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INSTITUIÇÃO

Das idéias à construção concreta

FAPESP homenageia personalidades que definiram sua história

Num final de tarde chuvoso, dia 8 de dezembro passado, mais de uma centena de pessoas reunidas no hall nobre da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP ouviram atentamente breves relatos e alusões a alguns dos mais combativos e significativos momentos da história desta instituição. Natural: tratava-se ali de prestar uma homenagem póstuma a personalidades cujos nomes, independentemente de ações que os tornaram reconhecidos também em outros campos e ambientes, estão profundamente ligados à trajetória da FAPESP. Evocados com certa carga de emoção por diferentes oradores, os nomes trouxeram fatos, experiências e episódios de resistência e luta dos quais os homenageados foram protagonistas, e que ajudaram a moldar o caráter da fundação.

Os homenageados eram Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Adriano Marchini, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e André Franco Montoro. Políticos, pesquisadores ou intelectuais, esses homens, em diferentes momentos e circunstâncias, tiveram atuação decisiva para que a FAPESP, vencendo sempre resistências retrógradas, fosse prevista na Constituição paulista de 1947, se tornasse realidade 13 anos depois, começasse efetivamente a funcionar em 1962 e, mais tarde, visse aperfeiçoadas e ampliadas as bases financeiras para seu funcionamento eficiente e autônomo, de modo a garantir suporte e estímulo contínuos ao desenvolvimento científico e tecnológico do Estado de São Paulo.

A homenagem naquela tarde de dezembro tinha uma motivação direta: o lançamento, na mesma data, dos livros FAPESP – Uma História de Política Científica e Tecnológica e Para Uma História da FAPESP – Marcos Documentais , resultado de uma extensa pesquisa coordenada pelo professor Shozo Motoyama, diretor do Centro Interunidade de História da Ciência, da USP (ver resenha na edição 48 da revista Pesquisa Fapesp). Os homenageados têm lugar de destaque entre os mais de cem personagens dessa obra.

Atos de estadistas
Em sua saudação aos familiares dos homenageados, o professor José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, disse que nesta condição está “há seis anos entrando no prédio da Fundação e, nos quatro anos anteriores entrava como coordenador da área de física, experimentando, a cada dia, a mesma sensação de respeito e admiração por aqueles que plantaram a semente e construíram esta instituição”. Perez lembrou o papel fundamental do governador Carvalho Pinto na implantação da FAPESP, destacando que “ele acreditou no modelo de fundação proposto e aprovado na lei votada pela Assembléia Legislativa – que previa recursos vinculados à receita tributária do Estado e apoio a pesquisas em todas as áreas do conhecimento – e liberou os recursos para formar o patrimônio inicial desta Fundação”.

Reverenciou a memória do governador Franco Montoro, observando que em seu governo (1983-1987) foi sancionada a lei que tornou mensais os repasses financeiros do Tesouro Estadual para a FAPESP, rigorosamente cumprida, desde então, como um compromisso por “todos os governos paulistas”. A idéia do “compromisso político sólido” do governo paulista com a ciência e a tecnologia foi retomada mais adiante pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres de Pontes, ressaltando que a história da FAPESP é um dos exemplos nesse sentido. O secretário observou que, das sete personalidades homenageadas, duas governaram o Estado de São Paulo – Carvalho Pinto e Franco Montoro – e tomaram decisões arrojadas que resultaram diretamente na existência e na expansão da FAPESP. “Eles agiram com visão de estadista, assumiram compromissos e os cumpriram”, disse.

José Aníbal referiu-se ao aumento do percentual de 0,5% para 1% das receitas tributárias do Estado destinado à FAPESP, que foi definido na Constituição Estadual de 1989, como uma prova de que “a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo teve a sensibilidade de ampliar a generosa dotação do povo paulista para a pesquisa”. O secretário voltou a citar os dois governadores homenageados ao dizer que Carvalho Pinto, criando a Fundação, e Franco Montoro, ampliando as condições para a FAPESP atender às necessidades de novos tempos – separados por um intervalo de quase 30 anos -, “representam uma feliz convergência de iniciativas de homens públicos comprometidos com as tendências dos seus tempos e não apenas com as respostas para questões imediatas”.

Vontade política
A visão das personalidades homenageadas, “que já nos anos 40 compreendiam o quanto é importante para uma nação a capacidade de gerar e aplicar conhecimento”, foi destacada pelo presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Isso que agora nos parece muito evidente, talvez não fosse assim tão óbvio naquele tempo”, disse. Enfatizou que o Estado de São Paulo tem apoiado as atividades de educação, ciência e tecnologia, mesmo em momentos de dificuldades orçamentárias, “o que coloca a FAPESP diante de uma imensa responsabilidade, pois trabalha com recursos do contribuinte e deve manter o compromisso de apoiar atividades que de alguma maneira gerem benefícios para a sociedade”.

O diretor presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, definiu a Fundação como “uma das instituições paulistas surgidas da convergência de interesses legítimos da sociedade, que expressa uma cultura típica deste Estado, capaz de criar e bancar empreendimentos voltados para a ciência”. Landi observou que muitas outras personalidades, além das que estavam sendo homenageadas naquele momento, “merecem gratidão e reconhecimento por terem participado da saga de criação e desenvolvimento da Fundação”.

