Imprimir PDF Republicar

Engenharia Siderúrgica

Nova geração de cilindros de aço

USP, IPT e Villares constroem peças mais resistentes e eficazes

Reprodução de reportagem de Pesquisa FAPESP, edição 49.

Imperceptíveis, embora presentes no cotidiano da maioria das pessoas, as chapas de aço estão em toda parte, nas carrocerias de automóveis e até dentro de casa, nas portas de geladeira, entre outros produtos. Insumo essencial nas montadoras de veículos e de eletrodomésticos, elas são produzidas pela indústria siderúrgica, um setor que vive severa competitividade no mercado nacional como conseqüência do período de privatizações e necessita se modernizar para enfrentar o mercado externo.

A vantagem do Brasil é ser um dos poucos países que fabricam, para consumo próprio e para exportação, cilindros de laminação, que são as ferramentas de conformação das chapas. Porém, nos últimos dez anos, a concorrência em países como Japão, Estados Unidos, Canadá e na Europa tem conduzido a produção desses cilindros para uma transformação tecnológica que torna essas peças mais resistentes e eficazes.

Para acompanhar esse avanço, a Aços Villares, maior fabricante nacional de cilindros de laminação, uniu-se à Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) e ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para desenvolver uma nova série desses produtos. A empresa, que produziu 23 mil toneladas de cilindros em 1998, exporta 50% de sua produção para Argentina, Chile, Venezuela, México, Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Alemanha, Holanda, Hungria, Taiwan, Singapura e Malásia, por exemplo.

A união tem o apoio da FAPESP, dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), que financia projetos de pesquisa entre uma empresa e uma instituição acadêmica. O projeto intitulado Desenvolvimento da Produção de Cilindros de Aço Rápido para Laminação de Tiras a Quente conta com recursos de R$ 145 mil e US$ 30 mil da Fundação, enquanto a Aços Villares disponibilizou R$ 467 mil.

Teste na produção
Iniciado em dezembro de 1997, o projeto está com o término previsto para o final de 2000. Até lá, os pesquisadores têm a intenção de obter indicativos seguros em testes de campo. “Esses testes são demorados, porque são realizados com a utilização dos cilindros nos laminadores das indústrias siderúrgicas, ou seja, é um teste real, na produção”, explica o engenheiro metalurgista Mário Boccalini Júnior, pesquisador do Laboratório de Fundição do IPT.

De acordo com o coordenador-geral do projeto, o engenheiro metalurgista Amilton Sinatora, da Poli, está havendo uma soma de capacidades, tanto do IPT quanto da USP, num aproveitamento da infra-estrutura existente no Laboratório de Fundição do IPT e no Laboratório de Fenômenos de Superfície da Poli-USP. “Trabalhamos em pé de igualdade e a interação entre nossos laboratórios permite que o projeto saia a um custo muito menor do que teria caso fosse realizado inteiramente na USP ou no IPT”, afirma Sinatora.

O gerente de engenharia e desenvolvimento de cilindros da Aços Villares, de Pindamonhangaba, Miguel Angelo de Carvalho, explica que esses cilindros recebem as chapas em temperaturas superiores a 1000°C, deformando-as de acordo com a necessidade de espessura. São vários tipos de cilindros de laminação, sendo que os envolvidos nesse projeto são os chamados cilindros de trabalho para laminadores de tiras (de aço) a quente. Eles representam mais de 25% da receita com a venda de todo tipo de cilindro fabricado para a indústria siderúrgica, em nível mundial. “Além desses cilindros, existem aqueles para laminação de tiras a frio, para a fabricação de barras e também de encosto, nos quais os de trabalho ficam apoiados”, explica Carvalho.

Como macarrão
Para se ter uma idéia de como estão montados os cilindros de trabalho no laminador de tiras a quente, Boccalini sugere a imagem daquelas máquinas caseiras de fazer macarrão. “A massa que passa entre os dois rolinhos de metal, instalados na posição igual à dos cilindros da siderúrgica, sai do outro lado em forma de macarrão e pode ser comparada às chapas de aço. O laminador é formado por vários conjuntos – chamados de gaiolas – desses dois cilindros de trabalho, que são apoiados nos cilindros de apoio e vão diminuindo a espessura da chapa, progressivamente.”

