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Agronomia

Doce novidade

Que tal um abacaxi com quase o dobro do teor de açúcares dos abacaxis com os quais você está acostumado? Um abacaxi menor, com cerca de 1 kg, mais apropriado a esta época de famílias menores? Que pode ser tirado mais maduro da terra e, portanto, ainda mais doce, pois tem casca resistente e suporta em boas condições a prateleira do supermercado até 12 dias depois de ser colhido? E que, ainda por cima, pode ser consumido aos gomos, como se fosse uma jaca? Prepare-se. É possível que ainda este ano você encontre os primeiros exemplares nas prateleiras dos supermercados. E, depois, muito mais. Os técnicos calculam que dentro de poucos anos, quando houver mudas disponíveis, o novo cultivar de abacaxi, chamado IAC Gomo-de-Mel, será responsável por pelo menos 20% da produção brasileira da fruta.

“A polpa do abacaxi gomo-de-mel tem coloração amarelo-ouro, textura macia, baixa acidez e doçura acentuada, qualidades fundamentais para o consumo de mesa”, diz o agrônomo José Alfredo Usberti Filho, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o responsável pelo novo cultivar (antes, Usberti tinha lançado também novos cultivares de capim-colonião e de arroz). Com relação à doçura, pelo menos, ele é imbatível. Além de ter menos acidez que as variedades mais comuns, seu teor de brix, uma maneira de medir a proporção de açúcares numa fruta, chega a 20,9%. No caso do cultivar pérola, essa proporção é de 11,9%, e, no caso do cultivar smooth cayenne (também chamado de havaí e bauru), é de 13,5%. Essas duas são as variedades mais plantadas atualmente no Brasil.

O novo cultivar apareceu quase por acaso. A pesquisa que levou ao gomo-de-mel, Avaliação Final de Híbridos Intraespecíficos de Abacaxi e de Abacaxi de Gomo Visando a Eleição do Novo Cultivar com Características Morfoagronômicas e de Qualidade de Produto Desejáveis, surgiu como decorrência de outro trabalho, iniciado em 1991, no qual os investigadores do IAC tentam formar um novo cultivar resistente à fusariose, uma das principais doenças da planta. Essa pesquisa é chamada Melhoramento Genético do Abacaxi (Ananas comosus L.) Visando Resistência à Fusariose e Melhor Qualidade de Produto Final, Através de Hibridação Intraespecífica. A FAPESPcolaborou com R$ 60 mil para os dois projetos. A empresa de sementes Matsuda, da cidade de Álvares Machado, entrou com mais R$ 100 mil.

Desde 1991
O novo abacaxi resistente à fusariose também está a caminho. Os técnicos do IAC pretendem colocar as primeiras mudas à disposição dos agricultores a partir do ano que vem. É dinheiro bem gasto. A fusariose, ou gomose, doença provocada pelo fungo Fusarium moniliforme, que mata a planta ou pelo menos prejudica o fruto, é um dos responsáveis por São Paulo produzir apenas 5% dos abacaxis que consome. A fusariose não ocorre só no abacaxi. Aparece em vários outros tipos de plantas cultivadas e mesmo em ervas daninhas. Por isso, ainda não se conseguiu controlar a doença por meios químicos ou de cultura. A solução mais viável parece ser mesmo o desenvolvimento de um cultivar resistente.

Usberti e sua equipe vêm tentando isso desde 1991. Ele conta com a colaboração de cinco pesquisadores do IAC e das infra-estruturas dos laboratórios do IAC em Campinas e em Registro e do laboratório da empresa Matsuda em Álvares Machado, no Oeste do Estado. Para fazer os cruzamentos destinados a encontrar um cultivar resistente à fusariose, o grupo usou os recursos genéticos do banco de germoplasma do IAC. Lá, está material de propagação de cultivares de abacaxi vindos das mais diversas partes do mundo.

