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ANTROPOLOGIA

A lente de Jean Rouch

Vídeo recupera a vida e a obra do antropólogo francês

A ciência, ao contrário do que se convenciona pensar, não é avessa ao imaginário. Jean Rouch que o diga. Aclamado como precursor do cinema-verdade, o antropólogo que buscava, com o olho da câmera, ver além do olhar humano, tem sua máquina direcionada para si. Sob coordenação de Sylvia Caiuby Novaes, o projeto Jean Rouch no Brasil. Subvertendo Fronteiras: Cinema e Antropologia , dos alunos de pós-graduação em Antropologia Social da USP Ana Lúcia Ferraz, Edgar Teodoro da Cunha, Paula Morgado e Renato Sztutman, é um vídeo que suscita a discussão sobre o uso da imagem na ciência social.

O documentário, feito a partir de cenas de filmes, entrevistas com o antropólogo e imagens de sua visita ao Brasil, em 1996, recebeu um auxílio para edição da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no valor total de R$ 64 mil. “Numa primeira abordagem, Rouch mostra o quanto há de construção no que fala um antropólogo e um cineasta e, num segundo momento, usa o cinema para provocar uma reflexão da realidade que, para ele, só é entendida se reconstruída”, observa Sylvia.

Não se trata, porém, de uma criação ficcional restrita ao entretenimento. A ficção poderia ser usada, desde que como um subsídio à pesquisa. Por isso, lembra Sylvia, “Rouch propõe a antropologia compartilhada, em que os personagens não deveriam ser vistos somente como objetos de estudo, mas como sujeitos de uma realidade”, comenta. Assim, nada de representação ou cortes. A visita de Rouch ao Brasil impulsionou o trabalho do grupo, antes restrito à discussão. Como participante da 3ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, no Cinusp, Rouch reafirmou a importância do cinema como meio de registrar as culturas em via de transformação ou desaparecimento. A partir da imagem o antropologista fazia análises estruturais e teóricas.

Seu principal campo de estudo, a África dos anos 50, em processo de liberdade tardia, é formada por sociedades da oralidade. Assim, seria o cinema a sua representante e não a linguagem escrita, a tese etnológica. “Ele propõe a antropologia visual, compartilhada, para romper as amarras do colonialismo”, diz Sylvia. É a discussão iniciada por Vertov e Flaherty. “Precisava-se criar uma linguagem própria do cinema, dissociada da teatral e da literária”, afirma Sylvia. Mais uma vez, aparece a relevância da oralidade, que, unida às técnicas do plano e som direto por ele implementadas, contribuiu para o nascimento da Nouvelle Vague francesa, que pode ser vista na filmografia de Godard.

Rouch formou-se em engenharia civil no início dos anos 40. Assim que a França foi invadida, durante a 2ª Guerra Mundial, ele foi trabalhar na África.Primeiro, na Nigéria, onde, entre a construção de uma ponte e outra, filmou os curtas Les Magiciens de Wanzerbe , em 1948, sobre os ritos mágicos, e Circoncision , um ano depois, sobre um rito de circuncisão de crianças de Hombori, uma aldeia do Mali.

Mas foi no Senegal que, ao ver os negros, que com ele construíam uma ponte, iniciarem um ritual ao som de uma trovoada, fez seu filme preferido, Les Maîtres Fous , em que usou o candomblé para discutir o colonialismo. Na década de 60, Rouch, estimulado por Edgar Morin, filmou Chronique d’un été . O sociólogo propôs a ele que voltasse seu olhar para a própria cultura, a cultura parisiense.

As filmagens, feitas no verão, com a cidade deserta, questionam, por meio de entrevistas, o ideal de felicidade. Hoje, Rouch, aos 83 anos, continua filmando por Paris. Inveja Manoel de Oliveira, cineasta português quase dez anos mais velho do que ele, por estar também em atividade. E começa a ver alguma graça em filmes visionários.

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