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Daniel Nahon

Daniel Nahon: A França busca parceiros

Daniel Nahon fala da política francesa para obter novos avanços em CeT

Daniel Nahon, conselheiro do Ministro da Educação Nacional, da Pesquisa e da Tecnologia da França, Claude Allègre, é um respeitado pesquisador da área de geologia, que exibe em seu currículo cerca de 140 publicações científicas. Em uma de suas vindas como pesquisador ao Brasil, em 1987, tornou-se membro da Academia Brasileira de Ciência. Mais tarde, em 1993 e 1994, foi professor visitante da Universidade de São Paulo-USP. Em meados de outubro passado, Nahon retornou ao Brasil, dessa vez em missão política. Acabara de assumir a presidência do Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil, o Cofecub e, entre outras coisas, precisava discutir com a FAPESP, com quem o órgão mantém um convênio de intercâmbio para jovens doutores, as possibilidades de ampliação da colaboração científica entre os dois países.

Em sua passagem por São Paulo, Nahon, que em novembro assumiria também a presidência do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento, o Cirad (outro órgão com quem a FAPESP tem um convênio de cooperação), concedeu uma longa entrevista a Mariluce Moura. E nela não evitou qualquer aspecto das turbulências que agitam hoje a política francesa de pesquisa científica, decorrentes da oposição entre comunidade científica e governo em torno da reforma proposta por este para o sistema de CeT do país.

Nahon também falou bastante sobre as perspectivas de colaboração entre França e Brasil, especialmente em campos estratégicos, como pesquisa genômica e bioinformática. Situou o Brasil como um país jovem, cheio de vigor, que interessa à França como um parceiro, um igual. Observou com ênfase especial que “o ministro Claude Allègre não imaginava a que ponto o país já tinha avançado na excelência em pesquisa científica”, coisa que pôde constatar in loco, durante uma visita em abril passado e que o levou a determinar que fossem buscadas formas de ampliar a colaboração com o Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista de Daniel Nahon.

Poderíamos começar pelo acordo entre o Cofecub e a FAPESP.
Deixe-me dizer, em primeiro lugar, que o Brasil é um país prioritário para a França. Antes de tudo por razões culturais. Somos muito próximos, tanto que, quando cheguei aqui pela primeira vez, me senti em casa e penso que muitos franceses têm essa mesma impressão.

A França teve uma influência cultural muito grande sobre o Brasil até, digamos, a Segunda Guerra. Depois, com a influência muito mais poderosa dos Estados Unidos, essa presença francesa no país diminuiu.
Estou de acordo. E do lado da França, fomos seduzidos pela tecnologia que os americanos possuíam. Isso foi muito benéfico, porque forçou o país, que tinha uma tendência a se recolher, a não ver que a pesquisa erainternacional, não mais nacional, a entrar na competição. Agora, já instalados na competição, já tendo provado nossa abertura à novidade cultural, creio que, de forma semelhante ao Brasil, o país tem necessidade de retornar às próprias raízes culturais.

Quais são as bases do acordo entre a FAPESP e o Cofecub?
A colaboração estabelecida é por dois anos, em projetos com alto nível. Interessam-nos muito as áreas de saúde, ciências da vida, especialmente a genética – o Programa Genoma – e meio ambiente. Devemos ter objetivos comuns também nas ciências humanas e sociais e em novas tecnologias de informação e comunicação.

Para a colaboração há, portanto, campos prioritários. E para a política científica francesa em geral?
Somos obrigados a escolher campos para empregar 90% de nossas verbas de pesquisa. Primeiro, porque os progressos científicos são tais que agora recaem sobre a sociedade todos os dias. Antes, tivemos 50 anos entre a descoberta da máquina a vapor e sua aplicação, 30 anos entre a descoberta do DNA e sua aplicação. Hoje a pesquisa se tornou operacional para a sociedade. E para tomar qualquer decisão relativa à sociedade, o político está obrigado a levar em conta o progresso científico. Estamos obrigados oferecer vias reais para o desenvolvimento científico, os governos devem impor, entre aspas (não se pode forçar um cientista), direções, algo como grandes leis para o progresso científico. E devemos guardar uma pequena parte dos recursos para idéias novas, geniais.

O que o senhor chama de “idéias geniais”?
O grande desenvolvimento do Genoma. O Genoma Humano significa conhecer o alfabeto de nosso corpo. Agora vamos precisar de pessoas que escrevam as frases. E para isso, precisamos da bioinformática, que será para a França tanto quanto para o Brasil uma prioridade.

