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Os arquitetos da nova cana

O conhecimento acumulado pelos pesquisadores do Genoma Cana complementa as técnicas de melhoramento genético tradicional e mostra como desenvolver variedades mais produtivas e resistentes a pragas

01A cana-de-açúcar ideal é realizável. Mais produtiva, resistente a pragas e doenças, tolerante à seca e a herbicidas e eficiente na absorção de nutrientes a ponto de sobreviver mais facilmente em solos ácidos ou pouco férteis, poderá tomar forma a partir das descobertas do Genoma Cana, que está chegando ao fim, um ano e meio após ter sido anunciado publicamente. Os 240 pesquisadores que estão trabalhando nesse projeto – o primeiro seqüenciamento de um vegetal realizado no Brasil – identificaram cerca de 80 mil genes que dão um mapa completo de como a planta vive, se reproduz e morre – e, devidamente manipulados, podem viabilizar essas características tão sonhadas pelos fazendeiros e fabricantes de açúcar e álcool.

A cana redesenhada já tem data para nascer. “Em dois anos, devem estar prontas, pelo menos em laboratório, as primeiras variedades de cana resistentes a duas pragas, a bactéria Leifsonia xyli e o fungo-do-carvão”, anuncia Paulo Arruda, coordenador de DNA, que está à frente de uma rede de 60 laboratórios, 22 deles atentos ao seqüenciamento e outros 48 dedicados à mineração ou prospecção de dados, o chamado data mining. “Podemos sonhar ainda mais alto”, diz Éder Giglioti, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ainda não é a prioridade, mas, segundo ele, já se pode pensar em utilizar a cana-de-açúcar como biorreator, capaz de produzir não apenas açúcar e álcool, mas também compostos químicos de interesse para a indústria farmacêutica, como já começa a ser feito em outros países.

Em breve, o Genoma Cana ou Sucest, do inglês Sugarcane EST, deverá abrir-se em duas vertentes. De um lado, deve-se fortalecer a pesquisa aplicada, em busca de novas variedades de cana. De outro, prosseguem os estudos básicos, voltados para uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos biológicos da cana. Arruda imagina que essas duas linhas vão se cruzar e se beneficiar continuamente. “Vamos unir a fronteira do conhecimento científico com a busca de resultados”, diz ele. A novidade é a participação dos produtores de açúcar e álcool, com quem ele tem conversado intensamente nos últimos meses. Seus objetivos: identificar os problemas específicosa serem trabalhados com as informações colhidas no Genoma Cana e conseguir novos parceiros que possam financiar uma parte das pesquisas nessa nova fase. “Queremos que esse trabalho ajude a resolver problemas concretos”, diz.

Com esse enfoque, devem ser ainda mais valorizadas as pesquisas de três laboratórios de melhoramento genético, que já participavam do Genoma e mantêm contatos freqüentes com os plantadores de cana. São eles: o Centro de Tecnologia da Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), que nessa etapa inicial contribuiu com cerca de US$ 400 mil para o projeto, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Centro de Ciências Agrárias da UFSCar, em Araras, construído a partir das instalações do Plano Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (Planalsucar), extinto no início dos anos 90.

Feitas as contas, o Genoma Cana deverá terminar quase um ano antes do prazo previsto e custando a metade dos US$ 8 milhões aprovados pela FAPESP. A economia resulta, em parte, da infra-estrutura já instalada e da experiência da equipe: dos 32 laboratórios iniciais, 15 do grupo de seqüenciamento e oito do data mining haviam participado do Genoma Xylella, projeto pioneiro de seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, concluído no início do ano, que pôs a comunidade científica nacional na linha de frente da genômica mundial.

Réplicas dos clones da cana, da Xylella e, futuramente, de outras duas bactérias, a Xanthomonas citri e a Leifsonia, cujos mapeamentos se encontram em andamento, vão ficar no Laboratório de Estocagem e Distribuição de Clones, que deve começar a funcionar no próximo mês no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal, e faz do Brasil um fornecedor de material genético para o mundo. Os pesquisadores superaram a meta inicial de 50 mil genes ativos ou expressos, diretamente associados ao metabolismo da planta. Já se conhece a função de dois terços desse total, por causa da semelhança apresentada com os genes de outros organismos, descritos em bancos de dados internacionais.