Mais adiante, o pró-reitor de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP), Hernan Chaimovich, detendo-se na relação da FAPESP com a comunidade científica do Estado de São Paulo, lembrou sua própria experiência ao se mudar de seu país, o Chile, para o Brasil, há trinta anos. Ele contava com uma bolsa de pesquisa da FAPESP para trabalhar no laboratório do professor Alberto Carvalho da Silva (ex-diretor presidente da Fundação), na Faculdade de Medicina. “Era um período complexo para este país, o doutor Alberto tinha perdido seus direitos políticos e já não era mais docente da USP. Mas a FAPESP manteve o compromisso, incluindo a liberação de recursos para montar o Laboratório de Enzimologia.”

Segundo Chaimovich, este é apenas um exemplo numa história muito mais ampla de apoio à comunidade científica em São Paulo. “Não por acaso a FAPESP é identificada com a construção social do conhecimento, do saber, da tecnologia, no Estado de São Paulo, pois foi fundada, como a USP, com base em vontade política que expressava o sentimento de uma sociedade que acredita na criação do conhecimento.

“O reitor da USP, Jacques Marcovich, que, preso em outro compromisso, já fora representado pelo pró-reitor de pesquisa, conseguiu chegar à FAPESP antes que a cerimônia fosse encerrada e também dirigiu simpáticas palavras de saudação às personalidades homenageadas e à Fundação. Um toque final: o clima emocionante da homenagem a personalidades que marcaram a história da FAPESP foi acentuado pela música do Coral da USP.

Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto
Governador do Estado de São Paulo (1959-1963), sancionou em 18 de outubro de 1960 a lei número 5.918, que instituiu a FAPESP. Disse: “Se me fosse dado destacar alguma das realizações da minha despretensiosa vida pública, não hesitaria em eleger a FAPESP como uma das mais significativas para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país”.

Adriano Marchini
Engenheiro, primeiro diretor-superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Foi um dos principais autores do documento “Ciência e Pesquisa”, peça-chave para sensibilizar os deputados da Constituinte de 1947 sobre a necessidade de uma fundação destinada a impulsionar a ciência e tecnologia no Estado de São Paulo.

Antonio Barros de Ulhoa Cintra
Professor da Faculdade de Medicina, foi reitor da Universidade de São Paulo (1960-1963) e secretário da Educação e Cultura do Estado no governo Abreu Sodré. Atuou na elaboração do primeiro projeto de lei com o objetivo de tornar realidade o Artigo 123 da Constituição de 1947. Foi o primeiro presidente do Conselho Superior da FAPESP (1961-1973).

Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti
Professor da Faculdade de Medicina da USP, participou dos Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional, criados para “apoiar a contribuição da universidade para a vitória das forças democráticas” na Segunda Guerra. Fez parte da elaboração do documento “Ciência e Pesquisa”. Foi o primeiro diretor-presidente da FAPESP, no período de 1961 a 1969.

Caio Prado Junior
Historiador, foi deputado pelo Partido Comunista Brasileiro na Constituinte de 1947. Em 2 de outubro de 1947, a bancada do PCB apresentou o projeto de lei número 248, propondo a criação da “Fundação Paulista de Pesquisas Científicas”. Sempre se empenhou para evitar que a legislação desse margem à ingerência política na fundação, que deveria ter autonomia plena.

Florestan Fernandes
Sociólogo, professor da Universidade de São Paulo, conselheiro da FAPESP de 1961 a 1963, foi deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT).Na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, destacou-se como autor de emenda que permite aos Estados destinar parcela da arrecadação de impostos ao fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

André Franco Montoro
Governou o Estado de São Paulo de 1983 a 1987. Apoiou vivamente o projeto que aumentaria de 0,5% para 1% o percentual sobre a arrecadação do ICMS e outros impostos estaduais destinado às atividades de pesquisa apoiadas pela FAPESP. Em seu governo, a FAPESP passou a receber recursos na forma de duodécimos, calculados sobre a arrecadação do mês anterior.

Placas para os familiares

O tributo póstumo a Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Adriano Marchini, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e André Franco Montoro reconhece o empenho que tiveram estes políticos, pesquisadores e intelectuais, nos seus respectivos campos de atuação, para criar as condições que levaram o Estado de São Paulo a ter uma liderança forte no desenvolvimento científico e tecnológico nacional, responsável por colocar o Brasil em posição de destaque no Hemisfério Sul.

Estiveram presentes na cerimônia de 8 de dezembro familiares de cinco dos homenageados: Maria Thereza Marchini, filha de Adriano Marchini; Regina de Ulhoa Cintra, filha de Antonio Barros de Ulhoa Cintra; Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti Filho, filho de Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti; Miriam Fernandes, viúva de Florestan Fernandes; Fernando Montoro, filho de André Franco Montoro. Placas simbolizando a homenagem da FAPESP foram entregues aos familiares pelo diretor administrativo da Fundação, Joaquim José de Camargo Engler.

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