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Rui Rasquilho

A história é um patrimônio comum

Brasileiros e portugueses podem colaborar mais

Historiador português Rui Rasquilho vê no Projeto Resgate um sinal de aproximação dos pesquisadores dos dois lados do Atlântico e usa argumento de peso para defender os trabalhos conjuntos: só o conhecimento da verdade para substituir os equívocos nas relações entre brasileiros e portugueses.

Como as comemorações dos 500 anos da viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil estão ajudando a desenvolver o conhecimento da história comum de portugueses e brasileiros?
As comemorações conjuntas dos 500 anos do descobrimento do Brasil, unindo portugueses e brasileiros, trouxeram um importante estímulo à investigação histórica. De maneira particular, intensificaram o acesso de equipes brasileiras de pesquisa ao Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. Uma parte substancial deste arquivo, importantíssima para a história do Brasil, estava ainda por ser estudada. Nem mesmo estava classificada. Por isso, a sua reorganização, levantamento e passagem para microfilme e CD-ROM são importantíssimos para futuras pesquisas.

Em que medida este trabalho, o Projeto Resgate, poderá ser útil também para futuras colaborações entre Portugal e Brasil na área da história?
Cada vez mais, o Brasil e Portugal descobrem um ao outro. Cada vez mais, historiadores de ambos os países se encontram em congressos. Disso resulta que fazem investigações comuns, escrevem sobre a história dos dois países. A continuação deste trabalho conjunto será, a partir da conclusão do Projeto Resgate, feita a partir dos milhares de documentos agora colocados à disposição dos historiadores.

Então esse projeto pode ser considerado muito importante para o futuro?
Desde que em 1943 se criou a Comissão de Estudos dos Textos de História do Brasil que nada de tão importante havia sido feito nesse campo de estudos como o Projeto Resgate. As notícias de que o trabalho de microfilmagem será ampliado são muito interessantes. Deve-se assinalar que não é apenas em Portugal que o Brasil tem uma vasta documentação histórica sobre o seu passado. Em outros países da Europa, na Holanda e na França, sobretudo, há conjuntos de documentos muito importantes, que terão inegavelmente uma enorme valia para a compreensão do passado do Brasil.

O trabalho de microfilmagem também facilitará o acesso dos historiadores portugueses aos documentos do Arquivo Ultramarino? Podemos esperar novos estudos de historiadores portugueses, nos quais o material recolhido pelo Projeto Resgate será aproveitado?
Não tenho qualquer dúvida de que os historiadores contemporâneos, dos dois lados do Atlântico, poderão, a partir da microfilmagem sistemática dos documentos da época colonial do Brasil, vir a redesenhar novas teorias ou chegar a novas conclusões sobre a história comum luso-brasileira. Falo sobre todos os documentos existentes na Europa, não apenas os que estão no Arquivo Ultramarino ou mesmo em território português.

Numa espécie de contrapartida à abertura do Arquivo Ultramarino para os pesquisadores brasileiros, os historiadores portugueses terão acesso a documentos, inclusive aos relativos à administração portuguesa que permanecem em arquivos brasileiros desde a viagem de dom João VI para o Rio de Janeiro. O senhor acredita que esses documentos serão úteis para a historiografia portuguesa?
A filosofia é a mesma. Isto é, só haverá benefícios para Portugal se as fontes e documentários existentes no Brasil forem colocados em Portugal, à disposição dos nossos historiadores. O princípio do patrimônio comum, estabelecido pela Unesco para casos como este, é um modelo muito eficaz para que nos conheçamos melhor e acabemos com os equívocos, substituindo-os de maneira firme e decidida pela verdade. Compartilhar o passado é prestar um serviço ao futuro.

Foi publicado recentemente um livro de um historiador português, Jorge Couto, sobre os primeiros anos do Brasil, chamado A Construção do Brasil. Esse livro seria um exemplo do aproveitamento de fontes comuns, em Portugal e no Brasil?
O livro do doutor Jorge Couto, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é provavelmente o mais importante estudo contemporâneo sobre a formação do Brasil e sobre a sua construção, antes e depois da chegada dos portugueses. O doutor Jorge Couto trabalhou exaustivamente as fontes disponíveis e o seu texto é um testemunho evidente do trabalho de pesquisa que os historiadores costumam realizar.

Qual é a situação atual do interesse de estudos sobre o Brasil por parte da historiografia portuguesa?
É cada vez mais evidente o interesse dos pesquisadores portugueses sobre o Brasil. Ele aparece em diversas áreas do estudo da história. As publicações recentes demonstraram de maneira muito clara o interesse que brasileiros e portugueses manifestam, em sucessivos colóquios e congressos bilaterais, sobre a divulgação mútua de sua história.

Na sua opinião, como poderia ser alcançada uma maior articulação entre as investigações históricas portuguesas e brasileiras? Quais os grandes temas que deveriam ser estudados em primeiro lugar num projeto comum de pesquisas históricas, envolvendo Brasil e Portugal?
É inquestionável que durante cerca de 300 anos Brasil e Portugal viveram em comum. Melhor dizendo, o Brasil fazia parte do território português. Por isso, os projetas comuns luso-brasileiros são fundamentais para que se compreenda o nosso passado comum. Quanto aos grandes temas, os novos levantamentos feitos por meio do Projeto Resgate vão com certeza indicar caminhos para novas e interessantes pesquisas.

Esses projetas precisariam ter um caráter nacional?
Não. É certo que muitos dos projetas luso-brasileiros poderão ser estaduais ou no mínimo regionais, tal a riqueza da documentação escrita levantada e tratada nos últimos anos. Também é certo que esse trabalho comum entre portugueses e brasileiros é de insuspeitado alcance cultural e histórico. Só não uso a palavra exemplar porque se trata de um conceito que não é de meu particular agrado.

Professor de História, Rui Rasquilho ocupa, desde 1995, o cargo de conselheiro cultural da embaixada de Portugal em Brasília. Faz parte desde 1994 do corpo especializado do Ministério dos Negócios Estrangeiros. É diretor do Instituto Camões no Brasil e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia Lusíada de São Paulo. Poeta, publicou seu primeiro livro de poesias, Do Lado Oposto do Tempo, em 1996, quando já estava em Brasília. O mais recente, O Limite do Fogo, saiu em 1998.

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