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Controle Biológico

Banco de inseticidas naturais

Acervo de fungos, vírus e bactérias ajuda a combater as pragas do campo

Uma coleção de vidros com amostras de fungos, vírus, bactérias, nematóides e protozoários está mudando a forma de combater as pragas que devastam a agricultura brasileira. Vindos continuamente de todo o Brasil, esses seres formam o acervo do Banco de Microrganismos, implantado no Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental do Instituto Biológico, em Campinas. E com eles são feitos bioinseticidas que podem substituir os agrotóxicos na luta contra algumas pragas de alcance nacional, como a cigarrinha-de-pastagem, o percevejo-de-renda da seringueira, o moleque-da-bananeira e a broca-dos-citrus.

Com uma vantagem: são atóxicos. “Não há nenhum relato de plantas, animais e homens que tenham sido atacados por microrganismos entomopatogênicos”, diz José Eduardo Marcondes de Almeida, o curador do banco. Uma razão a mais para comemorar: “Os bioinseticidas podem ser usados da mesma forma como os agrotóxicos, sem qualquer equipamento específico.”

Os microrganismos entomopatogênicos – que não fazem mal a plantas ou animais, mas causam doenças em insetos – permanecem na sala refrigerada que lembra os centros de produção de vacinas, tal o controle da assepsia. É dali que sai a matéria-prima para estudos de controle biológico de pragas na agricultura, em andamento em centros de pesquisa de São Paulo, Paraná, Bahia e Pernambuco.

É também com esse material que o Banco de Microrganismos Entomopatogênicos Oldemar Cardim Abreu – assim chamado em homenagem ao pesquisador que iniciou no Biológico, no finaldos anos 70, os estudos de produção e armazenamento do fungo Metarhizium anisopliae – produz seis tipos de bioinseticidas. Não é pouco: no ano passado, o banco produziu 1,5 tonelada de bioinseticidas, vendidos aos agricultores e empresas agrícolas do país inteiro, em líquido ou na forma sólida, a um preço próximo ao custo (R$ 20 o litro ou R$ 15 o quilo).

Dinamismo
Na avaliação de Antonio Batista Filho, que coordena o banco e dirige o Centro Experimental, esses resultados devem-se a uma guinada na história do banco. Criado em 1982 pelo engenheiro agrônomo Benedicto Pedro Bastos Cruz, viveu anos de avanços discretos até agosto do ano passado. Foi quando começou a ser reorganizado, com um apoio financeiro de R$ 44,3 mil da FAPESP, ao longo do projeto Formação de um Banco de Microrganismos Entomopatogênicos no Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental do Instituto Biológico, sob sua coordenação. Com novas salas de criações de insetos, incubadoras, microscópios e geladeiras para armazenamento dos microrganismos, ocorreu um salto: o acervo passou de 63 para 260 amostras isoladas. Cada tipo de microrganismo recebe o tratamento que merece.

Os fungos são armazenados em tubos de cultura com óleo mineral estéril em geladeira ou em eppendorfs (pequenos tubos plásticos com tampa) no freezer. Com a reviravolta iniciada no ano passado, as 63 amostras – antes conservadas pela técnica antiga, em arroz pré-cozido – foram reisoladas e agora se acomodam nos eppendorfs e tubos de cultura. As bactérias também são mantidas em tubos de cultura na geladeira e os vírus em suspensão e em insetos mortos no freezer. Já os nematóides são conservados em culturas, e os protozoários, em insetos mortos no freezer. Como a qualquer momento podem ser requisitados para novas pesquisas, os microrganismos são mantidos vivos, ainda que eventualmente em estado de dormência, quase como em ibernação.

Crescimento
Almeida tinha 14 anos e ainda morava com os pais em Campinas quando decidiu: dali para a frente, queria estudar seriamente os mecanismos que permitissem o controle de pragas na agricultura, sem poluir o ambiente e contaminar plantas, animais e o próprio homem. Uma alternativa, enfim, aos agrotóxicos, que começavam a ser malvistos. A par de sua decisão, é mais fácil entender o mal contido orgulho com que hoje, aos 32 anos, ele exibe o acervo do Banco de Microrganismos. Almeida realizou o sonho de menino, mas como engenheiro agrônomo ainda não chegou onde deseja. Para o banco dar suporte aos programas de controle biológico de pragas, diz ele, será preciso obter no mínimo 500 isolados de fungos, 25 de vírus, bactérias e de nematóides das espécies mais importantes.

