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SBPC

Reunião polêmica

Transgênicos, Mercosul e financiamento à pesquisa politizam debates

Produtos transgênicos, relações internacionais e escassez de recursos para a pesquisa científica no País foram assuntos que deram o tom acentuadamente politizado dos debates da 51ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com o título “Mercosul: A Quebra das Fronteiras”, o encontro atraiu cerca de 40 mil estudantes, pesquisadores e cientistas do Brasil e países vizinhos, de 11 a 16 de julho.

A reunião coincidiu com a posse da nova presidente da SBPC, a bioquímica Glaci Zancan, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que deverá trabalhar, nos próximos dois anos, na articulação de alianças para ampliar o poder de influência da entidade na definição das políticas nacionais de pesquisa. Glaci assumiu no lugar do farmacólogo Sérgio Henrique Ferreira, de quem foi vice-presidente durante duas gestões, e já sinalizou para uma aproximação mais efetiva com o Fórum Nacional dos Secretários de Ciência e Tecnologia e com o Fórum das FAPs, que se reuniram dois dias durante o encontro anual.

A 51ª Reunião da SBPC também testemunhou, dia 16, a substituição do ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser Pereira, por Ronaldo Sardenberg, deslocado do Ministério Extraordinário de Projetos Especiais, antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Bresser chegou a participar da solenidade de abertura, no domingo ante-rior, dia 11, anunciando um incremento de 10% no orçamento do MCT este ano. Entretanto, mesmo com a elevação prometida para o orçamento, de R$ 700 milhões em 1998 para perto de R$ 800 milhões este ano, a ciência e tecnologia ainda contará, em 1999, com o mais baixo volume de recursos dos últimos anos. Em 1994, os investimentos do MCT no setor foram de R$ 956 milhões, de um total de R$ 2,2 bilhões aplicados por todo o governo federal, e caíram sem parar até o ano passado.

A nomeação de Sardenberg gerou, pelo menos em princípio, expectativas positivas no meio científico. A presidente da SBPC interpretou a decisão do governo federal como um sinal de que, em função da origem do novo ministro, a ciência e a tecnologia poderiam passar a ser vistas de maneira estratégica. “Esperamos que ele possa lutar por orçamento”, disse Glaci, acrescentando que a entidade tem interesse em conversar com Sardenberg para apresentar as suas posições e reivindicações.

Mesmo com a reação favorável à mudança no comando do Ministério, a SBPC pretende, por intermédio de sua articulação com o Fórum dos Secretários, ampliar seu poder político para lutar pelo aumento do financiamento à ciência e tecnologia e pela sua distribuição mais equilibrada pelo País. O primeiro resultado concreto é a proposta definida no encontro em Porto Alegre e que será levada ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

A proposição amplia para todo o País e todas as instituições científicas a isenção de ICMS sobre a importação de equipamentos para a pesquisa. Atualmente o benefício é limitado a compras externas feitas pelas universidades federais nos Estados do Rio Grande do Sul, Piauí, Amazonas, Ceará e Pará, desde que a operação já esteja livre do pagamento de Imposto de Importação (II) por força da lei 8.010, de 1990.

Desigualdades regionais
A aproximação entre SBPC e secretários é boa para ambas as partes. “Temos consciência da necessidade de articulação com a comunidade científica para delinear um projeto de desenvolvimento que enfrente a dependência tecnológica externa e as desigualdades regionais”, disse o presidente do Fórum, Adão Villaverde, do Rio Grande do Sul. De acordo com o secretário do Rio de Janeiro, Wanderlei de Souza, a região Sudeste fica com mais de 80% dos recursos nacionais para ciência e tecnologia. Somente São Paulo leva 50%.

Durante a Reunião Anual, o professor Luiz Martins de Melo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defendeu a criação de um grande fundo para o financiamento da pesquisa no Brasil. Uma das “pernas” do novo sistema seria o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que teria a função de garantir recursos subsidiados e “constantes” para o setor.

O professor Guilherme Ary Plonsky, da Universidade de São Paulo (USP), salientou que as próprias empresas brasileiras ainda investem muito pouco em pesquisa. De acordo com ele, a participação do setor privado nos gastos totais com pesquisa, desenvolvimento, aquisição de tecnologia e “engenharia não rotineira” no País passou de 10% para 32% desde o início da década. Esta parcela, entretanto, é muito pequena quando comparada aos 50% registrados no Estados Unidos e aos 80% no Japão, destacou.

Autonomia e transgênicos
As articulações da SBPC também deverão ser orientadas para ampliar sua influência nas discussões sobre o projeto de autonomia universitária. Segundo Hélgio Trindade, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e conselheiro da entidade, a intenção é abandonar a posição atual, apenas “reativa” às propostas do governo federal.

O tema não chegou a ganhar destaque durante os debates públicos da 51ª Reunião Anual, mas sua importância está expressa no programa da nova diretoria, que incorporou a área de educação às suas metas centrais de atuação. De acordo com Trindade, isso mostra que a SBPC compreendeu que ciência e tecnologia dependem fundamentalmente da universidade pública, onde se concentram 90% das pesquisas em curso no País.

