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Inovação em Parceria

Válvulas de pericárdio bovino aumentam a sobrevida de pacientes cardiacos

Pesquisadores da USP, campus de São Carlos, em parceria com a empresa Braile Biomédica, de São José do Rio Preto, SP, desenvolveram uma tecnologia para a produção de um novo material para confecção de válvulas cardíacas biológicas, que pode elevar a durabilidade das válvulas e a sobrevivência de pacientes portadores de defeitos valvares.

Por meio de uma alteração química no produto utilizado para estabilizar o pericárdio bovino – material utilizado para a confecção das válvulas, há cerca de trinta anos – eles conseguiram a produção de um material mais biologicamente estável que, em princípio, deverá minimizar significativamente o processo de rejeição do pericárdio pelo organismo humano, que ocorre na maioria dos pacientes após cerca de sete anos de uso da válvula.

O processo de rejeição se caracteriza pela incorporação excessiva de cálcio pelo pericárdio, provocando a calcificação da prótese valvular, prejudicando o seu funcionamento fisiológico. Em paralelo, além desta nova tecnologia, a interação entre a USP/São Carlos e a Braile Biomédica deve resultar no domínio da tecnologia para a confecção de válvulas mecânicas à base de ligas de titânio e carbono pirolítico e o início de sua fabricação no Brasil. As válvulas mecânicas respondem por 20% do mercado.

Toda a pesquisa, intitulada Programa de Desenvolvimento e Construção de Válvulas Cardíacas de Pericárdio Bovino e Mecânicas, está sendo coordenada pelo pesquisador Gilberto Goissis, do Grupo de Biomateriais do Instituto de Química da USP, campus de São Carlos, e se insere no Programa de Parceria para Inovação Tecnológica da FAPESP. A Fundação está liberando recursos da ordem de R$ 80 mil para o projeto e a Braille Biomédica está investindo R$ 89 mil.

Impedindo a rejeição
Gilberto Goissis explica que o pericárdio bovino, antes do seu uso para a confecção das válvulas biológicas, passa por um processo de estabilização química, a fixação com o glutaraldeído (GA), para melhorar suas propriedades mecânicas e diminuir a chance de rejeição via calcificação, pois o pericárdio natural é, para o organismo humano, em função de sua origem, um material estranho. O processo convencional, entretanto, confere uma proteção apenas superficial, devido a um processo de impermeabilização ocasionada pelo tratamento químico, na forma como utilizado.

Após cerca de sete anos de funcionamento, por problemas de fraturas mecânicas, a parte interna do pericárdio bovino, que não foi estabilizado, fica exposta e o organismo dá início a um processo de eliminação desse material, considerado estranho. A nova técnica desenvolvida emprega para a estabilização do pericárdio bovino o mesmo reagente químico – o glutaraldeído – exceto com uma modificação de processo. Normalmente, esse produto reage imediatamente ao entrar em contato com as superfícies do material. O novo processo consiste em uma alteração química desse reagente, pela adição de álcoois “formando como uma espécie de máscara ao redor dessa substância química, permitindo que, antes de reagir, ela se distribua por todo o pericárdio”, explica Gilberto Goissis.

Desta forma, toda a matriz do pericárdio bovino é estabilizada e mesmo após pequenas fraturas o organismo não mais o verá como uma estrutura estranha, sujeita à calcificação, que é um dos maiores problemas desse tipo de prótese cardíaca.

Testes em carneiros
A pesquisa já avançou algumas etapas, como as avaliações das propriedades químicas, ensaios de fadiga e desempenho hidrodinâmico. Estes ensaios são realizados em máquinas especiais que, simulando o funcionamento do coração, avaliam tanto a sua duração mecânica (resistência à ruptura em situação de freqüência de batimento acelerado) quanto sua performance hidrodinâmica (capacidade de manter o fluxo sangüíneo o mais próximo possível das condições naturais).

Por exemplo, no acelerador de pulsos, é possível, em quatro meses, com uma rotação de 1400 rpm, avaliar o desempenho mecânico das válvulas, simulação esta que corresponde a dez anos de implante, além de permitir a visualização da abertura normal dos folhetos. Em síntese, “ela indica se a válvula agüenta ficar abrindo e fechando durante dez anos”, diz Goissis. A próxima etapa consistirá de testes em carneiros, por um período de seis meses. Os animais foram escolhidos para os testes in vivo porque passam da adolescência para a fase adulta em muito pouco tempo (seis meses), fase em que o metabolismo de cálcio é muito alto no organismo.

