado da região Sudeste, concentra algo nas proximidades de 15 mil pesquisadores, dos 40 a 45 mil, com nível mínimo de graduação, em atividade no País, conforme estimativas do CNPq (a FAPESP trabalha preferencialmente com o dado de cerca de 7 mil pesquisadores, com graduação mínima de doutor, grupo que constitui sua clientela por excelência).

O Rio, por sua vez, tem cerca de 5.100 pesquisadores em atividade, segundo as mais recentes estimativas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, FAPERJ. Ora, se a capacidade de formar pesquisadores e de atrair recursos para essa formação está em relação direta com à base de pesquisa já instalada em determinada área, esses números são eloquentes por si mesmos e explicam a predominância da região Sudeste na distribuição de bolsas no País. É preciso, no entanto, estabelecer predominância em relação a que base. Qual é a dimensão desse sistema oficial de bolsas em vigor no País? Em número de bolsas concedidas para cursos no País e no Exterior, considerando-se todas as modalidades, da iniciação científica, ainda na graduação, ao pós doutoramento, e todas as diferentes nomenclaturas utilizadas pelas agências e fundações para esse instrumento, não estaremos longe do número real se dissermos que ele está emtomo de 70 mil por ano.

Nesse número global, o CNPq entra com a contribuição mais pesada, tendo concedido em 1994, por exemplo, 42.762 bolsas de estudo. E a CAPES vem em seguida, com uma concessão, em 1994, de quase 23 mil bolsas. Em recursos mobilizados, estamos falando num montante próximo de R$640 milhões, em 1994 (há, sem dúvida, um crescimento neste ano, embora ainda seja difícil estabelecer de quanto), para cuja composição o CNPq entrou com quase US$340 milhões e a CAPES com US$280 milhões (as agências mantiveram o valor de seus dispêndios do ano passado em dólares).

Vale ressaltar que, do total referente ao CNPq, nada menos do que US$215 milhões destinaram-se à região Sudeste. Para São Paulo, particularmente, o CNPq enviou US$121 milhões. Some-se a isso os quase R$15 milhões destinados para bolsas pela FAPESP e mais recursos da CAPES que entram no Estado com a mesma finalidade e se terá uma idéia do peso específico de São Paulo no sistema nacional de bolsas. A distância entre a região que concentra o maior volume de recursos originários do CNPq e a segunda colocada, isto é, a região Sul, é simplesmente gigantesca: US$48 milhões, o que significa apenas cerca de 22% do que recebeu o Sudeste. Quanto às demais regiões, o Nordeste recebeu da agência US$30 mil, o Centro-Oeste, US$17,7 milhões e o Norte perto de US$5 milhões.

Liderança em declínio
Seja por força da tradição do País nas pesquisas em Biologia, inclusive Botânica, ou por qualquer outra razão que as tabelas não revelam, os dados sobre bolsas mostram uma ligeira superioridade no atendimento aos campos do conhecimento que o CNPq agrupou sob o nome de Ciências da Vida, ou seja, as ciências agrárias, biológicas e da saúde. Assim, no quadro geral de bolsas concedidas pelo CNPq, no ano passado, 27,9% destinaram-se às Ciências da Vida, contra 26,4% das Ciências Exatas, da Terra e Engenharias e 22,3% das Ciências Humanas e Sociais (o restante, 23,20%, refere-se a programas multidisciplinares). Quando se trata exclusivamente de bolsas concedidas para cursos no Exterior, contudo, o quadro muda significativamente, com as Ciências da Vida captando 26,2%, ante 44,6% das Exatas, da Terra e Engenharias e 29,2% das Humanas e Sociais.

Em relação à CAPES, a mesma tendência pode ser observada quando se examina a distribuição de bolsas por grandes áreas do conhecimento, dentro da chamada “demanda social”, isto é, a demanda da comunidade acadêmica por bolsas para pós-graduaçào stricto sensu (mestrado e doutorado) dentro do País, que constitui o maior dos vários programas da agência. Assim, as Ciências da Vida receberam 37,6% das 13.960 bolsas concedidas por esse programa, contra 32,6% das Humanas e Sociais e 29,6% das Ciências Exatas, da Terra e Engenharias.