É quase o dobro do acervo. Não se trata de uma meta impossível: a cada semana chegam em média dez novas amostras de microrganismos. Até agora, pelo menos 80% dos microrganismos do acervo são fungos. Prevalecem em relação aos demais porque atuam sobre os insetos por ingestão e contato. São, por isso, mais fáceis de serem manejados durante a coleta, identificação, isolamento e produção de bioinseticidas. Nem sempre é tão fácil. Ainda são pouco desenvolvidas, por exemplo, as técnicas de isolamento, conservação e manipulação de vírus, bactérias, nematóides e protozoários, que provocam doenças somente quando ingeridos pelos insetos. “Num inseto morto”, lembra Almeida, “as bactérias se deterioram em doisa três dias, enquanto a deterioração dos vírus dura dez dias”.

Para montar o acervo, a equipe (cinco pesquisadores e dois técnicos) percorreu todo o estado em busca de amostras de material. Coletaram em regiões diferentes porque muitas vezes os microrganismos de uma mesma espécie apresentam peculiaridades genéticas e atacam tipos diferentes de pragas. Ao contar da origem do acervo, Almeida não deixa de ressaltar a intensiva troca de materiais com bancos semelhantes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal.

Intercâmbios
O Centro Experimental fornece material para bancos em formação – como os da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, e da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. E mantém intercâmbios com centros do exterior. É o caso da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, do Ministério da Agricultura e Pecuária, na Costa Rica, e do Instituto de Sanidade Vegetal de Cuba. Só recebem material as instituições públicas que desenvolvem pesquisas de controle microbiano de insetos ou melhoramento genético de microrganismos benéficos à agricultura. Há um cuidado indispensável: em um documento, o técnico responsável pela instituição se compromete a utilizar o material somente em pesquisas. Para empresas produtoras de bioinseticidas, o material só segue após a assinatura de um convênio para o recolhimento de royalties.

Atualmente, a pesquisa concentra-se em cinco espécies. Três são de fungos: o Metarhizium anisopliae, o Beauveria bassiana e o Sporothrix insectorum. Uma é de vírus, o Baculovírus. A quinta é de uma bactéria, o Bacilus thuringiensis. Cada uma delas merece uma rápida apresentação. O Metarhizium ataca o maior número de espécies de insetos e pragas. Dois exemplos: a broca-do-citrus, que prejudica sensivelmente as laranjeiras e limoeiros, e a cigarrinha-de-pastagens, que faz o capim amarelar e assim cair a produção de carne e leite.

Beauveria é outro fungo de ação ampla: infecta a broca-do-café e a broca-da-banana, entre outras. O Sporothrix controla o percevejo-de-renda da seringueira e é a principal praga dessa cultura no Estado de São Paulo. O Baculovírus é o vírus de um dos maiores programas de controle biológico do mundo no combate da lagarta da soja, uma praga que come a folha da planta e faz a produção despencar. Por fim, o Bacilus thuringiensis controla diversas espécies de lagartas, entre elas a lagarta da soja e a traça do tomateiro.

Bananeiras
A descoberta de cepas mais virulentas permite a formulação e produção de bioinseticidas específicos. É o caso do CB 66, uma cepa do fungo Beauveria bassiana, que ataca o ácaro vermelho da erva-mate. Também controla a broca ou moleque-da-bananeira, que perfura a raiz e o caule da planta e veicula doenças como o mal-do-panamá, um fungo que ataca a bananeira e contamina o solo. É um perigo crescente. “Em São Paulo, as variedades de banana-maçã e prata estão em extinção por causa do mal-do-panamá”, informa Batista Filho. O Biológico participa desde 1995 do manejo da broca-da-bananeira com o fungo Beauveria bassiana, desenvolvido para a região do Vale do Ribeira, em São Paulo. O uso do bioinseticida contribui para preservar o ecossistema e assegurar a qualidade de vida dos habitantes da região.

A experiência no Vale do Ribeira atestou a relevância do banco e apontou novas necessidades. Desde o ano passado, os pesquisadores trabalham na produção intensiva de bioinseticidas à base de fungos vivos, que conta com um financiamento de R$ 50 mil da FAPESP para o projeto Desenvolvimento de Processos de Produção e Formulação de Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae e Sporothrix insectorum. O objetivo: resolver um problema, a conservação, e fazer com que esses produtos possam ser mantidos em condições naturais, fora da geladeira, nem sempre presente nos sítios Brasil afora. Com essa preocupação, a equipe do Biológico formulou, já em 1997, um bioinseticida oleoso com o Baculovírus anticarsia, que apresentou uma eficiência superior a 80% no controle da lagarta da soja. E, como se pretendia, pode ser guardado em armários comuns por até dois anos.

