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Estudos sobre cristalização de proteínas abrem caminhos para a descoberta de novas drogas

Pesquisadores da área de biotecnologia do Instituto de Física da USP – São Carlos estão estudando a cristalização de proteínas com vistas ao futuro desenvolvimento de drogas que auxiliem no combate a doenças. O objetivo é conhecer a estrutura tridimensional molecular dessas proteínas, por meio do processo de cristalização, obter melhores cristais e, assim, informações mais precisas que levem a drogas mais potentes e com menos efeitos colaterais.

Uma das etapas da pesquisa -cristalização em ambientes de microgravidade -foi adiada pelos problemas técnicos que anteciparam em doze dias a volta do ônibus espacial Colúmbia, lançado pela Nasa no dia 4 deste mês de abril. O Colúmbia levava naquela missão dois experimentos brasileiros: uma proteína extraída da semente de jaca com potencial aplicação no combate a infecções e uma proteína do Trypanosoma cruzí , parasita responsável pela Doença de Chagas.

Mas os experimentos no espaço serão tentados novamente. As próximas missões do Colúmbia, previstas inicialmente para ocorrerem até o próximo mês de julho, levarão novamente a proteina da semente de jaca e a do Trypanosoma cruzi , além de uma outra, extraída do feijão da espécie camaratu (Cratylia mollis ), que pode ser usada no combate ao câncer. O projeto da USP, que se desenvolve no Laboratório de Cristalografia de Proteínas do Instituto de Física da USP -São Carlos, está sendo apoiado pela FAPESp, que investiu mais de R$ 300 mil entre auxílio a bolsistas e apoio à pesquisa. O projeto também tem parceria da Brazsat, única empresa brasileira especializada em consultoria espacial, e do Center for Macromolecular Crystallography (CMC), da Universidade do Alabama, em Birminghan.

Quebra-cabeças molecular
A tecnologia que norteia os nove pesquisadores (cinco da USP e quatro de outras universidades) e seis alunos de pós-graduação no projeto temático denominado “Cristalografia, Modelagem Molecular e Planejamento de Substâncias de Interesse Biológico”, é a de planejamento de novos fármacos (pequenas moléculas) baseado em estruturas de proteínas-alvo. Ou seja, uma metodologia de descoberta de novas drogas que se baseia na inibição ou estimulação da atividade biológica de macromoléculas, proteínas ou ácidos nucléicos (DNA e RNA), responsáveis por várias doenças.

Ela funciona, de acordo com Glaucius aliva, coordenador do projeto, como um quebra-cabeças, onde só uma peça se encaixa corretamente em cada lugar. Vendo-se a forma do encaixe e as formas das peças, será mais fácil montar o quebra-cabeças do que fazê-lo, por exemplo, de olhos vendados.

Traduzindo para a pesquisa dos fánnacos: conhecendo-se a estrutura das macromoléculas essenciaisaos organismos vivos, pode-se mais rapidamente encontrar uma molécula pequena que nela se encaixe e a inutilize.

“Se for conhecida a estrutura de proteínas-alvo que são vitais para os causadores de doenças, podemos desenhar compostos – a chamada modelagem molecular de fánnacos – que se encaixem exatamente nessa estrutura com grande afinidade e com a vantagem de serem altamente específicos para a proteína-alvo, o que evita sensivelmente os possíveis efeitos colaterais causados pelas drogas”, explica o pesquisador.

Testes no espaço
Nessa tecnologia, a técnica de Cristalografia de Proteínas, usando difração de raios-X, tem papel preponderante, na medida que pode elucidar a estrutura tridimensional molecular de proteínas associadas às doenças em foco. Mas para se conhecer essa estrutura é preciso iniciahnente cristalizar a proteína.

Num cristal, um número grande de moléculas da mesma proteína deve se organizar num arranjo periódico, a partir de uma solução dessas proteínas. Mas, devido à gravidade, sempre ocorre a sedimentação ou deposição de moléculas desordenadas na superfície do cristal nascente. Na ausência de gravidade, esse problema não ocorre. Além disto, o movimento das moléculas na solução é muito mais lento, sendo mais provável que elas consigam se ordenar de forma perfeita.

As chances de haver ocorrido alguma cristalização das proteínas dos experimentos brasileiros durante os quase quatro dias em que o Colúmbia ficou no espaço neste mês são pequenas, mas, de qualquer forma, elas foram encaminhadas para análise preliminar no CMC. Também as soluções nas quais aconteceriam a cristalização no espaço estão sendo avaliadas.

O interesse pelos experimentos realizados no espaço vem crescendo também em função da construção da Estação Orbital Internacional (ISS), planejada para entrar em operação no ano 2002. Esta estação vai permitir a realização de experimentos mais longos – atualmente limitados a 10/15 dias, período máximo de duração dos vôos dos ônibus espaciais – e mais amplos, em razão da maior disponibilidade de espaço fisico na ISS.

De qualquer forma, a não realização dos experimentos espaciais brasileiros na última missão do Colúrnbia não prejudicou a pesquisa. “Os testes no ônibus espacial permitem uma cristalização mais perfeita das moléculas, mas eles apenas fazem parte de todo um processo de desenvolvimento de drogas e cristalização de macromoléculas que continua sendo realizado pelos nossos pes- quisadores”, destaca Oliva, assinalando que o Laboratório de Cristalografia do Instituto de Física da USP-São Carlos já acumula uma significativa experiência nesse campo científico.

As proteínas brasileiras
Uma das proteínas que está sendo estudada é extraída da semente de jaca. A pesquisa, iniciada no Laboratório de Imunologia da USP de Ribeirão Preto, mostra que essa proteína age sobre o sistema imunológico e pode ajudar no combate a infecções. “O objetivo é compreender os mecanismos moleculares que conferem a essa proteína a capacidade de induzir em algumas células de nosso sistema imunológico as transfonnações para torná-las ativas”, diz Glaucius Oliva. Essas informações poderão levar ao planejamento de drogas que possam inibir ou estimular reações inflamatórias.

A outra experiência está sendo feita com uma lectina -proteína que se liga a carboidratos (açúcares) -de uma espécie de feijão, o camaratu (Cratylia moltis ). Nessa espécie, a proteína reconhece células cancerosas muito específicas que expõem certos carboidratos e não reconhece outros tipos de açúcares, uma propriedade que pode ser utilizada no combate a tumores malignos. A terceira proteína estudada está ligada ao combate da Doença de Chagas, causada pelo parasita Trypanosoma cruzi . Já se sabe que a cadeia glicolítica (processo em que a glicose é quebrada em uma série de reações catalisadas por enzimas) é uma das fontes de energia doT. cruzi . Assim, quando atacada, pode resultar na morte do parasita. Os pesquisadores da USP já conseguiram purificar em grandes quantidades uma das enzimas doT. cruzi responsáveis por esse processo, cristalizá-la e encontrar a sua estrutura.

Descobriram também que aquela enzima necessita de uma molécula menor, o NAD, para catalisar a reação. Com base nisso ajustaram algumas moléculas pequenas capazes de se encaixar ao sítio de ligação do NAD, potencialmente inibindo a via glicolítica. O estudo requer agora o desenho e síntese de novas moléculas ainda mais ativas na inibição da enzima.

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