O quadro, no entanto, se altera quando considerados, ao lado da “demanda social”, também os programas de Capacitatação de Docentes e Técnicos, PICDT (3.890 bolsas) e o de Pós-Graduação Lato Sensu (3829 bolsas para especializaçóes). Neste caso, dentro de um total de 21.679 bolsas concedidas em 1994, as Ciências Humanas e Sociais detiveram 39% delas, as Ciências da Vida, 33,6% e as Exatas, da Terra e Engenharias, 27% (há uma sobra marginal para projetos multidisciplinares).

De todo modo, tomando por base um total de 64.441 bolsas, referentesao CNPq mais os três programas citados da CAPES, as Ciências da Vida permanecem na liderança, com 29% do total (18.714 bolsas), seguidas deperto pelas Humanas e Sociais, com uma participação de 27,2% (17.574 bolsas), as Exatas, da Terra e Engenharias ocupam o terceiro lugar, com 26% do total (16.794 bolsas). A diferença percentual refere-se a programas multidisciplinares. Vale ressaltar, no panorama nacional, a situação quase de equilíbrio entre as tres áreas.

Bem diferente, no entanto, é a situação de São Paulo, a julgar pelo quadro de investimentos em bolsas no País da FAPESP as Ciências Exatas, da Terra e Engenharias tiveram a maior participação na distribuição desses recursos, em 1994, com um percentual de43,15% do total; contra 39,22% das Ciências da Vida e apenas 17,63% das Humanas e Sociais. É verdade que, dada a distância entre as ordens de grandeza com que trabalham, de um lado, as agências federais e, de outro, as fundações estaduais, os percentuais da FAPESP não chegam a ameaçar a discreta predominância das Ciências da Vida, em termos nacionais.

É interessante registrar, de qualquer sorte, que quando se trata de bolsas para o Exterior -que são poucas em relação ao total geral (em 1994, 2.113 do CNPq, 2.200 da CAPES, 304 da FAPESP) -a liderança é incontestavelmente das Ciências Exatas, da Terra e Engenharias. No CNPq, por exemplo, essa área ficou com 44,5% do número de bolsas, contra 29,2% para as Ciências da Vida e 26,2% para as Ciências Humanas e Sociais. Na FAPESP, tomando-se o indicador dos recursos distribuídos, ela ficou com 61,81%do total de R$477 mil destinados à Pós-Graduação no Exterior, contra 29,26% das Ciências da Vida e apenas 8,43% das Humanas e Sociais. Em relação a Pós-Doutorado no Exterior, com o qual a FAPESP dispendeu no ano passado R$3,8 milhões, ela ficou com 47,18% dos recursos distribuídos, controi 40,85% das Ciências da Vida, e apenas 11,96% das Humanas e Sociais.

Quando se abrange nesse exame outras fundações estaduais, verifica-se que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul, FAPERGS, por exemplo, que investiu quase US$2 milhões em bolsas, no ano passado, concentrou nas Ciências da Vida 45,1% ,das 1756 que concedeu.Seguindo-se para o exemplo de uma instituição no Nordeste, a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco, FACEPE, destinou 118 bolsas, do total de 217 concedidas no ano passado, para as Ciências da Vida; 46 foram para as Ciências Humanas e Sociais e 44 para as Exatas, da Terra e Engenharias.

