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Novos Materiais

Prova de qualidade

Físicos da Unicamp reforçam propriedades de material supercondutor

Pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foram os primeiros a medir e descrever uma característica importante do diboreto de magnésio (MgB2), identificado em janeiro deste ano como supercondutor e agora com boas perspectivas de se tornar o material dominante no setor nos próximos anos. Liderada por Oscar Ferreira de Lima, a equipe paulista mostrou que esse material exibe um valor relativamente baixo para um parâmetro definido tecnicamente como anisotropia.

Em outras palavras, os físicos comprovaram que as propriedades supercondutoras do diboreto – inclusive sua capacidade de transmitir corrente elétrica com resistência zero, sem perda de energia na forma de calor – são quase totalmente uniformes, variando pouco de acordo com a direção do espaço em que se manifestam.

Isso quer dizer que os elétrons fluem de forma mais ou menos semelhante em qualquer direção de um cristal de MgB2, tanto ao longo de seu eixo vertical como no horizontal. Na verdade, há uma diferença de cerca de 70% na capacidade de transmitir corrente entre os dois eixos, sendo o plano horizontal o mais eficiente. Entre os supercondutores, uma disparidade dessa ordem não é considerada elevada. “Nas cerâmicas supercondutoras, a anisotropia costuma ser muito maior”, diz Lima.

“Em alguns compostos, a corrente criada numa direção pode ser até 200 vezes maior que na outra.” As medições são de extremo valor para empresas e universidades interessadas em elaborar produtos com o novo supercondutor, ao mostrarem que a anisotropia do MgB2 não compromete seu potencial de conduzir altas correntes. Os resultados do trabalho foram relatados no final de junho na Physical Review Letters, uma das mais prestigiosas revistas científicas de Física.

Desde o início do ano, quando o pesquisador japonês Jun Akimitsu, da Universidade Aoyama Gakuin, anunciou que o quase esquecido diboreto de magnésio, descoberto em 1953, comportava-se como supercondutor quando resfriado a -234 graus Celsius, físicos do mundo todo passaram a estudar o material detalhadamente. O interesse se deve a dois motivos: o MgB2 é o composto intermetálico com temperatura crítica (Tc) – limite abaixo do qual um material passa a conduzir corrente com resistência zero – mais elevada que se conhece e seu custo de produção é menor que o dos supercondutores à base de nióbio, hoje os mais utilizados em aplicações como aparelhos de tomografia por ressonância magnética. “O diboreto de magnésio não é um material revolucionário”, pondera Lima. “Mas é possível que venha a substituir com algumas vantagens os supercondutores hoje em uso.”

Até a entrada em cena do diboreto, os físicos achavam que não havia muito mais o que descobrir em termos de supercondutores feitos exclusivamente com metais. As pesquisas com esse tipo de material pareciam ter chegado ao seu limite. Como não se conseguia descobrir compostos ou ligas supercondutoras com Tc mais altas, a partir da segunda metade da década de 80, os esforços se voltaram para as cerâmicas supercondutoras, compostos não-metálicos capazes de transmitir corrente com resistência zero a temperaturas mais elevadas.

Olhar renovado
A chegada do diboreto de magnésio mudou esse cenário. Ninguém esperava que a novidade mais quente estaria escondida num composto tão simples como o MgB2: seus átomos de boro, a exemplo dos de carbono no grafite, formam estruturas hexagonais, separadas por uma camada de átomos de magnésio. De repente, os laboratórios começariam a ver com bons olhos novamente os estudos com materiais feitos exclusivamente de metais.

Assim que soube da descoberta de supercondutividade no composto à base de magnésio e boro, Lima reuniu três alunos de doutorado e um técnico de laboratório e expôs seu plano de ação. Se trabalhassem rápido, poderiam ser os primeiros a provar se o MgB2 era isotrópico ou anisotrópico, uma dúvida que pairava naquele momento. O diboreto de magnésio é vendido comercialmente na forma de pó, mas, para obter cristais de alta pureza, os pesquisadores da Unicamp preferiram produzir o composto ali mesmo.

Compraram lascas de boro e magnésio e as colocaram num tubo fechado em um forno a 1.200 graus Celsius. Sintetizaram o MgB2 na forma sólida e o moeram até virar um pó muito fino, filtrado numa peneira que só deixava passar grãos, os cristalitos, de 5 e 20 micra (um mícron equivale à milésima parte do milímetro). Por fim, os cristalitos foram espalhados mecanicamente sobre os dois lados de uma folha de papel texturado (Canson), geralmente utilizado por artistas.

Foi justamente sobre um minúsculo pedaço dessa folha revestida que foram feitas as medições que constataram uma suave anisotropia do MgB2. Ao pintarem o papel com o pó de diboreto, os pesquisadores conseguiram produzir um alinhamento perfeito dos cristalitos de MgB2. Todos se encaixavam da mesma maneira nos poros do papel, criando as condições ideais para aplicar campos magnéticos sobre a amostra e determinar o valor da corrente elétrica em várias direções do composto. “Um material é anisotrópico porque, em nível microscópico, não é homogêneo”, afirma Lima.

“Olhando para diferentes direções no interior de um cristal, vemos paisagens distintas.” A imagem gerada por microscopia eletrônica da amostra permite visualizar cada grão do material sobre o papel e o intervalo espacial entre eles. “Fiz medições em pleno Carnaval”, lembra Lima. Os físicos começaram a estudar o MgB2 no dia 10 de fevereiro, como desdobramento de um projeto temático coordenado por José Antonio Sanjurjo. Vinte dias depois, já tinham o resultado em mãos.

Fios ainda pequenos
Mesmo com bom potencial de transmissão de corrente, o diboreto de magnésio terá de vencer algumas restrições para se firmar como uma alternativa aos supercondutores já usados comercialmente. “Como os demais compostos metálicos, o diboreto de magnésio tem de ser resfriado com hélio líquido, num processo relativamente caro, para exibir suas propriedades supercondutoras”, diz Lima.

Outra desvantagem: diferentemente de outros supercondutores metálicos, o diboreto é quebradiço, um defeito típico das cerâmicas, que dificulta a produção de fios condutores. Dificulta, mas não inviabiliza, a julgar pelos resultados obtidos por físicos do Laboratório Ames, nos Estados Unidos. Os pesquisadores desse centro já conseguiram fabricar fios de MgB2 de até 5 centímetros. É um resultado modesto. Os cientistas, no entanto, esperam encontrar em breve meios de confeccionar filamentos de diboreto mais longos.

O Projeto
Estudo de Materiais Supercondutores (nº 95/04721-4); Modalidade
Projeto temático; Coordenador José Antonio Sanjurjo – Instituto de Física da Unicamp; Investimentos R$ 221.250,00 e US$ 530.900,00

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