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Paulo Barbosa

Uma pitada de pessimismo pode ser importante

Tenho alguns reparos a fazer com relação ao que foi dito pelos meus companheiros de mesa. A bem da verdade, ao ouvi-los, tomei um banho de otimismo. Foi uma coisa muito boa para mim. Porém, depois de pensar um pouco, cheguei à conclusão de que sou um pouco mais pessimista do que eles. Talvez por ser o decano desta mesa, não vejo a situação da maneira como é vista pelos demais palestrantes. Por exemplo, não concordo com a afirmação de que o mercado seria o maior incentivador dos investimentos em tecnologia. Ao contrário: o maior incentivador da tecnologia sempre foi o governo, em todas as épocas e em todos os países desenvolvidos.

A ação do governo, nos Estados Unidos, na Europa e nos países asiáticos, foi e continua a ser absolutamente fundamental. Mesmo no Brasil, nos grandes períodos de desenvolvimento, essa ação aconteceu. Um exemplo é o período do governo do presidente Juscelino Kubitschek. Outro, é o tempo em que ficou no poder um governo militar. Fui inimigo ferrenho do regime militar. Mas reconheço que, naquele período, o governo adotou políticas decididas e eficazes de incentivo à tecnologia. A única exceção esteve no campo da informática.

Mas vamos passar a outro tema. Creio que fui convidado para falar neste Fórum devido à minha experiência de 23 anos na Fundação Zerbini, que é a fundação que dá apoio ao Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP). As fundações de apoio, para falar breve e diretamente, são mecanismos criados para contornar, legitimamente, as dificuldades que a legislação impõe à administração de entidades públicas.

As fundações recebem recursos que deveriam ir para órgãos públicos e administram esses recursos com base em padrões e critérios semelhantes aos vigentes na iniciativa privada. Trata-se de um excelente mecanismo de dinamização, mas que carrega consigo muitos riscos. Porque, na verdade, o controle dessas fundações pode ser algo muito complexo.

Há alguns anos, o ministro que era na época o encarregado da reforma da administração federal, Luiz Carlos Bresser Pereira, propôs que as fundações de apoio fossem institucionalizadas. Essa seria uma forma de controlá-las. Esse controle seria exercido por meio do que se chamou, na época, de organizações sociais.

Essas organizações sociais, porém, têm dificuldades para funcionar. Elas já nasceram engessadas. A primeira minuta do estatuto das organizações sociais propunha entidades autônomas e flexíveis, muito parecidas com as fundações de apoio. Eram grupos soltos e ágeis. Mas, em sua forma final, foram introduzidos condicionantes burocráticos que praticamente eliminaram qualquer flexibilidade administrativa, apesar de essa flexibilidade ser a própria razão da criação dessas organizações.

No Estado de São Paulo, a figura da organização social foi criada para funcionar apenas na área hospitalar. No último momento, porém, foram também incluídas no projeto asentidades culturais. O objetivoera, principalmente, o de apoiar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a qual, aliás, vai muito bem, como organização social e também musicalmente.

A idéia era a de que eu falasse aqui sobre esse mecanismo e ajudasse a explorar as facilidades que ele pode trazer para a integração dos órgãos de pesquisa com a indústria. Mas acho que esse assunto fica irrelevante, diante do que foi dito anteriormente. O mecanismo está aí. Precisa ser retocado e institucionalizado. Tem defeitos e envolve riscos, mas pode ser eficiente quando, digamos assim, é dirigido com bom senso.

Gostaria, porém, de voltar a falar sobre meu pessimismo. Realmente, não vejo com otimismo o cenário atual. As razões são, principalmente, duas. A primeira é o fato de que o governo não mostra qualquer disposição real para incentivar a tecnologia. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), onde passei cerca de 15 meses como diretor administrativo e financeiro, é um bom exemplo. O governo do Estado de São Paulo, especificamente, não tem qualquer ânimo positivo com relação ao IPT. A instituição apresenta claros sinais de degradação. Corre, mesmo, o risco de extinção.