No caso de uma outra instituição nordestina, a Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa, FUNCAP, que só neste ano iniciou seu programa de bolsas de estudo, registram-se 79 bolsas de mestrado e doutorado para o grupo das Ciências da Vida, 49 para Exatas, da Terra e Engenharias e 39 para Ciências Humanas e Sociais. A FUNCAP tem um dispêndio previsto para essas 167 bolsas de de R$99,8 mil, entre agosto de 95 e fevereiro de 96. Outra instituição ainda de pequeno porte, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão, FAPEMA, criada em 1990, concedeu, em 1994, 65 bolsas, das quais 29 para as Ciências da Vida, 15 para as Exatas e 21 para as Ciências Humanas e Sociais. No exercício, a FAPEMA aplicou o total de R$440 mil. Entre tantos dados, é interessante notar que, se as chamadas Ciências da Vida pemanecem nacionalmente com maior capacidade de atração dos recursos do sistema de bolsas, sua liderança, no entanto, já não tem o mesmo peso do passado, a julgar pela evolução dos números apresentados, entre 1980 e 1994, pelo CNPq – determinantes para o conjunto.

Na ponta mais remota desses 15 anos, encontra-se, na verdade, o grupo das Çiências Exatas, da Terra e Engenharias captando um volume maior de bolsas, seja no país, seja no exterior -esse último, um front no qual não perdeu a liderança até hoje, embora esteja longe da marca de 1980, quando obteve 63,2% das bolsas, Mas já em 1982, o grupo das Ciências da Vida ultrapassou as Ciências Exatas, da Terra e Engenharias na captação de bolsas para cursos dentro do Brasil, o que lhe permitiu, no cômputo geral, consolidar umaliderança ao longo dos anos 80, que só começou a se mostrar mais tênue a partir de 199O, Isto foi provocado, em grande parte, por uma trajetória aguerrida das Ciências Humanas e Sociais na disputa pelas bolsas, que assim conseguiram sair de uma modesta participação de 12,5%, em 1980, para 22,3%, em 1994.Em paralelo a esse quadro do CNPq, o que a FAPESP registra em seu relatório de 1994 é que “Biologia, Saúde, Engenharia e Física, juntas receberam, nos últimos anos, mais da metade dos recursos concedidos” pela Fundação, entre bolsas e auxílios à pesquisa.

Sistema diversificado
Há uma considerável variedade na sistemática de concessão, nas modalidades e nos valores das bolsas oferecidas pelas agências federais e fundações estaduais de amparo à pesquisa. No que se refere a sistemática de concessão, por exemplo, o CNPq trabalha essencialmente com cotas para os departamentos e os alunos devem se candidatar às bolsas nas instituições, com indicação de professores. A CAPES também estabelece cotas por cursos de Pós-Graduação. Já a FAPESP, que embora funcione como uma referência para as demais fundações estaduais, não necessariamente é acompanhada por elas no que diz respeito ao modo de operar, estabelece seus con tratos diretamente com os pesquisadores enquanto pessoas fisicas.

Quanto à situação em que as bolsas podem ser concedidas, há desde a admissão de que ela se superponha ao salário que o professor/pesquisador tem na Universidade, em caso de mestrado, doutorado ou pós-doutorado, até a exigência de dedicação exclusiva ao curso e garantia de que a bolsa será, ao longo de sua vigência, a única fonte de renda, como faz a FAPESP. E dentro de tudo isso há ainda muitas variações. O CNPq, por exemplo, admite que a bolsa se superponha ao salário do pesquisador/professor se o lugar em que ele vai fazer o cursá estiver a mai de 500 quilômetros de sua instituição de origem. Já a FUNCAP admite a superposição, sem estabelecer maiores exigências.

No que se refere a modalidades e valores, os quadros constantes nessa edição dão uma pequena idéia da impressionante diversidade que percorre o sistema, quase sempre limitado, numa ponta, pela bolsa de iniciação científica e, no outro extremo, pela de pós-doutorado. Isso parece natural num país também cheio de diversidades sócio-econômicas e educacionais, e num sistema que não foi montado de uma só vez, nem de forma planejada e integrada, mas aos saltos, ao sabor de necessidades heterogêneas, detectadas em diferentes períodos, em diferentes regiões. Afmal, se o CNPq tem 40 anos e a FAPESP 32, há fundações estaduais que mal acabaram de nascer, como a do Geará e outras que ainda estão em trabalho de parto, como a da Bahia.

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