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Financiamento à Pesquisa

Perfeito equilíbrio entre ciência e tecnologia

É hora de rever idéias feitas. Por muito tempo, a FAPESP foi vista como uma agência de financiamento a pesquisas básicas e projetos puramente acadêmicos e, ainda hoje, há quem pense que eles são largamente predominantes na distribuição das verbas da Fundação para ciência e tecnologia.

No entanto, nada mais distante da realidade: as propostas de caráter tecnológico tomaram corpo de tal modo no conjunto dos financiamentos concedidos pela Fundação que, do total de 1.658 auxílios concedidos nos anos de 1996 e 1997 a projetos regulares de pesquisa (sem inclusão dos temáticos e de todos os projetos da área de Ciências Humanas), 32% foram para pesquisa tecnológica (muito próxima das aplicações industriais), contra 30% para pesquisa básica. Mais: cerca de 26% dos auxílios foram para projetos simultaneamente básicos e tecnológicos, o que dá mais uma medida do peso do investimento da FAPESP em tecnologia.

Em recursos aplicados, os percentuais são um tanto diferentes: as pesquisas tecnológicas receberam quase 27% dos R$ 66 milhões destinados aos projetos aqui considerados, enquanto as básicas tiveram quase 36% e as simultaneamente básicas e tecnológicas pouco mais de 28%. Os resultados do levantamento dos projetos por natureza da pesquisa, feito pela primeira vez pela Fundação, devem surpreender a comunidade científica. “A FAPESP tem um perfil diferente do que muita gente imaginava. Estamos bem equilibrados”, observa o professor Francisco Romeu Landi, seu diretor presidente.

Mas é possível, segundo ele, que se tenha resultados ainda mais surpreendentes se, aos dados relativos aos projetos resultantes da chamada demanda de balcão – demanda espontânea dos pesquisadores paulistas por auxílios paraprojetos geralmente individuais – , forem superpostos dados de alguns programas induzidos e outros referentes aos projetos temáticos. O levantamento não levou em conta, por exemplo, 84 projetos (80 em andamento e quatro concluídos) dos dois programas de Inovação Tecnológica, voltados para pesquisas realizadas nas empresas ou no sistema de parceria entre empresa e instituição de pesquisa, que certamente reforçariam o peso tecnológico do levantamento. Nos anos de 1996 e 1997, especificamente, a Fundação aprovou 19 projetos de inovação em parceria, correspondendo a investimentos de pouco mais de R$ 2,8 milhões.

No caso dos temáticos, projetos de pesquisa de grande porte, interdisciplinares e coordenados por pesquisadores de alto nível, a FAPESP investiu em 1996 e 1997, um total de R$ 36,5 milhões, relativos a 114 projetos aprovados. Em princípio, como observa o professor Landi, nenhum desses projetos é especificamente de pesquisa básica, “situando-se numa zona cinzenta de pesquisa básica, aplicada e tecnológica, ao mesmo tempo”. De qualquer sorte, ainda deverá ser feito um levantamento específico para os temáticos, para que se possa saber que percentual deles pode ser colocado no âmbito de pesquisa tecnológica.

Vale registrar, para contextualizar os valores citados, que os investimentos globais da FAPESP, em 1997, atingiram R$ 260 milhões. Isso inclui R$ 68,9 milhões aplicados em todas as modalidades de auxílios regulares (projetos de pesquisa individuais e temáticos, organização de reunião científica, participação em reunião representando 4,7% do total (ver tabela). Eles devem, porém, a científica, vinda de pesquisador visitante e publicação); R$ 183,7 milhões em auxílios dos programas especiais e pouco mais de R$ 76 milhões aplicados em bolsas.

Universidades e tecnologia
O levantamento dos projetos por natureza da pesquisa mostrou que os trabalhos voltados para políticas públicas, com enfoque social direto, constituem até o momento um grupo discreto, médio prazo, chegar a uma participação mais expressiva, em função do mais novo programa especial da FAPESP, o Programa de Pesquisas em Políticas Públicas, aprovado em abril e já aberto à análise de pré-projetos.