O pesquisador Gilberto Goissis e a empresa Braile Biomédica, representada pelo seu presidente Domingo Marcolino Braile, foram premiados no mês de julho do ano passado comum dos trabalhos que estão sendo desenvolvidos sobre próteses valvulares, denominado The Chemical Protecting Group Concept Applied in Crosslinking of Natural Tissues with Glutaraldehyde Acetals, no XI Congresso Mundial da Sociedade Internacional de Órgãos Artificiais, realizado em Providence, Rhode Island, em 1997.

Mecânicas e biológicas
A indicação clínica de implantes valvulares biológicos ou mecânicos baseia-se em critérios que procuram porque seus organismos estão em fase de formação de um outro ser vivo e o metabolismo de cálcio é bastante ativo.

Também ele é contra-indicado para os jovens, cujo organismo está em fase de deposição de cálcio. Por outro lado, há aqueles que não podem receber anticoagulantes, cujo uso é obrigatório por parte dosportadores de válvulas mecânicas, para evitar aocorrência de tromboembolismo, fenômeno caracterizado pelo desprendimento de um coágulo formado na válvula, que se dirige, via circulação, a outros órgãos, com conseqüências graves. E essa é uma das desvantagens da válvula mecânica, além de ser cinco vezes mais cara do que a biológica – as próteses biológicas convencionais custam R$ 510 e as mecânicas, importadas dos Estados Unidos, Alemanha e Itália, custam em torno de R$ 2.300,00.

Em contrapartida, a válvula mecânica teoricamente não precisa ser trocada, enquanto a biológica tem curta duração (entre sete e dez anos). Apesar da demanda menor, as válvulas mecânicas são a única solução para determinados casos de pacientes com problemas cardiovasculares. Daí a importância de serem fabricadas no Brasil.

Elas serão confeccionadas em titânio e carbono pirolítico, mesmo material de que são feitas as importadas, mas terão um custo reduzido para metade, segundo Goissis, porque, exceto pelo titânio, todos os outros materiais serão produzidos no país.

“A confecção da válvula mecânica permitirá o aprendizado de de tecnologias que ainda não dominamos, associado a uma inovação que nós já estamos testando, que é o recobrimento da válvula com colágeno, para minimizar a formação de trombos. Os resultados deverão aumentar o nível de competitividade de ambas as válvulas nos mercados interno e externo”, ressalta.

A parceria da Braile
A Braile Biomédica, indústria de médio porte especializada em produtos médicos para cirurgia cardíaca, foi fundada pelo cardiologista Domingos Marcolino Braile, em 1977, quando iniciou a produção de válvulas biológicas cardíacas e enxertos de pericárdio bovino, empregados em cirurgias cardiovasculares. Hoje, a Braile Biomédica possui cerca de 200 funcionários e detém 40% do mercado nacional de válvulas biológicas. Produz anualmente cerca de 4 mil válvulas biológicas (metade feita com pericárdio bovino e a outra metade porcina – válvula do porco utilizada em sua forma natural no organismo humano). Cerca de 30% da produção é exportada para países da América Latina, Leste Europeu, Oriente Médio e Ásia.

A demanda brasileira de próteses valvulares é de cerca de 10 mil por ano, sendo 80% por biológicas (de pericárdio bovino e porcina). De acordo com Domingos Meireles Braile, as válvulas feitas com pericárdio bovino e a porcina têm a mesma performance e durabilidade. A vantagem da prótese de pericárdio é que, pelo fato de ser construída, ela é mais parecida com a válvula natural.

Após os resultados desse projeto de pesquisa, a expectativa da empresa é produzir cerca de 1.000 válvulas mecânicas por ano, a partir de 1999, sendo 80% para o mercado nacional e 20% para exportação. As válvulas biológicas não convencionais também deverão começar a ser produzidas naquele mesmo ano. Mas a quantidade de produção, vai depender da demanda, segundo Domingo Braile.

A válvula cardíaca
As válvulas cardíacas atuam na regulação do fluxo sangüíneo, fazendo movimentos de abertura e fechamento para bombear sangue para o coração. Sua função principal é fazer com que o sangue circule sempre no mesmo sentido, ou seja, deixe a veia pulmonar, passe pelos ventrículos e aurículas e siga pela aorta.

Seu mal funcionamento pode resultar de malformação congênita, doenças reumáticas, sífilis, processos infecciosos, artrite e processos de calcificação, com conseqüências graves para o sistema cardiovascular. Esses problemas costumam ser solucionados pela substituição das válvulas por próteses mecânicas ou biológicas.

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