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Química

Controlando a ação das saúvas

“Se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva acaba com o Brasil”. A frase, do pesquisador francês Yves Saint-Hilaire, dita no início do século passado, pode até ser um exagero, mas a verdade é que, até hoje, as saúvas são verdadeiras pragas agrícolas. E apesar de serem importantes na reciclagem de nutrientes e na fertilização do solo, possuem um alto poder de destruição.

Depois de descobrir que plantas como o gergelim (Sesamum indicum) e a mamona (Ricinus communis) possuem efeitos tóxicos contra formigueiros de saúvas, pesquisadores do Grupo de Produtos Naturais da Universidade Federal de São Carlos e do Grupo de Insetos Sociais da UNESP/Rio Claro conseguiram isolar algumas substâncias ativas dessas plantas e já estão a caminho do desenvolvimento de inseticidas naturais.

O resultado mais importante e recente da pesquisa, que vem sendo realizada desde 1991, foi o isolamento de um alcalóide tóxico e de gosto amargo, encontrado nas folhas da mamona, que possui atividade formicida (mata as formigas) e, quando associado à sesamina, fungicida (destrói o fungo). Outras plantas que estão sendo estudadas, além da mamona e do gergelim, são a batata-doce (Ipomoea batatas), a fava branca (Canavalia ensiformis) e a Virola sebifera, planta facilmente encontrada no país e rejeitada pelas formigas. Todas essas plantas possuem ação fungicida e formicida e estão passando por testes laboratoriais, na tentativa de se encontrarem outras substâncias ativas, além dos ácidos graxos, que vêm se destacando nos estudos.

“Por enquanto, o maior potencial de uso está na mamona, porque o alcalóide que está sendo isolado tem uma atividade bastante ampla em pequenas concentrações”, diz o químico João Batista Fernandes, professor titular da UFSCar e coordenador geral do projeto.

O estudo com o gergelim é o mais antigo. Ele foi identificado como tóxico para sauveiros ainda na primeira metade deste século. Suas folhas são as preferidas das formigas saúvas. Mas observou-se que, quando a formiga levava folhas de gergelim para o interior do formigueiro, ele definhava. A partir daí, os pesquisadores começaram a supor que a planta tivesse alguma substância tóxica, que agisse sobre as formigas, sobre o fungo ou sobre ambos. “Verificou-se que a mistura de ácidos graxos age sobre os fungo, mas ainda não foi determinado qual ou quais são os ácidos mais ativos. Por isso, estamos testando-os individualmente e também outras substâncias”, diz Fernandes.

Segundo ele, as plantas objetos da pesquisa foram selecionadas a partir de informações obtidas na cultura popular sobre a sua utilização em controle de saúvas. O pesquisador explica que as formigas só levam para o formigueiro plantas aceitas pelo fungo e não nocivas a elas próprias. “Somente algumas plantas, comoas que estamos estudando, conseguem “enganar” as saúvas. Elas deterioram o formigueiro. Daí a importância de se descobrir quais as substâncias tóxicas contidas nos extratos dessas plantas e como elas agem”.

A pesquisa –Estudo das Potencialidades de Algumas Espécies Vegetais e Produtos Naturais e Sintéticos para o Controle de Formigas Cortadeiras – teve início em 1991 e se desdobrou em dois projetos temáticos. A FAPESP já liberou recursos da ordem de R$ 900 mil para os dois projetos, que envolvem quatro pesquisadores da UFSCar e cinco da UNESP/Rio Claro.

Danos à agricultura
Para se ter uma idéia do estrago que as saúvas podem causar a uma cultura, um único formigueiro adulto, por exemplo, de cerca de três metros de profundidade, provoca uma perda anual média de três toneladas por hectare em uma plantação de cana-de-açúcar. Um sauveiro adulto com cerca de seis anos de idade pode abranger uma área de 100 m2 e 7m de profundidade, e consome aproximadamente uma tonelada de matéria fresca por ano. Ele pode ter, em média, 2 milhões de formigas. “As formigas podem causar danos irreparáveis à agricultura e ao reflorestamento, mas não se pode simplesmente acabar com elas, porque esses insetos possuem uma atividade muito importante na fertilização e aeração do solo”, alerta Fernandes.

