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Opinião

Alguma luz no fim do túnel

Um dia pretendo ir à Nova Zelândia. Pelo que sei, fica do outro lado do planeta, tem uma renda per capita ao redor de US$ 15 mil, não tem petróleo, não fica perto de nenhuma rota comercial importante e não produz aviões, automóveis ou computadores. Suas façanhas tecnológicas parecem estar restritas ao necessário para mantê-la numa especial posição competitiva nos mercados internacionais de carnes, lã, laticínios e produtos florestais, capazes de pagar a conta de tudo o mais que os seus habitantes adquirem (ou melhor, importam) para desfrutar de padrão de vida de primeiro time do Primeiro Mundo.

Os neozelandeses são apenas 4 milhões de pessoas, tidas pela ONU como saudáveis e instruídas. Talvez representem uma pequena amostra daquilo que os arquitetos da nova ordem econômica pretendem construir, presumindo-se que não querem o mal da humanidade, antes, são sábios e bons. Na linha de raciocínio desses policy makers da globalização, conviria a 160 milhões de brasileiros acostumarem-se com a idéia de que devem ser grandes produtores de comida, porque nos trópicos pode-se ter mais de uma safra anual, admitindo-se até que avancem um pouco mais, desde que nucleados no agribusiness. Ninguém, até agora, perguntou se queremos isso, e muito menos se, nas condições que temos, poderíamos fazê-lo com sucesso.

Façamos, porém, um breve parêntese. Antes que os países líderes impusessem ao mundo as novas regras saídas da Rodada Uruguai (no tempo do protecionismo explícito), os ditos mercados periféricos, quando vistos do exterior pelos executivos das transnacionais, eram abordados mais ou menos assim, conforme o produto: “Países com mercados pequenos, credenciar importador local; mercados médios, licenciar produtor local, ganhar nos royalties e na venda de componentes ou matérias-primas associados; mercados potencialmente grandes, instalar produção local própria.

“É claro que essa estratégia trazia um dinamismo implícito, embutido na evolução dos negócios. Mas em certos países, o Brasil entre eles, a mudança de posição da empresa estrangeira era também afetada pelo modelo em vigor. Assim, se um empreendedor local conseguia encarecer o produto estrangeiro pela aplicação da regra aduaneira de proteção ao similar, era preciso sair do status de exportador para o de licenciador, ou partir logo para a produção direta local, dependendo do volume do mercado, a essa altura já conhecido.

Nesse contexto foram instaladas, no país, seis linhas de produção de turbinas para hidrelétricas, oriundas de países distintos (Itália, França, Alemanha, Estados Unidos, Suíça e Suécia), quando em nenhum deles havia tantas. O mercado brasileiro de turbinas era promissor e estava reservado para o fornecedor local. Digamos que o caso das turbinas é um exemplo extremo, antes demonstrando a deformação que o modelo poderia causar, mas os nossos vizinhos da Aladi (ainda não existia o Mercosul) diziam que o Brasil saía ganhando, nesse modelo, porque o investidor estrangeiro, quando interessado na região, sempre preferiria o país de maior mercado interno. Ou seja, parece um paradoxo, mas a reserva de mercado, na forma praticada, era um forte atrativo para o capital estrangeiro de investimento. Além disso, pela fixação de índices de nacionalização a atingir, gerava empregos técnicos e estimulava os fornecedores locais.

Este texto não tenciona recuperar a hoje amaldiçoada tese da reserva de mercado. Com alguma razão, seus críticos dizem que ela protegeu produtos deficientes, incentivou um certo comodismo do produtor e, principalmente, retardou o progresso técnico que seria dado pela incorporação dos itens de informática nos demais setores (se bem que a nossa Lei da Informática, ao restringir o capital estrangeiro, mudou as regras do jogo então existente).

Pelo menos oficialmente já não há, no mundo, lugar para o protecionismo. Mas hoje, quando acumulamos sucessivos déficits na balança comercial, já começamos a desconfiar dos economistas que apregoam, como um dogma, que “o modelo de substituição de importações está esgotado”. Se não definirmos logo uma política industrial e tecnológica, se não integrarmos, como no passado, nossas agências de fomento em torno de objetivos comuns, iremos perder a oportunidade de escolher o que queremos, mesmo que seja algo parecido com o modelo da Nova Zelândia.

Essas considerações me ocorrem a partir da leitura do Notícias FAPESP Nº 32. A matéria principal, “Ciência e Indústria, uma Parceria Possível”, reflete o clima de entusiasmo do seminário “A FAPESP e a Inovação Tecnológica”, ocorrido na Fiesp. Entusiasmado fiquei, ainda, com os exemplos mencionados de parcerias bem-sucedidas, com destaque para os novos pigmentos inorgânicos (Unicamp com Serrana), os aços elétricos (IPT com CSN), os materiais carbonosos avançados (Unicamp com Usiminas) e as latas microrecravadas (Ital com CSN).