Há outras informações interessantes trazidas à luz pelo levantamento da natureza dos projetos 96/97. Por exemplo: as áreas de Agronomia e Veterinária, Engenharia e Saúde, com um total de 1.140 projetos, concentram os trabalhos de natureza notadamente aplicada. No outro extremo, Biologia, Física, Matemática e Geociências, com quase 500 trabalhos, estão entre as que se mantêm com um perfil acentuadamente acadêmico.

O levantamento deixou evidente que as universidades e os institutos de pesquisa, além de conhecimento básico, produzem tecnologia, uma atividade associada normalmente às empresas. “A universidade está ficando mais pragmática e as empresas valorizando mais a inovação”, observa o professor Landi. “Atualmente, o setor privado começa a entender a ciência e a tecnologia como um dado básico para a formulação de sua estratégia de crescimento”.

O professor Carlos Henrique Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da FAPESP, defende uma participação mais intensiva das empresas na produção científica e tecnológica, pelo fato de serem elas as responsáveis diretas pela geração de riquezas de qualquer país. “O desafio atual é exatamente como incorporar mais conhecimento e tecnologia aos produtos”, reitera Brito Cruz. “A FAPESP procura incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico nas empresas por meios dos programas de parceria com universidades ou, diretamente, financiando projetos de inovação tecnológica desenvolvidos pelas próprias indústrias.”

Esses mecanismos podem, porém, não ser o suficiente para promover o desenvolvimento econômico, na visão do professor Brito Cruz. O ideal, segundo ele, é que o setor privado saiba delimitar seus problemas e, a partir deles, motivar a produção científica ou usar os conhecimentos acumulados pelas instituições de pesquisa. Essas etapas poderiam ser cumpridas mais facilmente à medida que as empresas constituíssem equipes próprias de cientistas e de engenheiros aptos a identificar e selecionar os conhecimentos necessários à melhoria de seus produtos.

Um modelo para o Brasil
As informações do levantamento por natureza de projetos estimulam um debate mais amplo sobre os rumos da política nacional de ciência e tecnologia. Sabe-se que, no cenário internacional, destacam-se uma política que privilegia a pesquisa aplicada, seguida principalmente – até há alguns anos – pelo Japão, Estados Unidos e Coréia, e uma outra, com a Índia à frente, que enfatiza a pesquisa pura. A questão que mobiliza pesquisadores e empresários é: a pesquisa básica termina pouco antes de o qual o melhor caminho para o Brasil?

Os estudos indicam que há diferentes alternativas. Em um artigo publicado na revista Science de 20 de fevereiro deste ano, o professor José Goldemberg, da Universidade de São Paulo, desenvolve três modelos de interação entre ciência e tecnologia, considerada atualmente a base do desenvolvimento econômico. O mais tradicional é o Modelo A, que apresenta uma nítida separação entre as etapas de pesquisa pura, desenvolvimento tecnológico e produção. Foi adotado pelos Estados Unidos e copiado por outros países, mas encontra-se esgotado, segundo o professor Goldemberg. “O Modelo A faz parte do passado. Qualquer país que adotar o Modelo A está condenado ao fracasso”, sentencia.

O Modelo B representa a prática atual dos Estados Unidos, marcada por uma discreta sobreposição entre cada uma das três fases – a pesquisa tecnológica começa antes de terminar a investigação básica. Já no Modelo C as três fases estão completamente sobrepostas – e produto estar pronto. É esta a abordagem seguida atualmente pelo Japão, de acordo com o estudo do professor da USP.

Uma característica comum desses dois enfoques é que as necessidades práticas, ou seja, a demanda, determinam até mesmo os rumos da pesquisa pura.E um não exclui o outro, lembra o professor Goldemberg. “Cada país pode ter uma mistura dos Modelos B e C”. Para o Brasil, o professor Goldemberg considera mais adequados os modelos B ou C. A ênfase, portanto, seria o conhecimento aplicado às necessidades do mercado. Neste caso, os cientistas estariam concentrados, principalmente, nas indústrias. Para o professor Brito Cruz, o desenvolvimento econômico é uma decorrência direta dos locais de trabalho dos cientistas. “Se os cientistas trabalham principalmente nas empresas, é grande a chance de esse país ser rico”, diz ele. “Se estão concentrados nas universidades, a chance é reduzida.

