Imprimir PDF Republicar

Jovem Pesquisador

Plantas do cerrado podem auxiliar no combate ao câncer

A vegetação de cerrado, rica em compostos utilizados como drogas ou remédios na medicina popular, pode se tornar uma grande fonte de descoberta de novas drogas contra o câncer. Encontrar propriedades antitumorais na flora é o principal alvo de uma pesquisa multidisciplinar que está sendo realizada por uma equipe de pesquisadores da Unicamp, coordenada pelo cancerologista Paulo Eduardo Pizão, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CBPQA) da Universidade.

A pesquisa abrange desde a coleta de plantas no cerrado, passando pela extração, isolamento e identificação das substâncias ativas do material coletado. Os testes com os extratos deverão ser iniciados no segundo semestre deste ano, depois de totalmente equipado o laboratório para cultura de células tumorais in vitro, pioneiro no país.

Com o apoio da FAPESP, que liberou recursos da ordem de R$ 145 mil, a pesquisa se desenvolve no âmbito do Programa de Formação de Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes e envolve profissionais das áreas de química, botânica, farmacologia, biologia e oncologia médica. Seu principal objetivo é criar alternativas para os tratamentos quimioterápicos disponíveis no mercado, insuficientes para atender às necessidades dos pacientes. “É preciso realizar essa pesquisa, mesmo que levemos dez anos para descobrir uma nova droga, porque as drogas contra o câncer hoje disponíveis não estão conseguindo vencer a batalha contra a doença”, diz Paulo Pizão.

A primeira coleta de plantas foi realizada em janeiro do ano passado, por biólogos do Instituto de Botânica da Unicamp, que selecionaram quatorze espécies diferentes, em uma reserva de cerrado do Instituto Florestal, em Mogi-Guaçu, interior de São Paulo. Os extratos das plantas estão sendo preparados e começarão a ser testados assim que o laboratório começar a funcionar. De acordo com o coordenador do projeto, pretende-se produzir 50 extratos de substâncias por ano, que serão testados em cultura de células de tumores sólidos humanos. O laboratório de cultura de células terá dezoito linhagens (tipos das células) de tumores humanos, nas quais serão testadas a ação dos extratos vegetais. As linhagens estarão divididas em seis grupos (três para cada tumor), compreendendo os cinco tumores mais freqüentes – cabeça e pescoço, próstata, mama, estômago, intestino e cólon – e um tumor linfático.

Novas drogas
O interesse dos estudiosos do câncer por produtos naturais, principalmente extratos de plantas, surgiu principalmente depois que alguns estudos apontaram serem elas uma possível fonte de novos medicamentos. “Drogas recém-lançadas no mercado mundial, como o Taxol, isolado da casca de uma árvore centenária, Taxus brevifolia, já demonstrou ser capaz de provocar o desaparecimento completo de tumores em pacientes cuja doença era resistente a todos os tratamentos quimioterápicos existentes”, diz Paulo Pizão.

Para definir quais seriam as espécies de plantas de cerrado que deveriam ser coletadas, os biólogos fizeram primeiramente um levantamento bibliográfico sobre as plantas do cerrado tradicionalmente utilizadas pela medicina popular – os chamados remédios “caseiros”, como anti-parasitários, anti-bactericidas, entre outros -, e enviaram o material para o National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, que realiza pesquisa com plantas há cerca de 50 anos. “Os pesquisadores do NCI compararam a nossa lista com a lista de plantas que eles já pesquisaram, e nos sugeriram quais seriam as mais adequadas para que nós começássemos a trabalhar”, explica Maria do Carmo Estanislau do Amaral, bióloga da Unicamp responsável, junto com o biólogo Volker Bittrich, pela coleta das plantas.

Foram realizadas várias viagens para coleta das espécies. Os locais, segundo Maria do Carmo, foram principalmente regiões no cerrado do Estado de São Paulo, como Mogi-Guaçu, Pirassununga, Itirapina e Angatuba. Após a coleta e identificação botânica, o material é seco, para poder ser analisado pelos químicos. As químicas responsáveis por essa etapa do projeto, as doutoras Mary Ann Foglio e Vera Lucia Garcia Rehder, explicam que as partes de interesse que são estudadas nas plantas (folha, caule e raiz) são separadas, secas de maneira uniforme, moídas e depois extraídas com um solvente específico.

No caso, todas serão extraídas com diclorometano e metanol. Após a extração, o solvente é removido por meio de evaporação a vácuo, resultando num extrato que será submetido aos testes de atividades. “Para o isolamento dos princípios com ação anti-proliferativa, os extratos ativos serão fracionados e submetidos a novos testes no laboratório de cultura de células.

Da fração ativa, serão isolados os princípios ativos, que podem servir como substâncias antitumorais”, dizem as químicas. No laboratório, os extratos são colocados em placas que contêm milhares de células de tumores humanos, misturadas a um meio de cultura. “Passado um tempo, comparamos as células em que foi colocada a droga com as células em que o material não foi inserido, que servem apenas para controle. Se a substância não for ativa, as células no meio de cultura vão proliferar.

Mas se o número de células cresceu menos do que o controle, ou se todas as células do tumor morreram, o extrato pode ser considerado ativo”, explica Paulo Pizão. Entretanto, nem sempre a destruição de todas as células do tumor indica que a substância experimentada pode ser utilizada como droga contra o câncer, porque, alerta o pesquisador, ela pode ser uma substância tóxica ou venenosa.

Os estudos prosseguirão ainda por bastante tempo. Para que uma nova droga chegue ao mercado, são necessários em média dez anos de experimentos desde a sua descoberta, segundo o pesquisador Paulo Pizão. Nesse período, a droga passa por estudos pré-clínicos – que envolvem os processos de aquisição, seleção, produção, formulação e toxicologia animal e por estudos clínicos, em animais vivos e seres humanos.

Republicar