A outra parte é ainda mais importante: um terço dos genes encontrados é inédito, sem equivalente em outros organismos – pode residir aí a origem das características mais peculiares da cana. É uma montanha de informações que os pesquisadores pretendem organizar, até dezembro, na forma de um gene index, uma relação dos genes da cana agrupados por função. Há 40 categorias estruturadas e 15 mil genes já classificados, entre eles de oito a dez associados à produção de sacarose, cuja ação pode a princípio ser facilitada em busca de uma cana mais doce.

Comparações
O trabalho de análise de dados, o data mining, implica passar horas diante do computador à procura de semelhanças genéticas entre a cana e outras plantas e mesmo outras espécies, incluindo microrganismos, animais e o homem. Uma autêntica garimpagem: há cerca de 500 projetos de seqüenciamento em andamento no mundo – da maçã ao gato doméstico. Foi assim que, na Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu, Eiko Eurya Kuramae encontrou 240 genes relacionados à produção de substâncias de defesa contra patógenos (fungos, vírus, bactérias) e insetos.

Com eles, Eiko chegou a um modelo de como a planta age diante de um ataque externo – um conhecimento estratégico quando se pensa em desenvolver plantas mais resistentes a pragas. É uma luta difícil, de lado a lado. Quando atacada, a planta procura impedir a entrada dos microrganismos. Se não consegue, produz substâncias tóxicas que inibem o avanço dos invasores (ver ilustração na página 32). Segundo ela, as reações dependem dos sistemas de interação com o patógeno, da idade, do tecido atacado e das condições de nutrição da planta. “O controle genético de resistência a patógenos em plantas é determinado pela interação gene a gene”, diz Eiko. “A resposta de resistência é induzida somente se o patógeno codifica um gene de avirulência específico, o avr, e a planta carrega um gene correspondente de resistência, o R.” A doença ocorre somente se o gene R da planta e o avr dos invasores não existem ou são inativos.

A uma dessas substâncias, o ácido jasmônico, Vicente Eugênio de Rosa Jr., co-orientado por Eiko, dedica seu doutorado. Sobre outra, o ácido salicílico, trabalha Marleide de Andrade Lima em seu pós-doutoramento. Esses estudos nesse campo têm aplicações práticas: o sistema de defesa da planta pode ser ampliado pelo aumento da expressão dos genes associados à produção dessas substâncias de defesa.

Quem também trabalhou com as substâncias de defesa, com um enfoque complementar, foi Suzelei de Castro França, na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Estudando os genes expressos da cana, ela descobriu que cada tecido da cana apresenta reações diferenciadas contra patógenos, predadores ou ferimentos em geral, valorizando ora um, ora outro composto químico, de acordo com a situação. No momento, Suzelei concentra-se no estudo da sinalização celular, o mecanismo pelo qual os diferentes órgãos da cana se comunicam entre si, e aos poucos cria alternativas para a manipulação da produção das substâncias ligadas ao estresse. Do ponto de vista agronômico, isso significa plantas mais sadias, resistentes a intempéries e, portanto, plantações mais rentáveis.

02Funções essenciais
Pode-se ter a falsa impressão de que o interior da célula não exibe mais segredos, tal a familiaridade com que os pesquisadores falam das intimidades da cana e acrescentam novidades ao conhecimento já estabelecido. Um exemplo é a mitocôndria, um compartimento da célula que tem uma tarefa já atestada, a produção de energia. Mas Francisco Gorgônio da Nóbrega, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos, verificou que a mitocôndria cumpre outras funções essenciais. Uma delas é a produção do chamado centro ferro-enxofre, associações de átomos de ferro e enxofre que têm função de transporte de elétrons dentro da célula. Formam também, como ele comprovou, uma espécie de caixa que dá estabilidade às proteínas elaboradas pela célula.

A reprodução celular também se tornou razoavelmente clara. Foi estudada por Paulo Ferreira e Adriana Hemerly, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos primeiros grupos de data mining de fora de São Paulo a integrar o projeto, em abril do ano passado. Descobriram até agora 15 genes exclusivos da cana, associados a pelo menos quatro formas diferentes de proteínas chamadas quinases, cuja função agora se conhece bem: são elas, segundo Ferreira, que ativam ou desativam cada etapa do ciclo celular, da duplicação do DNA à separação das duas células. “As quinases são proteínas de licenciamento, que disparam o processo de divisão celular e permitem a ação das proteínas do complexo de reconhecimento de origem, que se ligam ao DNA”, diz ele.