“O presidente do Conselho Superior da FAPESP lembra que na Coréia, por exemplo, 60 mil cientistas trabalham nas empresas, enquanto 28 mil estão nas universidades e 16 mil nos institutos de pesquisa. No Brasil, em contrapartida, 9 mil cientistas encontram-se nas indústrias, 60 mil nas universidades e 12 mil nos institutos de pesquisa. Uma das conseqüências deste contraste, segundo ele, é que nas lojas brasileiras predominam os equipamentos eletrônicos coreanos, japoneses e norte-americanos.

Viagra versus malária
Não se trata, porém, de polarizar, optando por um extremo ou por outro. Para o professor Brito Cruz, a FAPESP não cogita e nem deve reduzir o financiamento à pesquisa básica. O que é fundamental, segundo ele, é estabelecer que o investimento em ciência deve levar ao desenvolvimento econômico e social. Isto significa reconhecer os defeitos dos modelos B e C, quando aplicados desvinculado de uma proposta mais ampla que contemple o social, especialmente em um país em desenvolvimento como o Brasil. “Os modelos B e C levam a desenvolver medicamentos como o Viagra, não a uma vacina contra malária”, exemplifica Goldemberg.

Uma das interpretações para o levantamento da FAPESP, ao revelar um equilíbrio entre os investimento às pesquisa básicas e às aplicadas, com um razoável entrosamento entre elas, é que o Brasil pode estar criando um modelo próprio de desenvolvimento, no qual as necessidades sociais não seriam negligenciadas. O país estaria evitando assim as fragilidades que mais cedo ou mais tarde podem aparecer nos países que adotam os modelos polarizados. “O problema não é só o desenvolvimento, mas também a reposição de conhecimento”, considera Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Não basta a produção de ciência, de tecnologia ou sua inserção nas indústrias. É necessário uma política de ciência e tecnologia que resista aos nteresses especulativos.”

Equilíbrio de forças
Para o especialista da Unicamp, os investimentos em ciência e tecnologia devem se adequar às necessidades do país – idéia, por sinal, defendida também por Francisco Romeu Landi, que propõe o estabelecimento de uma política científica e tecnológica que “atenda às necessidades econômicas e sociais do país e ao seu desenvolvimento harmônico”.

“É preciso criar cenários para os próximos 50 anos e orientar com coerência a produção de ciência e tecnologia”, diz o professor Romano. Nesse planejamento, segundo ele, as responsabilidades das forças envolvidas – universidades, empresas e Estado, basicamente – devem ser claramente definidas e revistas as formas de atuação. “As pesquisas das universidades são de interesse nacional e deveriam ser debatidas publicamente. No Senado dos Estados Unidos, são comuns os debates sobre projetos de pesquisa”, lembra ele.

Por fim, ao Estado, segundo Roberto Romano, ficaria reservada a tarefa de orientar e conduzir a política de ciência e tecnologia. “É impossível ter um desenvolvimento econômico e social sem a participação do Estado”, diz ele. Goldemberg concorda. “Mesmo nos modelos B e C, a participação do Estado é fundamental, para atender às necessidades sociais”.

O professor Brito Cruz, da FAPESP, comenta, a esse respeito, que, num país em desenvolvimento como o Brasil, o Estado tem um papel articulador e incentivador muito mais importante do que em Nações mais adiantadas. No entanto, esta tarefa, segundo ele, é limitada. “O Estado pode puxar o desenvolvimento científico e tecnológico por algum tempo, mas tem que ter uma estratégia de como vai passar este papel para a empresa”, diz ele. “Se não, a ciência se desconecta da tecnologia e deixa de ser ingrediente para gerar riqueza.”

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