Alta produção
Quando se comprova que uma formulação dá certo, a produção cresce rapidamente. Um exemplo: na última safra, os agricultores do Estado de São Paulo, o maior produtor nacional de látex, pulverizaram 5 mil hectares de seringueira com 5 mil litros do bioinseticida líquido CB 79. Elaborado com uma cepa do fungo Sporothrix insectorum, o CB 79 controla uma das pragas mais indesejadas no cultivo da seringueira, o percevejo-de-renda, que reduz a produção de fotossíntese da planta e, em conseqüência, a produção de látex, matéria-prima natural para a produção de borracha. Do bioinseticida feito com o fungo Metarhizium anisopliae E9, utilizado no combate à broca-do-citrus e à cigarrinha-das-pastagens, foram aplicados mais de 460 quilos, especialmente no Vale do Paraíba.

Bioinseticidas para controle biológico de pragas são produzidos também por empresas, em alguns casos com tecnologias repassadas por institutos de pesquisa como o Biológico. As vendas atingem valores significativos. Almeida estima que 20 toneladas de bioinseticida com Baculovírus sejam aplicadas em mais de 1 milhão de hectares de soja e movimentem cerca de US$ 2 milhões por ano. Os preparados com o Bacillus thuringiensis – umas das bactérias mais importantes para o controle de diversas espécies de lagarta, que devem movimentar 60% das vendas de bioinseticidas em todo o mundo – aproximam-se no Brasil de 160 toneladas e geram uma receita de US$ 2,5 milhões. A cada ano, a agricultura nacional consome também cerca de 66 toneladas de bioinseticidas à base de fungos: 55 toneladas de Metarhizium anisopliae, 3 deBeauveria bassiana e 8 deSporothrix insectorum , que equivalem a vendas de aproximadamente US$ 1 milhão.

Melhoramento genético
Assim que puder, a equipe do Biológico pretende iniciar os estudos de caracterização e melhoramento genético dos microrganismos. Outro objetivo: providenciar as patentes dos bioinseticidas. Porque está provado: ainda há um espaço imenso pela frente. Segundo Almeida, existem mais de 1 milhão de espécies de insetos conhecidos em todo o mundo que causam pelo menos uma doença.

“No século 21, o controle biológico será um dos principais métodos de controle de pragas”, diz o pesquisador, que, mesmo empolgado, não tira o pé da realidade. Segundo ele, é importante conferir se há impacto ambiental em função da quantidade de microrganismos e da área em que são aplicados. “De antemão”, diz ele, “acreditamos que o impacto seja muito reduzido ou praticamente nulo, quando comparado com o provocado pelos agrotóxicos.”

Boas notícias por todo lado

Encontram-se em andamento oito projetos com as amostras de microrganismos enviadas pela unidade do Instituto Biológico em Campinas. Em um dos laboratório do próprio instituto, em Pindamonhangaba, o pesquisador engenheiro agrônomo Hélio Minoru Takada está testando o controle do gorgulho aquático do arroz Oryzophagus oryzae com o fungo Beauveria bassiana CB 74 e comprovou que o isolado causou mortalidade de 70% na população da praga.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), outra pesquisadora do Biológico, a biomédica Leila Barci, seleciona os isolados de dois fungos, o Beauveria bassiana e o Metarhizium anisopliae, para controle de carrapatos bovinos. Esse é o tema de sua tese de doutoramento.

Na Universidade do Oeste do Paraná, em Cascavel, o biólogo Renato Cassol, sob a orientação do professor Luiz Francisco Alves, estuda o controle do ácaro rajado do chá-mate, em cujo plantio, a princípio, não poderiam ser usados produtos químicos que pudessem contaminar as plantas, consumidas diretamente.

O próprio Almeida coordena um projeto de controle da cigarrinha da raiz da cana, que causa amarelecimento da cana colhida sem queima no Estado de São Paulo e prejuízos de até 30% em toneladas por hectare de açúcar. No doutorado que faz na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, o engenheiro agrônomo Luís Garrigós Leite, do Centro Experimental do Instituto Biológico, desenvolve meios de cultura para a produção de três espécies do fungo do grupo Entomophthorales, que ele pretende empregar no controle de cigarrinhas e ácaros. Leite já conhece o efeito de sais, vitaminas, aminoácidos e açúcares no crescimento dessas espécies.

PERFIS:
Antônio Batista Filho
, paulistano de 42 anos, formou-se engenheiro agrônomo em 1981 e concluiu em 1997 o doutorado em Entomologia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). É coordenador do Banco de Microrganismos Entomopatogênicos Oldemar Cardim Abreu e diretor do Centro Experimental do Instituto Biológico, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, em Campinas, onde é pesquisador desde 1983.

José Eduardo Marcondes de Almeida nasceu em Campinas e tem 32 anos. Formou-se engenheiro agrônomo em 1990 pela Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, e concluiu o doutoramento em Entomologia, há dois anos, pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). É o curador do Banco de Microrganismos e pesquisador científico Instituto Biológico desde 1998.

ProjetoFormação de um Banco de Microrganismos Entomopatogênicos no Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental do Instituto Biológico
Investimento : R$ 44.327,50

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