Há também as proteínas chamadas complexo promotor de anáfase ou APC, acionadas pelas quinases, que depois a célula destrói, de modo a permitir que os cromossomos se separem. Nem tudo está compreendido, evidentemente. Carlos Martins Menck, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), investiga como os organismos consertam a molécula de DNA – por meio de outras moléculas. As proteínas de reparo reconhecem a lesão, reúnem as enzimas que eliminam o trecho lesado e abrem caminho para outras enzimas que vão pôr no DNA o trecho que devia estar correto desde o início. Se o DNA permanecer danificado, ocorrem doenças graves, como a síndrome de Cockayne, com problemas de desenvolvimento e retardo mental.

Menck comparou os genes de reparo de humanos, levedura (organismo unicelular) e dois vegetais, cana e Arabidopsis thaliana, uma planta da família da mostarda de apenas cinco pares de cromossomos usada como modelo nos estudos de biologia molecular. Encontrou 85 genes em comum, uma semelhança de 73%. Análises mais refinadas indicaram a proximidade entre os grupos. “Nosso sistema de reparo se parece mais com o de uma planta do que com o de uma levedura”, diz ele. Desse total, um terço dos genes encontrados em cana ainda não havia sido descrito em plantas.

As combinações são intrigantes – e indicam que, mais do que simples semelhanças, parece haver uma unidade entre os seres vivos. Segundo Menck, há genes de reparo em bactéria que aparentemente não há em humanos, mas estão presentes em plantas. Por outro lado, genes importantes de reparo do DNA, como o conhecido pela sigla XPA, presentes em humanos e leveduras, ainda não foram encontrados em Arabidopsis e em cana. Menck tem uma hipótese: “É possível que as plantas tenham mecanismos diferentes ou redundantes de reparo do DNA”. Mas ainda não há como entender o que pode estar fazendo na cana o gene BRCA1, cuja deficiência causa o câncer de mama em humanos.

Causa de mutações
Também não se entende direito, ainda, o comportamento dos transposons – os genes saltadores, que pulam de um cromossomo para outro, descobertos na década de 40 pela geneticista norte-americana Barbara McClintock (1902-1992, Nobel de Medicina de 1983) e aceitos a muito custo pela comunidade científica. Marie-Anne Van Sluys, no Instituto de Biociências da USP, não esperava encontrar muitos deles na cana, mas achou nada menos de 13 tipos diferentes de transposons.

Pensava-se que os genes saltadores funcionassem em lugares muito específicos, do mesmo tecido. Mas não. Como ela descobriu, mais de um desses genes inquietos está ativo em células do mesmo tecido ao mesmo tempo. “Nunca antes foi avaliada a capacidade dos transposons se expressarem juntos no mesmo tecido”, diz Marie-Anne, que deixa escapar duas perguntas. Por que há diferentes transposons no mesmo tecido? Será que têm outra função que ainda não se conhece? Em bactérias, estão associados à resistência a antibióticos. Em drosófilas, a mosca-de-frutas, garantem a estrutura dos telômeros, as pontas dos cromossomos. Por pularem muito, os transposons provocam mutações e a variabilidade genética das espécies, selecionadas ao longo do processo evolutivo. Por essa razão é que Marie-Anne os vê como candidatos a marcadores genéticos de variedades de cana a serem desenvolvidas.

Com o arroz, outra planta do grupo das gramíneas, a cana tem pelo menos um gene homólogo (semelhante), o XA21, que confere resistência à bactéria Xanthomonas orizae. A partir daí, Luís Eduardo Aranha Camargo e a mestranda Mariana Sena Quirino, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, resolveram trabalhar por aproximação: querem que o XA21 seja ainda mais eficiente contra uma bactéria semelhante, típica da cana, a Xanthomonas albilineans. Fizeram experimentos valorizando a expressão desse gene e agora examinam o DNA das plantas-pais e das plantas-filhas.

A pesquisa mostrou quatro variações do mesmo gene (alelos), “talvez com funções diferentes”, diz Camargo. Nesse ponto, o trabalho ganha outros contornos. “Podemos usar as informações do genoma da cana para buscar os genes ancestrais, responsáveis pela cana moderna.” Se der tudo certo, vão saber quais alelos vieram da Saccharum officinarum ou da Saccharum spontaneum, as duas espécies que deram origem à cana atual, um organismo considerado complexo.