Esse sistema é uma forma de transferir a carga de laminação, impedindo a flexão e evitando a produção de chapas deformadas. A permanência da qualidade da chapa, em níveis adequados, por um maior espaço de tempo é um dos trunfos da nova série de cilindros de trabalho produzidos com aço do tipo rápido, uma categoria mais resistente, por exemplo, que o aço carbono e o aço inoxidável.

Todos os aços têm como base o ferro e o carbono, ao qual são adicionados elementos químicos como cromo e manganês, conforme a necessidade do produto final. O aço rápido possui carbonetos – compostos de carbono com outros elementos químicos – finamente dispersos na liga, o que determina mais resistência ao desgaste abrasivo que ocorre durante a laminação. Os cilindros da geração anterior, produzidos com ferro fundido branco de alto-cromo, têm carbonetos menos duros, maiores e mais concentrados em determinadas regiões do material.

Durabilidade
A oxidaçãoda superfície dos cilindros de aço rápido também é menor do que a sofrida pelos cilindros de ferro fundido e, no conjunto, as propriedades da nova geração permitem que eles permaneçam em atividade por até três vezes mais do que seus antecessores, explica Miguel Carvalho. Esse diferencial é muito importante para a indústria siderúrgica, uma vez que qualquer parada para a substituição dos cilindros – feita periodicamente, para retífica da superfície – representa perdas na produção de toneladas de aço.

Há laminadores de tiras a quente que chegam a produzir 400 mil toneladas de aço por mês, o que representa cerca de 500 toneladas por hora. “A indústria siderúrgica ganha no volume e qualquer acidente com o laminador representa uma falha gravíssima”, ele diz. Por isso, os pesquisadores trabalham buscando o melhor processo de fabricação do cilindro, que depende tanto do projeto e dos componentes da liga metálica quanto do modo de construção – se com temperatura maior ou menor, resfriamento mais ou menos rápido. Tudo vai influir na microestrutura do material, que é o ponto que comanda todo o processo de desgaste.

Na produção do aço rápido, os metais utilizados recebem a adição de substâncias químicas e são derretidos. Todo esse material é colocado num molde centrífugo que gira a rotações muito altas. Com isso, o aço rápido adere ao molde, formando um cilindro oco como um tubo. Internamente, ele recebe um núcleo de material menos nobre, cuja característica principal é resistir aos esforços sem quebrar.Todo o desenvolvimento do novo cilindro trouxe resultados positivos, tanto em acúmulo de conhecimento para os engenheiros da USP e do IPT quanto para a empresa, que investe na formação de seus funcionários.

Em 2000, a Villares pretende exportar 60% da produção de cilindros de aço e, em 2002, espera produzir um total de 30 mil toneladas de cilindros por ano. Um aumento de 30% na produção, em quatro anos, que mostra a disposição da empresa em continuar competitiva e ganhar novos mercados produtores de chapas de aço.

O projeto
Desenvolvimento da Produção de Cilindros de Aço Rápido para Laminação de Tiras a Quente
Investimento
R$ 145 mil e US$ 30 mil, da Fapesp, e R$ 467 mil, da Villares.

Amilton Sinatora é professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli-USP desde 1986, onde coordena o Laboratório de Fenômenos de Superfície. Graduou-se na Poli, em 1975, fez mestrado, em 1986, e doutorado, em 1990, na Unicamp.

Mário Boccalini Júnior é pesquisador do Laboratório de Fundição do IPT desde 1989. Graduou-se pela Poli, em 1981, onde concluiu o mestrado, em 1990, e o doutorado, em 1996.

Miguel Angelo de Carvalho é gerente de engenharia e desenvolvimento de cilindros da Aços Villares S/A, há dois anos. Está na empresa desde 1987, ano de sua graduação pela Universidade Federal de São Carlos. Em 1995, concluiu o mestrado na Poli.

Republicar