As formigas vivem em simbiose com um fungo, que serve como principal alimento para a rainha e para as larvas. As folhas cortadas servem de substrato para o desenvolvimento do fungo. “É como se elas formassem uma horta para alimentar a colônia. Quando corta a folha, a formiga ingere um pouco da seiva; entretanto, as crias se alimentam apenas do fungo. Se o fungo regredir, o formigueiro morre”, explica o pesquisador.

Os pesquisadores concluíram que todas as plantas estudadas – fava branca, mamona, gergelim, batata-doce e Virola sebifera – possuem principalmente a característica de fungicida, ou seja, elas destróem o fungo. As substâncias ativas encontradas nessas plantas, com exceção da Virola, são os ácidos graxos. A substância encontrada em V. sebifera mais ativa foi sesamina, da classe de substâncias das lignanas. Mas a que se mostrou mais favorável até agora, segundo o coordenador do projeto, foi o alcalóide encontrado namamona, porque ele apresenta ação fungicida e inseticida, além de a planta ser facilmente encontrada na natureza, facilitando e barateando uma possível futura produção industrial do defensivo.

A substância descoberta na mamona se mostrou ativa na mesma proporção dos mais modernos inseticidas artificiais, lançados no mercado na forma de isca. Além disso, a substância pode ser facilmente sintetizada, segundo Fernandes. “Nós também vamos tentar fazer modificações sintéticas a partir desse alcalóide, que podem levar a compostos menos tóxicos para os homens e para os animais e ampliar a sua ação inseticida para formigas”.

O alcalóide já está sendo testado para aplicação em forma de iscas granuladas. São pequenas cápsulas, externamente compostas por substâncias atrativas às formigas, para que elas as carreguem para o formigueiro, que levam em seu interior a substância ativa. Dentro do formigueiro, as iscas podem agir sobre os insetos ou sobre o fungo.

Ensaios em laboratório
As atividades de inibir o fungo e de eliminar as formigas foram testadas com diversos extratos vegetais. Os pesquisadores simularam formigueiros em laboratórios e fizeram aplicações de extratos tanto diretamente nas formigas quanto em culturas dos fungos.

Inicialmente, para saber se a substância possuía efeito fungicida, foram feito ensaios onde os fungos são colocados em meio de cultura para o seu desenvolvimento. Depois de 10 a 30 dias, o fungo cobriu todo o tubo de ensaio. “Quando se adiciona a substância ativa dentro de outro tubo contendo fungo e meio de cultura, ele não se desenvolve ou o faz parcialmente”, diz o pesquisador.

Para os testes de atividade formicida, colocou-se uma pequena quantidade do extrato da planta ou da substância pura no pronoto da formiga (parte localizada entre o tronco e a cabeça), simulando o efeito de um aerossol. A substância foi também adicionada à dieta dos insetos, com efeito bastante positivo, especialmente no caso do alcalóide obtido da mamona. Os estudos prosseguem, tanto para determinar a presença de outras substâncias ativas nas plantas em estudo, quanto para estabelecer métodos de aplicação para o alcalóide encontrado na mamona.

Segundo Fernandes, a indústria de defensivos agrícolas trabalha, em geral, com produtos que matam as formigas, como as iscas, sprays e bombeamentos dentro dos formigueiros, mas não com fungicidas capazes de controlar o formigueiro. “Nosso objetivo é desenvolver um produto que tenha ação inseticida e fungicida, que seja capaz de controlar o formigueiro – agindo sobre os fungos e as formigas, por um determinado período, até que a cultura atinja um ponto em que a ação das formigas não lhe é mais prejudicial, mas que não as elimine completamente, para que ela possam cumprir a sua atividade de fertilizar o solo”, assinala o pesquisador.

Mercado de defensivos

A agricultura brasileira consome anualmente cerca de 25 mil toneladas de formicidas químicos, que movimentam cerca de US$ 100 milhões. Os principais formicidas para cortadeiras disponíveis no mercado brasileiro são as iscas granuladas, que representam 70% do mercado, o equivalente a 18 mil toneladas anuis ou US$ 70 milhões, e o pó seco, aplicado por bombeamento dentro do formigueiro, que responde por 20% das vendas.

Outras formulações, como os produtos líquidos e os formicidas termonebulizáveis, representam 10% do mercado de formicidas. Uma das críticas aos defensivos químicos é que eles agem sobre qualquer inseto, além de serem danosos ao meio ambiente e à saúde.

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