Em que parte da genômica Brasil e França poderiam ter colaborações?
O Brasil é um país de grande agricultura, com florestas enormes. Deve-se trabalhar nisso, porque há moléculas naturais nas plantas brasileiras que poderiam ser a base de medicamentos muito importantes. Na saúde há toda uma evolução a ser feita. A França considera freqüentemente a saúde em torno da clínica, mas o setor pode também trazer dinheiro, porque ligados a ele estão a bioinformática, a biomecânica, a economia da saúde, o direito da saúde etc. É preciso conceber agora esses aspectos como prioridade para a França e o Brasil ao longo dos próximos 10 anos. Eis um exemplo fundamental de colaboração, imediatamente aplicável para a sociedade.

Pesquisadores franceses coordenaram o primeiro projeto de seqüenciamento completo de um microorganismo, o da Saccharomyces cerevisiae, dentro de modelo também pioneiro de organização da atividade de pesquisa (uma rede de cerca de 100 laboratórios europeus). Como o senhor vê, neste momento, a pesquisa genômica na França? Outra questão: o estabelecimento, pelo governo, de grandes vias para o desenvolvimento da pesquisa na França não é justamente o que está na base de intensos conflitos entre a comunidade científica e o governo em seu país? A discussão recente sobre o sín-crotron e a discussão mais antiga sobre a reforma do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas) seriam exemplos.
Vou procurar reunir as duas questões em uma só resposta. A ciência evolui como a sociedade, e se a urgência há 30 anos era o domínio da energia, hoje, as urgências para a população estão nos camposda saúde, meio ambiente, educação e a liberdade. É normal, portanto, que um ministro, que, além disso, é um grande cientista (ele tem, em sua especialidade, um prêmio muito importante, equivalente ao Nobel, na França é o número um de sua especialidade em geoquímica e o número dois em geociências de maneira geral), estabeleça, a partir de uma reflexão global, o que quer fazer prioritariamente.

O genoma é uma prioridade, como a saúde, e os dois campos estão relacionados. Por isso a França decidiu criar, há dois anos, em Evry, perto de Paris, um Genoplant, um centro de genoma, numa interação entre os organismo de pesquisa, a universidade, os órgãos de desenvolvimento e a indústria privada. Evry será a cabeça de uma rede à qual estarão ligados centros em Montpelier, Marseille, Strasbourg, etc.

O meio ambiente é muito importante porque estamos vivendo uma virada para a poluição sem nos dar conta e sequer imaginamos toda a poluição que pode existir no futuro. Isso tem tem relação com a saúde, que por sua vez está em relação direta com a pesquisa de genoma. O terceiro ponto é a educação, base de tudo: do auto conhecimento e até da felicidade, que é uma maneira de exprimir a personalidade na medida do possível. É a base para que a sociedade seja mais harmoniosa.

Enfim, a liberdade. Não podemos ter grandes cientistas ou sociedades em grande desenvolvimento em um país que constrange as pessoas. E para ser livre – o que se mede também pela comunicação e pela informação que há em um país – é importante o desenvolvimento de novas técnicas, de meios de comunicação e informação os mais modernos e mais rápidos possíveis. Propomos ao Brasil colaboração também nesse domínio.

E quanto aos conflitos entre a comunidade científica e o governo francês?
Comecemos pelas divergências em torno do síncrotron. A França gasta uma grande verba em pesquisa pública, entre 70 e 80 bilhões de francos (entre US$ 14 bilhões e US$ 16 bilhões). Devemos considerar que 80% dessa soma, ou mais, são investidos em salários. Ora, um pesquisador permanece cerca de 40 anos na atividade e, enquanto progride, seu salário aumenta, de modo que a soma deve obrigatoriamente aumentar a cada ano, para poder pagar o aumento de salários. Logo, ou diminuímos a porcentagem do que resta para fazer a pesquisa funcionar, ou acrescentamos dinheiro. Não se pode indefinidamente aumentar as verbas de pesquisa. E como o conhecimento necessita de pesquisas científicas de desempenho sempre maior, e os aparelhos científicos custam sempre mais e ao fim de alguns anos é preciso trocá-los, há que se encontrar uma solução: é preciso haver colaboração. Não podemos mais construir grandes instrumentos sem nossos vizinhos europeus e a divergência se dá em torno disso.

Pelo que sabemos, a comunidade científica francesa queria um novo síncrotron na França para dar conta de suas necessidades de pesquisa, e o ministério propôs um síncrotron em parceria com a Inglaterra. A comunidade não aceita.
A comunidade de físicos não aceita. Mas há grandes físicos que dizem que não seria necessariamente razoável ter uma aparelhagem somente para a França. A aparelhagem é muito útil para o conhecimento molecular, o conhecimento e desenvolvimento de novos medicamentos, inclusive transgênicos. Mas por que não fazê-la com nossos parceiros?