A cana hoje utilizada para produzir açúcar, álcool, aguardente e a prosaica rapadura tem um número variável de cromossomos – de 100 a 130. Uma das prováveis razões é que em cada célula se mantêm pelo menos em parte as cargas genéticas das espécies originais – a S. spontaneum tem de 36 a 128 cromossomos, e a S. officinarum , entre 70 e 140. A planta atual é um híbrido ou, do ponto de vista celular, um organismo poliplóide: cada cromossomo tem de seis a dez cópias – nem sempre iguais. Essa peculiaridade fez com que o seqüenciamento integral do genoma fosse descartado desde o início. Seria provavelmente caro, desgastante e demorado demais.

03Açúcares especiais
Como alternativa, a equipe do Genoma trabalhou por amostragem, valendo-se da técnica de Expressed Sequence Tags ou etiquetas de seqüências expressas (ESTs), que acelera as descobertas por identificar apenas os trechos de genes expressos, responsáveis pela formação de proteínas. As descobertas acumulavam-se num ritmo admirável. Em março de 1998, época das conversas preliminares sobre o projeto, as ESTs de plantas somavam 4,8% do total depositado no GenBank, no qual os ESTs humanos chegavam a 63,4%. Em dois anos, o número de ESTs de plantas aumentou mais de 15 vezes e hoje representa 18,2% do total.

Na cana imaginada a partir dos genes descobertos, o teor de açúcar não é um problema preocupante: desde os anos 70, a produtividade de açúcar tem crescido 1% ao ano, por meio do melhoramento genético tradicional, com cruzamento e seleção de novas variedades. A cana brasileira produz de 120 a 130 quilogramas de açúcar por tonelada, equiparável aos padrões internacionais, ainda que um pouco abaixo dos australianos (140 a 150 quilogramas por tonelada).

A constatação de que há 162 genes ligados ao metabolismo de açúcares em geral (44% dos genes já descritos em plantas e animais com a mesma função) estimula vôos mais altos, como a perspectiva de produzir açúcares especiais. É o caso da trealose, que, além de ter valores comerciais mais elevados, tem importância biológica: em outros organismos, confere resistência ao frio e à seca, uma característica pouco explorada na cana. Eugênio Ulian, pesquisador da Copersucar que encontrou dois genes que levam à síntese de trealose, não está olhando apenas para a frente. Em julho deste ano, lembra ele, ocorreu em São Paulo uma geada forte, que abateu as plantações de milho, café e, em menor escala, a de cana. Ulian acredita que as perdas poderiam ser menores se já estivessem mais claros os mecanismos de ativação da produção de trealose.

Alcance nacional – Essas perspectivas se desenham a partir do trabalho integrado de laboratórios espalhados nas três universidades públicas estaduais (USP, Unicamp e Unesp), três particulares (em Ribeirão Preto, Mogi das Cruzes e São José dos Campos), no IAC e no Centro de Tecnologia da Copersucar. Fazem parte da rede ONSA (Organização de Análise e Seqüenciamento de Nucleotídeos), apoiada por dois pontos centrais, o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e o Laboratório de Bioinformática, ambos na Unicamp – o primeiro preparando o material a ser seqüenciado pelos laboratórios (fez cerca de 1 milhão de clones do genoma da cana) e o segundo organizando as informações no banco de dados, analisado pelos grupos de data mining.

Desde a etapa de planejamento, as pesquisas contaram com o respaldo internacional do steering committe, o comitê externo avaliador, integrado por Jean Christophe Glaszmann, do Centro Internacional de Cooperação em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, e Andrew Paterson, da Universidade de Geórgia, Estados Unidos. Mesmo que o projeto seja paulista, os resultados são compartilhados cada vez mais por outros Estados.

No final do ano passado integraram-se mais dois grupos, um da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e outro da Federal de Alagoas (UFAL), com o apoio das respectivas fundações estaduais de amparo à pesquisa. Em julho, outro avanço: aderiram mais 36 grupos de data mining, com grupos de institutos de pesquisa de Minas Gerais, Paraná, Bahia, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. E tamanha é a quantidade de informações gerada que Paulo Arruda, o coordenador do projeto, anima-se com a possibilidade de dar espaço a novas equipes, a partir do próximo ano.

