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Opinião

O estudo experimental das epilepsias

A epilepsia, no Brasil, é um verdadeiro problema de saúde pública, pois atinge de 1 a 1,5% da população. Por definição, as crises epilépticas são causadas por uma descarga neuronal desordenada, repentina, ocasional e excessiva. Esta descarga ocorre em várias intensidades, numa variedade de condições patológicas, em todas as idades e sob uma série de circunstâncias. Elas podem ser classificadas em dois tipos principais, levando em consideração o caráter da localização anatômica do início da crise para diferenciar as epilepsias generalizadas (aquelas onde a crise se inicia de forma generalizada em ambos os hemisférios cerebrais) das parciais (nas quais as primeiras alterações indicam a ativação de grupos neuronais localizados em parte de um hemisfério cerebral).

A prevalência das epilepsias gira em torno de 5/1.000, nos países desenvolvidos, a 30/1.000, nos países em desenvolvimento. Embora as razões para a maior prevalência das epilepsias em países em desenvolvimento não estejam claramente determinadas, parece provável que essa diferença esteja relacionada à insuficiente assistência pré-natal e maternal, à prematuridade, aos traumas de parto, às convulsões febris da infância e às infecções.

Os avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas proporcionaram não só o aprimoramento diagnóstico e terapêutico das epilepsias, como, também, contribuíram para uma melhor compreensão da fisiopatologia das epilepsias e das crises epilépticas. Neste contexto, os modelos experimentais têm servido de ensaio para várias técnicas posteriormente utilizadas na investigação clínica e têm fornecido subsídios fundamentais para a compreensão dos processos subjacentes ao fenômeno epiléptico e dos mecanismos de ação de novas drogas anti-epilépticas.

Nos últimos anos, o nosso laboratório foi capaz de colocar à disposição dos epileptologistas dois modelos experimentais de epilepsia em roedores, que se diferenciam bastante dos modelos classicamente utilizados, pois reproduzem duas das principais características da epilepsia humana, isto é, a espontaneidade e a recorrência das crises epilépticas. fisiopatológicos relacionados às crises parciais complexas

O primeiro modelo envolve a aplicação intracerebral de ácido caínico, análogo estrutural de um neurotransmissor excitatório, o glutamato. O segundo, a administração sistêmica da pilocarpina, estimulante do sistema colinérgico cerebral. Ambas as preparações seguem, com bastante fidelidade, a história natural da epilepsia do lobo temporal, permitindo o estudo dos mecanismos associadas à esclerose do lobo temporal.

Assim, os estudos efetuados com esses modelos permitiram verificar que, entre a ocorrência de um evento agressivo ao tecido nervoso (por traumas, infecções, etc) e a formação de um foco epiléptico, existe um período de latência (que, na espécie humana, é de anos e nos roedores, de semanas). Durante esse período, ocorre uma enorme cascata de eventos bioquímicos e reativação da neurogênese hipocampal, com conseqüente reorganização dos circuitos neurais.

Tais fenômenos formam a base para o surgimento das crises epilépticas recorrentes. A possibilidade de interferir nas etapas iniciais desse processo poderá, no futuro, colaborar no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para o tratamento das epilepsias.

Esper Abrão Cavalheiro é médico, diretor do Laboratório de Neurologia experimental da Universidade Federal de São Paulo, premiado em dezembro passado com o Prêmio de Pesquisa em Ciência Básica da Sociedade Americana de Epilepsia

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