O conflito entre a comunidade e o governo já dura dois anos. Neste momento é ainda possível a reforma do sistema, do CNRS e universidades, nos termos inicialmente propostos pelo ministro Allègre?
O conflito é longo, mas não é dramático. Conflitos estão sempre presentes nos laboratórios. Os cientistas aparecem para o público como pessoas sob um avental, mergulhadas no próprio pensamento. Mas há mesquinharias nos laboratórios, há pesquisadores que escondem seus produtos para que outros não os vejam, que puxam o tapete para que outros caiam, que fazem sujeiras nos comitês para disputar o dinheiro… Os cientistas defenderão sempre sua própria pesquisa, e o poder deve defender a pesquisa em geral.

Tomemos o CNRS, um grande organismo de pesquisa que nasceu na guerra, se desenvolveu, distribui verbas e tem um orçamento da ordem de 6 bilhões de francos. Ele cria pesquisadores e postos de pesquisadores. Sem as fontes externas, 85% de seu orçamento vão para salários; a idade média de seus pesquisadores varia entre 47-48 anos; e o CNRS é tão grande que seu diretor geral não pode acompanhar tudo. Assim, criou-se dentro dos vários departamentos verdadeiros baronatos. O sistema de avaliação da política do CNRS deve ser discutida no Conselho Científico, mas ele é presidido pelo diretor geral do CNRS e nele há também diretores dos departamentos. Como pode um diretor falar mal de si mesmo no Conselho? Ele justificará sempre suas ações. Por isso o ministro propõe fazer do Conselho Científico do CNRS um verdadeiro conselho, com estrangeiros, e um presidente que não seja o diretor geral do órgão.

Recentemente, uma comissão externa de cientistas avaliou duramente a política do CNRS a respeito dos jovens pesquisadores, que quase não têm responsabilidades nos laboratórios. Na idade de 30 a 45 anos há uma produtividade científica, um gosto pelos riscos, que não se tem mais quando o senso de síntese é muito maior. É preciso dar lugar aos jovens. Por isso também a reforma do sistema de CeT é indispensável.

Queremos estabelecer ligações dos organismos de pesquisa com as universidades para que as descobertas da pesquisa entrem nas universidades, sejam ensinadas e estimulem os estudantes a ter novas idéias. Esses organismos dizem que queremos cerceá-los, que as universidades não fazem boa pesquisa, que são eles os melhores. É falso! E é preciso avaliar, coisa que não fazemos suficientemente porque na França isso é considerado uma sanção.

Ao lado disso, nosso ministro diz que a inovação deve servir à sociedade, e criar empresas. Não é normal que o cristal líquido seja inventado na França e posto em prática no Japão. A França deve ser capaz de ter também uma pesquisa tecnológica de ponta. Não é o caso de fazer como o Japão, que é muito forte em tecnologia, mas começa a perder o chão porque sua pesquisa fundamental não é suficientemente boa. Por isso eles estão relançando a pesquisa fundamental.

Para terminar, voltando às relações França-Brasil, seu país gostaria de receber estudantes brasileiros em que nível de formação?
Até o presente, a cooperação de alto nível ocorre depois do mestrado. Mas poderemos ter também necessidade de estudantes mais jovens em certos domínios, caso em que são necessários os intercâmbios de longa duração (o intercâmbio de alguns meses é útil para grandes cientistas). Para isso, é preciso criar laboratórios mistos entre a França e o Brasil, que permitirão enviar o pesquisador, no mínimo por dois anos, para cada país. É preciso incentivar isso, e incentivarei a USP, através da presidência do Cofecub, à criação de uma unidade associada.

Imaginemos, por exemplo, um laboratório misto para genoma de plantas e bioinformática, haveria um laboratório aqui na USP, que receberia franceses, e um laboratóriono Genoplant de Evry, onde receberíamos os brasileiros. Teríamos intercâmbios e programas comuns. De um modo geral, nas universidades francesas, vemos cada vez menos inscritos em disciplinas que nos parecem fundamentais. Por isso, teremos uma política de atração de estudantes estrangeiros e os próximos dez anos serão capitais, porque pretendemos que pelo menos um terço de nossos estudantes seja de estrangeiros. Esperamos atrair muitos brasileiros

Qual é o lugar da França atualmente na produção científica mundial?
A França investe cerca de 2,3%, de seu PIB em CeT. Isto é mais que a Inglaterra, igual à Alemanha, e menos que o Japão e a Suécia, que investem 3,6%. Em torno de 6 em 1000 publicações internacionais são de pesquisadores franceses. A França decidiu, no governo de Lionel Jospin aumentar investimentos em pesquisa e educação, porque sem isso não podemos ter desenvolvimento econômico. E os países que não compreendem isso, pagam muito caro 10 anos depois.

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