Entre esse material, estava um conjunto de sementes vindas do outro lado do planeta, da China. Essas sementes têm uma história curiosa. Um pesquisador de origem chinesa que trabalhava na Bioplanta, uma subsidiária da Souza Cruz, trouxe da China cerca de mil sementes de abacaxis resultantes de cruzamentos naturais. Quando sua empresa fechou, ele doou todo esse material ao IAC. As sementes chinesas entraram na pesquisa sobre a fusariose e quando se fez a primeira colheita, em 1994, os pesquisadores do IAC notaram um cultivar cujos frutos eram de altíssima qualidade. “Enviamos o material ao Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), aqui em Campinas, e os resultados das análises chamaram a atenção”, lembra Usberti.

Nenhum outro cultivar do lote era semelhante. De todos os tipos originários das sementes chinesas, só aquele tinha a qualidade excepcional que levou ao gomo-de-mel. Os pesquisadores elaboraram então o novo projeto de pesquisa, que foi sendo tocado paralelamente aos estudos sobre a resistência à fusariose. Em 1996, com uma nova colheita, foi possível fazer as comparações em laboratório entre o novo cultivar, então chamado de abacaxi-da-China, e os abacaxis comuns. No lançamento, em fevereiro deste ano, o cultivar foi batizado como IAC Gomo-de-Mel. Tradicionalmente, os cultivares lançados pelo Instituto levam a sua sigla como parte do nome oficial.

Como o papaia
Quando for levado à mesa, o gomo-de-mel não precisará ser descascado. A polpa pode ser dividida com a mão, como uma jaca, pois é formada por diversos frutilhos. Basta partir a fruta pela metade e ir retirando os gomos. Ou, se o consumidor preferir, usar a fruta da maneira tradicional, em fatias. A fruta é arredondada e pesa cerca de 1 kg, enquanto os cultivares tradicionais pesam mais que o dobro. Como tem a casca bem resistente, pode ser colhido maduro – as variedades tradicionais são colhidas antes do ponto ótimo, o que diminui ainda mais seu teor de açúcar. Os testes indicam que o novo cultivar tem uma vida de prateleira de até 12 dias.

Usberti acredita que o gomo-de-mel representará, parao abacaxi, o mesmo que o papaia significou para o mamão, uma alternativa que, além de muito saborosa, é indicada para o consumo individual ou de pequenas famílias. Seu cálculo é de que, a médio prazo, ele atingirá 20% da produção brasileira, hoje na casa de 1,6 milhão de toneladas por ano. Apesar de o Brasil ser um dos berços do abacaxi – a planta, da família das bromeliáceas, a mesma dos caraguatás usados em decoração, é originária das bacias dos rios Paraná e Paraguai -, ele não é o maior produtor mundial. Está apenas em segundo lugar. A liderança cabe à Tailândia, com quase 2 milhões de toneladas por ano. A produção mundial é de cerca de 12,8 milhões de toneladas por ano.

“A procura por um abacaxi de mesa é muito grande”, diz Usberti. Mesmo com o novo cultivar ainda nos seus estágios iniciais, já existem pedidos de empresas exportadoras, que pretendem vender, no mínimo, 300 mil frutos por mês fora do Brasil. Assim, a tendência pode ser de que o novo cultivar venha a dominar o consumo do abacaxi como fruta fresca, ficando os outros cultivares para a industrialização, na forma de suco ou compotas.

As mudas do novo cultivar já estão sendo multiplicadas pelo processo in vitro, nos laboratórios do IAC e da Matsuda. A empresa de sementes tem prioridade na comercialização, pois participou da pesquisa e, além disso, já tem material genético em seu poder. Até o fim de 1999, calcula-se que a Matsuda produzirá 1,5 milhão de mudas e o IAC, outras 500 mil. Muito pouco do ponto de vista comercial. Usam-se cerca de 50 mil mudas no plantio de um hectare de abacaxi.