Certamente, esta pequena relação é uma amostra extraída de um conjunto mais numeroso de parcerias em curso. O meu entusiasmo decorre da perspectiva de estarmos vendo alguma luz no fim do túnel. Porque agora isto está acontecendo sem o aparato protetor que antes havia para o “similar nacional”. Isso pode ser fruto da excelência da nossa pes para os novos pigmentos inorgânicos (Unicamp com Serrana), os aços elétricos (IPT com CSN), os materiais carbonosos avançados (Unicamp com Usiminas) e as latas microrecravadas (Ital com CSN).

Certamente, esta pequena relação é uma amostra extraída de um conjunto mais numeroso de parcerias em curso. O meu entusiasmo decorre da perspectiva de estarmos vendo alguma luz no fim do túnel. Porque agora isto está acontecendo sem o aparato protetor que antes havia para o “similar nacional”. Isso pode ser fruto da excelência da nossa pesquisa, ou do amadurecimento da nossa indústria, após o choque da abertura, ou de uma combinação de fatores. Porém, já que os tempos são difíceis e o jogo é duro, algumas questões, entre outras, precisariam ser mais aprofundadas, quais sejam:

1. Dado que CSN, Cosipa e Usiminas são empresas de grande porte, privatizadas há pouco tempo e que mantinham centros próprios de pesquisa, as perspectivas de parceria são mais nítidas com as empresas de capital nacional ou isso foi mera coincidência?

2. Por extensão, que papel poderia estar reservado para as empresas transnacionais com instalações no país, em termos de desenvolvimento tecnológico interno? Pode a globalização, em certas circunstâncias, descentralizar as fontes de conhecimento, ou isso só ocorrerá quando o tema pesquisado não for parte do core business da transnacional?

3. Em qualquer hipótese, deveríamos concentrar esforços de pesquisa nos temas/setores em que já alcançamos competitividade internacional (a siderurgia parece ser um exemplo), nos setores nos quais temos uma vocação natural, nos processos/materiais/produtos de baixa velocidade de substituição tecnológica (em que a pesquisa pode ser amortizada em maior tempo), ou permanecermos balizados pela análise de mérito da demanda espontânea? Há novos critérios de alocação a ser considerados?

4. Nos tempos de privatização de empresas energéticas, de concessões privadas de rodovias, de reorientação do papel do Estado, deveriam os nossos institutos de pesquisa perseguir um novo desenho institucional que propiciasse uma maior integração com as empresas em torno dos temas de pesquisa?

Essas indagações sugerem que, pensando no nosso futuro, precisamos de uma política de desenvolvimento econômico que contenha uma vertente clara em termos de Ciência e Tecnologia. O tema é de foro nacional, mas as entidades de ensino, pesquisa e fomento de São Paulo devem provocá-lo, por serem interessadas diretas nos seus desdobramentos. Louvo a FAPESP porque, com critérios próprios, mas perfeita visão do momento que vivemos, começa a obter os primeiros frutos nesse espaço que há muito lhe estava reservado, o da promoção das parcerias necessárias, pois aqui os recursos, como as cabeças, ainda são poucos, e o nosso futuro está em jogo. Por fim, uma lembrança que tem a ver com o sentimento que me motivou para essas linhas.

Era um sábado, em 1980, eu estava comprando um amplificador de som em uma loja de shopping, e o vendedor, ao fazer o meu cadastro, perguntou: “O que financia essa Financiadora de Estudos e Projetos onde você trabalha.” Eu disse: “Neste amplificador, por exemplo, a Finep financiou o projeto, o protótipo e os testes, antes que o fabricante viesse a produzir em série. Aliás, aí dentro há componentes que nós ajudamos outro fabricante a produzir, e que também estão naquele televisor ali… Está vendo aquele microfone?” O meu filho de 10 anos, que estava comigo, a partir de então inventou uma brincadeira, sempre que saíamos juntos: “Pai, cadê a Finep?” Eu ria e dizia: “Aqui no Metrô não tem nem graça”… ou apontava para um automóvel que vinha passando, produzido conforme o “índice de nacionalização”.

Estamos em outros tempos, em outro modelo, com novas variáveis, do passado podemos colher ensinamentos, mas isso não basta para discernir novos rumos. Precisamos voltar a planejar o nosso país, cônscios de que a democracia é uma conquista e a abertura econômica é um dado do problema. Porém, cientes de que essa indefinição de políticas representa muito mais que uma séria perda de tempo.

Gostaria de dedicar o texto às pessoas, brasileiras como eu, que participaram diretamente desses projetos de parceria que a FAPESP apoiou. Eu acho que sei o que eles, por certo, sentiram, quando seus produtos estavam sendo apresentados. Amigos, dentro de cada sonho sempre há o embrião de uma realidade possível. Do nosso futuro, só nós mesmos podemos cuidar, com inteligência, otimismo e perseverança, enquanto persistir esse conceito de Nação do qual ainda partilhamos. Em tempo: o Brasil é bem maior que a Nova Zelândia.

Gerson Ferreira Filho é coordenador da Unidade de Gestão Estratégica da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo.

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