“Precisamos de criatividade e de imaginação para aproveitar essas informações da melhor forma possível”, lembra Menck, da USP. O esforço deve compensar. Ao romper os limites do melhoramento genético clássico, o que já se sabe sobre o genoma pode reduzir o tempo de desenvolvimento de novas variedades de cana, usualmente um processo demorado, que toma de 12 a 15 anos. “Se no início reduzir um ano de trabalho, já está ótimo”, diz William Burnquist, gerente do Centro de Tecnologia da Copersucar. A modéstia é só aparente: cada ano implica investimentos da ordem de US$ 8 milhões. Quando essa meta se viabilizar, por meio de marcadores genéticos que ajudem a selecionar as variedades de cana com as características desejadas já no início dessa maratona, a economia obtida será o dobro do que se gastou na pesquisa até agora.

Clones do Brasil para o mundo

Prestes a ser inaugurado, o Laboratório de Estocagem e Distribuição de Clones ou Brazilian Clone Collection Center (BCCC), em Jaboticabal, vai manter os clones gerados nos projetos genoma a sete chaves, em uma sala climatizada a 20 graus Celsius, com parede dupla recheada de isopor, dentro de oito freezers mantidos a 86 graus Celsius negativos, sob vigilância permanente. Quando chegarem pedidos de clones, um sistema robotizado dotado de uma câmera de vídeo vai coletar bactérias na placa de petri e organizar as amostras em microplacas, com 96 ou 384 orifícios, ou em membranas de alta densidade, a serem usadas nos experimentos de manipulação genética.

É o primeiro laboratório do gênero na América Latina. Montado a um custo de US$ 240 mil, vai funcionar em moldes semelhantes aos bancos da American Type Collection Clones (ATCC) ou do Image Consortium, dos Estados Unidos. Poderá atender a instituições públicas de pesquisa ao preço de custo, hoje entre US$ 30 e US$ 50, sob o compromisso escrito de que o material só será usado com finalidades acadêmicas, sem fins comerciais. “Dentro de três anos, o laboratório terá de ser auto-suficiente”, afirma Jesus Aparecido Ferro, um dos coordenadores do Genoma Cana que vai cuidar do novo laboratório.

Segundo ele, empresas e instituições particulares de pesquisa devem receber um tratamento diferenciado. “Um comitê supervisor vai analisar se o clone poderá ou não ser vendido”, diz. “Em um caso extremo, o pedido poderá ser recusado.” E, acrescenta, como medida de segurança, vão seguir apenas o nome do gene e a indicação de homologia (semelhança) do gene solicitado com os de outros organismos. “A seqüência de bases, fundamental aos estudos de manipulação genética, permanecerá confidencial”, afirma Jesus Ferro.

Antiga fonte de riquezas

Trazida pelos portugueses da Ilha da Madeira, a cana-de-açúcar ganhou as terras brasileiras em 1502. Nunca mais deixou de ser uma fonte de riquezas para o país. A cultura ocupa 5 milhões de hectares e, a cada safra, o Brasil produz 300 milhões de toneladas de cana, o equivalente a 25% da produção mundial, convertidos em 14,5 milhões de toneladas de açúcar e 15,3 bilhões de litros de álcool. Mobiliza também 350 indústrias, cerca de 50 mil produtores e um contingente de 1,4 milhão de trabalhadores diretos e outros 3,6 milhões indiretos, segundo a Copersucar. São Paulo é o maior produtor nacional: no Estado, os negócios nesse campo movimentam cerca de US$ 8 bilhões e empregam, diretamente, 600 mil trabalhadores.

O Genoma Cana foi concebido com um acentuado recorte econômico, com a finalidade de ampliar a produtividade da indústria de açúcar e de álcool. Enfrenta também desafios iminentes. Um deles é o combate à bactéria Leifsonia xyli subsp.xyli, causadora de uma das mais graves doenças da cana em todo o mundo, o raquitismo-da-soqueira, que provocou perdas estimadas em US$ 2 bilhões no Brasil, nos últimos 30 anos. E às vezes surgem novos problemas. Éder Giglioti, da UFSCar, caracterizou uma nova doença da cana-de-açúcar, a falsa estrias vermelhas, observada até o momento somente no Brasil. Segundo ele, há evidências de que se trata de uma nova espécie de Xanthomonas, a quinta do gênero a ser isolada da cana.

O projeto
Genoma Cana (97/13475-2); Modalidade: Projeto de pesquisa no âmbito do Programa Especial Genoma FAPESP; Coordenador: Paulo Arruda – Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp; Investimento: US$ 4.484.090,61

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