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Projeto Temático

Motores que não poluem

É só a temperatura começar a baixar em São Paulo que o tema poluição volta às manchetes. É assim todo inverno, época em que ocorrem as já conhecidas inversões térmicas, que impedem a dispersão dos poluentes na atmosfera. O resultado é um ar carregado de partículas inaláveis e gases de efeito danoso para a saúde, como o monóxido de carbono e os hidrocarbonetos.

Os principais emissores de toda essa sujeira que contamina o ar, afirmam os especialistas em transporte, são os veículos, que soltam anualmente milhões de toneladas de poluentes na atmosfera. Nesta categoria, os ônibus têm grande participação, cobrindo a paisagem de cinza com a fumaça preta que sai dos escapamentos e provocando doenças respiratórias na população, especialmente nos idosos e nas crianças.

Mas, esse tipo de poluição já tem prazo certo para acabar, pelo menos no que se refere ao transporte coletivo. Está chegando ao mercado uma nova geração de motores para ônibus movidos a gás natural, que vêm sendo aperfeiçoados nos últimos anos, com o objetivo de reduzir praticamente a zero as emissões de material particulado. Estudos nesse sentido estão sendo desenvolvidos no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo por uma equipe de pesquisadores, dentro do projeto de pesquisa Redução das Emissões em Motores de Ignição por Centelha Operando com Gás Natural.

“Nosso objetivo é ajudar a desenvolver um motor bom, que polua menos”, resume o pesquisador Francisco Emílio Baccaro Nigro, coordenador do projeto e dos testes em modelos diferentes de motores que serão adotados pelos fabricantes de ônibus. Graças à parafernália de equipamentos sofisticados e à eficiente infra-estrutura montada no IPT – que contou com financiamento da FAPESP da ordem de US$ 560 mil -, os pesquisadores vêm testando exaustivamente o desempenho das máquinas a partir de composições simuladas de gás natural para se chegar a um nível cada vez maior de aperfeiçoamento. Isso porque o novo combustível sofre variações em sua composição conforme a origem.

Gás natural polui menos
O professor Francisco Nigro explica que o gás natural é um combustível fóssil, encontrado na maioria das vezes associado ao petróleo. Sua composição média em São Paulo contém: metano (89,2%), etano (7,3%), propano (2,0%), butano e gases superiores (0,7%). O restante é dióxido de carbono e nitrogênio.”Entretanto, freqüentemente são verificados teores mais altos de propano e butano, e isso pode provocar a ocorrência do fenômeno de detonação, ou batida de pino, danificando o pistão e os anéis do motor”, alerta o pesquisador. Por isso é necessário garantir uma especificação mínima para a qualidade do gás natural.

Além disso, o propano e o butano em maior quantidade podem afetar as emissões de gases poluentes como monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos não-queimados (THC) e óxidos de nitrogênio (Nox). Mas, sendo o gás natural composto de hidrocarbonetos leves, um mesmo nível de emissões totais de THC de um motor a gás, em comparação a motores a gasolina e diesel, é muito menos reativo na atmosfera e menos tóxico.

Não é à toa que o gás natural é considerado um combustível “limpo”, pois agrega uma série de vantagens, tais como: 1. É menos poluente que a gasolina e o óleo diesel; 2. É mais barato que os demais combustíveis; 3. Garante maior durabilidade ao motor. É bom lembrar, que o veículo movido a gás natural não é obrigado a participar de rodízios.

Melhor de tudo: enquanto o die-sel caracteriza-se pela elevada emissão de material particulado (fumaça preta) e de óxidos de nitrogênio, altamente poluentes, o gás natural é capaz de reduzir em até mais de 90% a emissão de particulados e em até 55% a de óxidos de nitrogênio. “Mas isso depende do trabalho que se faz no motor”, observa o pesquisador.

Injeção de gás
“Motor bem desenvolvido a gás natural é o que melhor aproveita as possibilidades do combustível, tanto para economia como para redução de emissões”, ensina Francisco Nigro. Em geral, os motores devem ter: um sistema eletrônico de controle da mistura combustível-ar, sensor de detonação, sonda de oxigênio e catalisador de gás de escape. Estas são algumas das melhorias que estão sendo testadas no IPT, que devem ser utilizadas nos novos motores de ônibus. Ele adianta que a tendência para o futuro são os motores com injeção de gás natural diretamente na câmara de combustão, com estratificação da carga (hoje, a injeção de gás acontece no coletor de admissão do motor, o que torna difícil conseguir alguma estratificação da carga).

Estas mudanças viriam melhorar as condições de combustão e o rendimento das máquinas, reduzindo ainda mais as emissões de poluentes. O projeto, que será concluído em agosto deste ano, trouxe várias contribuições às pesquisas nesta área, como a instalação de uma bancada dinamométrica para medição de emissões de motores, segundo procedimento padronizado (a única em instituição pública no país), além do desenvolvimento de capacitação experimental para determinar a evolução da combustão em motores, pela análise da pressão na câmara. Possibilitou, ainda, o desenvolvimento de um programa de simulação de desempenho e consumo de motores a gás, baseado em modelo semi-empírico, que considera a variação de composição do gás natural.

Também realizou estudos sobre sistemas de controle da alimentação de gás em motores e desenvolveu um sistema para injeção diretamente na câmara de combustão.

Especificação do gás natural
Além de tudo isso, os pesquisadores do IPT têm participado ativamente, junto com fabricantes de motores, fornecedores do combustível e com a Agência Nacional do Petróleo, do trabalho para o estabelecimento de uma especificação do gás natural, de modo a viabilizar sua utilização em motores. Por enquanto, está vigorando uma especificação provisória, que define teores mínimos na composição do combustível.

“Esta capacitação adquirida em termos de recursos humanos e materiais, agregada à grande interação com o setor produtivo, deverá promover o aperfeiçoamento dos motores a gás disponíveis no mercado brasileiro e contribuir para o aumento do uso do gás natural em motores, com grandes benefícios ambientais”, conclui o professor Nigro. Apesar das reservas descobertas na década de 70, na Bacia de Campos, o gás natural ainda é muito pouco usado no Brasil, sendo responsável por apenas 2% da matriz energética nacional.

Esta participação pode subir para 10% em 2010, em decorrência do maior uso do gás em substituição ao óleo combustível, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos, Canadá e Itália. Enquanto na Argentina cerca de 400 mil veículos são movidos a gás natural, no Brasil não chega a 20 mil o número de carros que usa esse combustível. A situação pode mudar com o Programa de Alteração de Combustível (PAC), da Prefeitura de São Paulo, que pretende, em 10 anos, estar com toda a frota de ônibus municipais operando com gás natural.

Participam dos trabalhos no IPT, além do professor Francisco Nigro, os pesquisadores: Agenor de Toledo Fleury, chefe do Agrupamento de Sistemas de Controle; Nedo Eston de Eston, que deu início aos estudos com gás natural no Brasil e formou o Grupo de Motores do IPT; Sílvio de Andrade Figueiredo, chefe do Laboratório de Motores; professora Lídia Lopes Correia da Silva; professor Maurício Assumpção Trielli e o mestrando Clayton Barcelos Zabeu. Vários deles são docentes do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP.

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