Basta dizer que os quadros do instituto praticamente não se renovam há muitos anos. Trata-se de algo fatal para qualquer organização, especialmente as de pesquisa. A média de idade do pesquisador do IPT está chegando aos 50 anos. Não entra gente nova no IPT há muitos anos. Os mais velhos se aposentam e são recontratados como autônomos, para continuar a prestar serviços. Trata-se de um quadro capaz de levar a enormes preocupações e que, além do mais, indica uma ineficiência muito grande.

Não há uma política de investimentos. O governo espera que o IPT se sustente gerando lucros, como se fosse uma empresa privada. Isso indica uma total incompreensão de quais são as verdadeiras finalidades da instituição, que deveria se constituir em peça fundamental para o desenvolvimento econômico do Estado e do país.

O IPT poderia voltar a ser, como já foi, um instrumento altamente dinamizador. Mas não está conseguindo ser esse instrumento. Talvez isso aconteça porque não recebe recursos do governo. Mas, existam os recursos ou não, o que ocorre é uma enorme inapetência. Não há, no governo, aquela visão de que deve ajudar o desenvolvimento tecnológico por meio de mecanismos clássicos, muito conhecidos e testados com sucesso em várias partes do mundo.

A verdade, sublinho novamente, é que o grande indutor do desenvolvimento tecnológico é o governo. Se o governo não está disposto a assumir essa função, torna-se muito difícil resolver o problema. O IPT tem uma enorme competência para cumprir seu papel de dinamizador. Não adianta, porém, apenas querer. É preciso receber a colaboração do governo. Esse papel dinamizador do instituto só será viável no contexto de uma nova realidade, em que o poder público resolva aceitar e assumir o seu papel de indutor do processo.

A segunda razão do meu pessimismo é o panorama internacional. Quero referir-me à tão falada globalização. Trata-se de algo que talvez precise ser mais bem discutido, pois tomou um caráter quase dogmático. Hoje, as pessoas, mesmo nas organizações mais sofisticadas, consideram a globalização uma fatalidade, algo absolutamente incontrolável, sobre a qual nada há a fazer. Pois eu, ao contrário, creio que, se nada for feito a respeito da globalização, a perspectiva para países como o Brasil é aterradora. Como não sinto essa preocupação em vocês, fiquei ainda mais alarmado.

O que se vê em nível internacional? Uma brutal concentração de empresas. Em todos os setores – começando pela indústria farmacêutica, passando pela indústriaautomobilística, chegando aos bancos – a concentração se efetiva de tal forma que, aparentemente, teremos logo poucas e grandes empresas multinacionais dominando os diversos setores da economia. Talvez fiquem apenas uma ou duas empresas por setor. Essas empresas terão dimensões gigantescas e serão provavelmente mais poderosas que a maioria das nações. O que vai acontecer depois disso? Eu, certamente, não sei dizer. Mas não estou tão tranqüilo como vocês parecem estar.

A humanidade tem conseguido ao longo do tempo, indiscutivelmente, grandes conquistas em termos de respeito aos direitos do cidadão e dos direitos humanos e na área política, ou seja, no confronto entre o cidadão e o Estado. Mas todos concordam que os direitos do empregado perante a empresa não são tão amplos quanto os direitos do cidadão perante o Estado. Eles são bem menores. Se as grandes corporações prevalecerem sobre as nações, algo que, aparentemente, vai acontecer, a condição principal da pessoa passará a ser a de empregado, e não mais a de cidadão.

Ora, perante a empresa, a pessoa (o empregado) quase não tem direitos (considere-se, por exemplo, o direito à livre manifestação do pensamento). Voltaremos, portanto, a uma condição quase feudal. Será necessário, sem dúvida, reiniciar a luta pela conquista dos direitos humanos. Trata-se ou não de uma perspectiva aterradora?

Existe, por outro lado, uma contradição gritante, mas que parece passar despercebida. A lógica teórica do mercado, hoje transformado em divindade, deveria determinar uma atomização de empresas, de tal forma que nenhuma teria poder, ou dimensão, para influir nos preços. Pois o contrário, exatamente, é que está ocorrendo. Ou seja, a prática da economia de mercado parece que está levando ao fim do mercado. Trata-se de uma contradição muito curiosa.