O conselheiro identifica um consenso no meio científico e acadêmico de que é preciso aprimorar o sistema de autonomia universitária, mas ressaltou a necessidade de “interferir na orientação das novas políticas”. É imprescindível deter, por exemplo, o processo de “desfinanciamento” das 52 universidades federais, que, juntas, recebem R$ 5,5 bilhões por ano, contra os R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões repassados pelo governo de São Paulo às suas três instituições de ensino superior: USP, Unesp e Unicamp.

O tema que mais atraiu o interesse do público na reunião de Porto Alegre foi a pesquisa, o plantio e o consumo de produtos geneticamente modificados. O assunto, envolto em pendências judiciais que impedem a Monsanto de comercializar suascinco variedades de soja transgênica aprovadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), revelou uma profunda divisão entre a comunidade científica.

“Sabemos muito pouco a respeito do tema”, disse Glaci Zancan, justificando o fato de que os transgênicos ainda despertam “paixões” contrárias, de um lado, e favoráveis, de outro. A presidente da SBPC defendeu a posição oficial da entidade, que sugere uma moratória de cinco anos para a liberação comercial desses produtos, até que todos os testes necessários sobre seus impactos na saúde humana, animal e no meio ambiente possam ser concluídos.

Para Glaci, a segurança da população para consumir produtos geneticamente modificados atualmente é apenas “relativa”, já que os experimentos feitos até agora se limitaram a avaliar aspectos ligados à produtividade das culturas.A posição da presidente da SBPC, porém, não espelha um consenso dentro da comunidade científica, exceto quando defende a manutenção das pesquisas na área. O geneticista gaúcho Francisco Salzano, da UFRGS, homenageado no encontro anual, defendeu a liberação dos produtos geneticamente modificados no País e chegou a classificar de “medieval” a decisão do governo do Rio Grande do Sul de transformar o Estado em área livre de transgênicos.

A pesquisadora Maria Irene Baggio, da Embrapa de Passo Fundo (RS), propôs a adoção de uma “moratória flexível” em relação ao plantio comercial de sementes geneticamente modificadas. Segundo ela, produtos transgênicos podem trazer riscos, mas também benefícios à saúde e ao controle ambiental, e as liberações deveriam ser estudadas caso a caso levando isso em consideração.

Mário Toscano Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro da CTNBio, considerou “válida” na finalidade de “proteger seus cidadãos de possibilidades de risco” a decisão do governo gaúcho de transformar o Rio Grande do Sul em área livre de transgênicos. Ele ressalvou, contudo, que, em vez da proibição, “talvez fosse mais adequado montar um projeto vinculando a atuação das empresas a investimentos em controle de risco”, numa linha semelhante à proposta pela presidente da SBPC.

Mercosul
Os diversos debates a respeito do tema-título da 51ª Reunião Anual da SBPC levaram a uma conclusão consistente: as barreiras do Mercosul estão longe de desaparecer e os países do bloco econômico ainda priorizam as visões nacionais nas relações com seus parceiros e com outros mercados internacionais. Outra constatação é que o processo de integração, tanto em âmbito regional quanto global, carrega distorções profundas que impedem sua apropriação pela maioria da população.

Para o professor Henrique Rattner, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), a integração é comandada exclusivamente pelas grandes empresas transnacionais e por parte das burocracias dos Estados, “atropelando” todos os demais setores sociais. Ele salientou que o processo deve ser conduzido de maneira a reduzir as disparidades entre os países sem desestruturar as economias locais, o que exige a participação de setores mais amplos das sociedades, como instituições comunitárias e Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, chegou a classificar de “exagerada” a importância atribuída ao Mercosul. Ele também considera “perigosa” a necessidade de o Brasil adequar suas estratégias de desenvolvimento aos interesses dos países parceiros, especialmente a Argentina, que “foi bem mais longe na descaracterização do Estado nacional”.

Batista Júnior disse ainda que o resultado da liberalização econômica a partir do início da década no Brasil é um “fiasco”. A abertura, segundo ele, provocou uma taxa de crescimento inferior à da “década perdida” de 80 e um desemprego “muito maior”. O professor defendeu ainda um Banco Central “intervencionista” sobre os capitais voláteis e na administração do perfil do endividamento externo e ainda a adoção de um “viés não declarado” de desvalorização cambial para assegurar a competitividade das empresas brasileiras no exterior.

A FAPESP na Expociência
A FAPESP teve uma participação de grande destaque na Expociência, evento paralelo à 51a reunião da SBPC, realizada em Porto Alegre, de 11 a 16 de julho. No estande foram instalados quatro microcomputadores, onde os visitantes podiam obter informações sobre todos os programas de pesquisa financiados pela Fundação, como o Genoma, Inovação Tecnológica, ProBE (Biblioteca Eletrônica), Biota – O Instituto Virtual da Biodiversidade, Ensino Público e outros, além de consultar informações dos Indicadores de Ciência e Tecnologia e conhecer o SciELO – Scientific Eletronic Library Online.

Nos seis dias de exposição, instalada no câmpus da PUC do Rio Grande do Sul, o estande recebeu um grande número de visitantes. Cerca de 40 mil pessoas – estudantes e pesquisadores do Brasil e países vizinhos – participaram da SBPC jovem e da SBPC Sênior, este ano.

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