O grande salto virá de cerca de 100 produtores rurais, na maioria da região de Presidente Prudente, os mesmos que pretendem colocar, em dezembro deste ano, os primeiros frutos no mercado. É que, além dos frutos, eles pretendem usar as mudas produzidas pelas próprias plantas para aumentar sua área de plantio ou vendê-las a outros produtores. Não será pouca coisa. Os agricultores conseguem tirar até 15 mudas de cada planta no campo. Provavelmente, não vai demorar muito até que o gomo-de-mel chegue, também, à sua mesa.

Perto da solução
O maior produtor brasileiro de abacaxi é Minas Gerais. Produz 523 mil toneladas por ano. Depois, vem a Paraíba. Comercializa 177 mil toneladas por ano. São Paulo produz apenas 5% do que consome: 42 mil toneladas por ano, especialmente nas regiões de Araçatuba, Bauru, Marília e São José do Rio Preto. Se o abacaxi surgiu aqui perto, na bacia do Paraná, e São Paulo tem solos arenosos, próprios para a lavoura, além de ser campeão na produção de suco concentrado orientado para a exportação, por que produz tão pouco? Em grande parte, por causa da fusariose.

“Os problemas provocados pela fusariose continuam a prejudicar o desenvolvimento da cultura do abacaxi no Brasil e são mais graves, talvez por conta do clima, em São Paulo”, diz o agrônomo Usberti. O fungo, quando não mata a planta, inutiliza o fruto. Ele também aparece na Paraíba, mas em escala bem menor. Em São Paulo, inclusive, já surgiram raças fisiológicas, ou mutações do fungo. Em grande parte por culpa dele, o plantio do abacaxi, em São Paulo, tornou-se atividade itinerante. Há 15 anos, o centro da produção era a região de Bauru. Hoje, ele está em Araçatuba, onde a fusariose, aliás, é cada vez mais encontrada nas plantações.

Para chegar a uma variedade resistente ao Fusarium, os pesquisadores do IAC fizeram vários cruzamentos e plantaram sementes de diversas partes do mundo. Para evitar contaminação por outros tipos de fungos, a multiplicação das plantas foi feita in vitro. Cada uma, então, foi inoculada com o fungo. As que desenvolveram a doença foram eliminadas. As outras foram submetidas a uma segunda inoculação. As que sobreviveram foram levadas para o campo.

“Hoje, já temos 60 variedades híbridas, altamente resistentes à doença”, narra Usberti. Os pesquisadores estão trabalhando principalmente com uma delas, uma variedade semelhante ao cultivar pérola, com resistência à doença, boa produção, tolerante ao plantio adensado, o que significa maior produção por hectare, e uma vantagem a mais: folhas lisas, quase sem espinhos. Em teor de doçura, chega a atingir os 20 graus brix do gomo-de-mel. Mas o resultado é inferior, pois tem também um teor de acidez muito maior.

Logicamente, Usberti e sua equipe não estão satisfeitos. Já estão preparando outro projeto de pesquisa, desta vez para desenvolver um abacaxi de gomos que seja também resistente à fusariose. “O gomo-de-mel tem resistência moderada aos nematóides, mas é suscetível à fusariose”, diz o pesquisador. O trabalho já começou, com cruzamentos entre o gomo-de-mel e as variedades roxa-de-tefé, da Amazônia, e perolera, da Colômbia. O próximo passo será o plantio das sementes.

Perfil:
José Alfredo Usberti Filho, 54 anos, é formado em agronomia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba. Desde 1968, é pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), onde trabalhou com melhoramento genético de arroz, milho, capim-colonião e, desde 1991, abacaxi. Tem doutorados em Genética e Melhoramento Vegetal, obtido em 1973 na Esalq, e em Ecologia de Plantas Forrageiras, obtido em 1978 na Universidade da Califórnia, em Davis. É responsável por três novos cultivares de capim- colonião, IAC Tobiatã, IAC Centenário e IAC Centauro, este mais apropriado para cavalos, e por dois cultivares de arroz, o IAC 165, para plantio de sequeiro, e o IAC 4440, para plantio irrigado .

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