Quanto às verbas para a ciência e a tecnologia em São Paulo, não são uma coisa maravilhosa. Mas são volumes importantes, sobretudo se considerarmos o saldo impressionante das aplicações feitas pela FAPESP. Creio, porém, que a tecnologia deveria receber uma parcela maior que a atual com relação à ciência.

É preciso, porém, determinar como chegar a esse objetivo. As instituições de fomento não financiam a ciência em si, mas sim o cientista. Quando tive conhecimento disso, nos primeiros contatos que fiz na Fundação Zerbini, achei estranho. Mas a razão é clara. O objetivo é facilitar todo o processo. Pois o cientista, como pessoa física, pode agir de forma independente da legislação sobre os órgãos públicos.

Mas existem outras dificuldades. Por força do próprio mecanismo, a instituição na qual trabalha o cientista precisa entrar em certo momento no campo de ação. Surge, então, a exigência da doação dos equipamentos.

A Fundação Zerbini é um artifício para contornar essas dificuldades. Sem dúvida, ela está no limite da legalidade. É discutível até se ela poderia existir. Mas foi a solução encontrada pela USP. Teve resultados satisfatórios. Tanto que a universidade, hoje, tem quase cem fundações. Trata-se de uma solução criativa e que resolveu uma situação. Mas é também uma solução capenga. Ela não poderia subsistir por tanto tempo. Portanto, é preciso achar uma solução definitiva. Minha sugestão é que o problema passe a ser encarado seriamente e que comece a ser buscada uma solução que perdure. Precisamos admitir que não é possível as instituições funcionarem bem nas condições atuais. A legislação existente é absolutamente arcaica. As soluções adotadas até agora são, de certa maneira, eficientes para contornar as dificuldades. Mas todas têm seus defeitos. Então vamos dar um jeito nisso. Chegou a hora de parar com essa brincadeira, a de fingir que temos um instrumento flexível, quando, na verdade, o que temos é um instrumento problemático.

Não podemos esquecer que a pequena e a média empresa não têm a mesma estrutura da grande. Elas têm problemas para absorver pessoal qualificado e até para pagar o imposto de renda. Mas produzem a maior quantidade de empregos. Não gostaria de passar uma mensagem pessimista. Mas, como os outros palestrantes criaram um crédito grande de otimismo, acredito que meu pequeno pessimismo não chegará a estragar a festa. E talvez inocule o germe de uma pequena e saudável preocupação.

Paulo Anthero Soares Barbosa tem uma longa e frutífera experiência em órgãos públicos e empresariais. Formado em Engenharia pela antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ocupou, entre outros cargos, o de diretor administrativo e financeiro do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo e o de coordenador do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE). Mas é conhecido principalmente por ter sido um dos criadores da Fundação Zerbini, estabelecida em setembro de 1978 com o objetivo específico de apoiar o Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP). A fundação foi a primeira experiência desse tipo, de uma parceria entre um hospital público e uma entidade privada. Ela dá ao InCor uma enorme flexibilidade administrativa e agilidade na tomada de decisões. Permite que os problemas e a lentidão da burocracia do Estado sejam reduzidos ao mínimo. Gera recursos, por meio do recebimento de doações e da cobrança de leitos e serviços a convênios e pacientes particulares. Encerrado seu trabalho nessa área, Anthero dedica-se hoje, principalmente, à direção de uma editora de livros.

 

Fórum São Paulo Século 21

presidente: deputado Vanderlei Macris
relator-geral: deputado Arnaldo Jardim

Grupo Temático número 13 – Ciência, Tecnologia e Comunicação

coordenador: deputado Carlos Zarattini
relator: deputado Edmur Mesquita
conselho temático:
José Aníbal Perez de Pontes
Flávio Grynszpan
Ozires Silva
Aldo Malavasi
Hernan Chaimovich
Antonio Manoel dos Santos Silva
Carlos Vogt
Crodowaldo Pavan
João Pisysieznig Filho
Nely Bacelar
Otaviano Helene
Nélson Raimundo Braga
Eduardo Antonio Bulisani
Fernando Leça
Carlos Henrique de Brito Cruz
Claudio Rodrigues
Hélio Waldman
Marcos Antonio Monteiro
Mônica Teixeira

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