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Engenharia Eletrônica

Sob o domínio do barulho fabril

Empresa desenvolve sensores que controlam máquinas industriais

Quem entra no setor de usinagem de uma indústria depara com diversas máquinas multiformes em operações barulhentas. Algumas são chamadas de robôs e todas ganharam recentemente um novo tipo de controle, por meio de sensores que detectam se há algo errado de acordo com o som emitido pelo equipamento. Esse sistema de controle avançado é o tema do trabalho da Sensis, empresa de São Carlos que está prestes a terminar a segunda fase do projeto Pesquisa e Desenvolvimento de Sistemas Microcontrolados para Monitoramento de Operações de Usinagem de Componentes de Precisão Utilizando Emissão Acústica, do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Com ele, a empresa Sensis conclui as pesquisas para a elaboração de um novo modelo de sensor.

O novo sistema é um avanço em relação aos produtos existentes no mercado que fazem medição de ruídos para checagem de processos de produção. Na usinagem, esses aparelhos fazem o controle, por meio de sensores, em funções como fresamento, furação, retificação e torneamento. A própria Sensis fabrica um modelo de sensor, o BM12, capaz de fornecer dados confiáveis. Mais de 60 unidades desse equipamento foram vendidas a fábricas de autopeças do Brasil.

O problema do BM12 é sua limitação analógica, ou seja, ele funciona sem nenhum aparato digital, e assim é incapaz de se comunicar com as novas máquinas geradas ou melhoradas pelo processo de informatização. “Nosso desafio foi descobrir o que precisava ser feito para o BM12 incorporar as funções digitais, resultando num processo de usinagem mais confiável e de melhor qualidade”, explica o coordenador do projeto e sócio da Sensis, Luiz André Melara de Campos Bicudo.

Entre as buscas para aperfeiçoar o aparelho, os cinco sócios da Sensis vasculharam o mundo dos softwares para encontrar um sistema de monitoramento eficaz e confiável. “Tivemos de desenvolver tudo. Não encontramos nada que nos interessasse”, reforça Bicudo. Assim, ao mesmo tempo em que avançavam nos modelos de sensores, desenvolviam um software próprio.

Depois de receber todas as inovações e ser batizado com um novo nome, DM42, omodelo foi exaustivamente testado nos últimos meses. Cerca de 30 protótipos da nova geração ganharam vida em máquinas instaladas no chão de fábrica de várias empresas, como a Norton, nos Estados Unidos, e a Zema Szelics, no Brasil. A norte-americana é líder mundial na fabricação de rebolos – discos abrasivos que cortam metais – para máquinas retificadoras e pertence ao grupo Saint-Gobain. A Zema fabrica aqui máquinas que utilizam o rebolo.

“Eu uso o produto da Sensis com sucesso. Estou até juntando dados que mostram sua importância para o nosso negócio”, relatou o pesquisador Chris Arcona, da empresa Saint-Gobain Abrasives, o homem que gerencia o processo de adaptação do DM42 nas máquinas da Norton.

Anéis de cerâmica
A chave do sucesso do aparelho são os sensores. Eles são montados em seis formatos, todos levando em suas entranhas pequenos anéis de cerâmica piezoelétrica, matéria-prima escolhida pela sua enorme capacidade de funcionar como captador de som. De acordo com as operações a serem executadas (fresamento, torneamento, etc.), os modelos foram sendo desenhados.

Uma das versões é fixada na base de trabalho das máquinas por ímãs, para que a instalação e o funcionamento não dependam de parafusos. Um segundo modelo (sensor fluídico) requereu ainda mais ajustes porque capta o som da interação das ferramentas com as peças a partir do óleo de lubrificação da própria máquina. O tempo de resposta do sistema é da ordem de 7 a 8 milissegundos.

Em outra versão do DM42, foram acrescidos instrumentos de temporização e lógica, dispositivos que controlam os ciclos de interação das peças com as máquinas, além de definir a natureza dos sinais registrados. No conjunto, mais de 20 parâmetros são definidos, tais como o nível do som que vem do sensor para ser amplificado e em seguida comparado no computador.

Monitorar uma peça fundida em processo de retificação é apenas uma das missões do DM42. “É perfeitamente possível analisar o grau de desgaste do rebolo e assim aferir maior qualidade ao processo final”, explica Juarez Felipe Júnior, sócio da Sensis. Devidamente alimentado por parâmetros de sons, o DM42 é capaz de detectar a posição real do rebolo e as características de sua superfície. Ao fazer isso evita problemas. Pelas características da imagem mostrada numa tela de computador o operador de uma máquina retificadora pode acionar uma etapa de correção do rebolo, conhecida como dressagem, que consiste no reavivamento dos milimétricos grãos do rebolo com o uso de um diamante afiado.

Sem colisões
Por eliminar etapas lentas, como a vagarosa aproximação dos rebolos, e também por ser capaz de detectar colisões com peças colocadas acidentalmente, o DM42 torna o processo de usinagem mais rápido e seguro. Ao simples contato da ferramenta com um objeto que não deveria estar no campo operacional da máquina, o dispositivo interrompe automaticamente o funcionamento do conjunto de rebolos. “Numa fábrica que ganhe um minuto por peça fabricada, a conta no fim do mês pode ser impressionante”, lembra Bicudo.

O nascimento da Sensis ocorreu no Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da Escola de Engenharia Mecânica da Universidade de São Paulo (USP), câmpus de São Carlos. Ali, o atual coordenador João Gomes de Oliveira abriu uma linha de pesquisa, em 1993, depois de ter retornado dos Estados Unidos onde fez seu pós-doutorado. Nos laboratórios da Área de Fabricação Mecânica daUniversidade da Califórnia, Gomes trabalhou como assistente do pesquisador David Dornfeld, um visionário que no início da década de 90 fazia um estudo de caráter acadêmico sobre processos de emissão acústica.

Início da criação
A Sensis foi fundada, por alunos de Gomes, em 1995 como uma empresa incubada na Fundação ParqTec. O primeiro dos cinco sócios que começou a pensar na criação de uma empresa foi Luiz André Bicudo. Em 1993, ele iniciou os estudos que o levaram ao desenvolvimento do primeiro torno didático, o Didat. Esse equipamento acabou sendo comercializado pela Sensis, principalmente para escolas técnicas.

No momento, a Sensis concentra seus esforços em entrar firme no mercado de implementos, vendendo o DM42 para os fabricantes de máquinas industriais. Assim, como nas linhas de montagem da indústria automobilística, o DM42 deverá ser um dispositivo montado no painel de comando de retificadoras, tornos furadeiras etc.

Com a inovação proporcionada pelo DM42, os processos na área de usinagem continuarão barulhentos e até inóspitos, mas ficarão mais sofisticados, precisos e econômicos.

Perfil
Luiz André Melara de Campos Bicudo
, formado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Fez mestrado e doutorado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

O Projeto
Pesquisa e Desenvolvimento de Sistemas Microcontrolados para Monitoramento de Operações de Usinagem de Componentes de Precisão Utilizando Emissão Acústico (nº 97/07245-4);  Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas – PIPE; Coordenador Luiz André Melara de Campos Bicudo; Investimento: R$ 135.505,00 e US$ 29.229,00

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