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Genômica

Trabalho avançado

Programa Genoma Nacional finaliza seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum

ARQUIVO WALTER COLLI /Q-USPTrypanosoma é objeto de pesquisa no ParanáARQUIVO WALTER COLLI /Q-USP

O seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum, do Projeto Genoma Brasileiro (BRGene), que integra 160 pesquisadores em 25 laboratórios espalhados pelo país, está concluído. A bactéria é encontrada em regiões tropicais como, por exemplo, no rio Negro, na Amazônia. Acredita- se que ela poderá ser utilizada no tratamento de algumas doenças como o mal de Chagas e a leishmaniose. “A definição de uma possível continuidade para o trabalho dependerá de decisões de caráter técnico-científico”, diz Ana Lúcia Assad, coordenadora-geral do Programa Nacional de Biotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Este é o primeiro resultado das pesquisas desenvolvidas pela Rede Nacional do Projeto Genoma Brasileiro, lançada em dezembro de 2000, que abrange 480 instituições de ensino e pesquisa e reúne 240 cientistas, com o objetivo de disseminar pesquisas na área de biotecnologia em todo o território nacional.

De maneira geral, houve avanços significativos nas demais redes regionais integrantes do projeto. “As redes já estão consolidadas no que diz respeito à participação dos grupos, aos processos e procedimentos do trabalho colaborativo e à capacitação dos recursos humanos”, conta Ana Lúcia. A integração das redes está possibilitando a construção de um imenso banco de dados que, no futuro, poderá contribuir para reduções bastante significativas no prazo de apresentação de resultados da pesquisa genômica.

Segundo Ana Lúcia, algumas das instituições envolvidas nos projetos regionais ainda esperam a chegada de equipamentos importados, mas muitas delas já operam a todo vapor e, em alguns casos, estão até negociando possíveis parcerias com a iniciativa privada. “A primeira rodada de acompanhamento in loco será realizada no início deste ano, quando verificaremos se há necessidades ainda não contempladas”, diz ela. A partir daí, observa, serão analisados eventuais aportes adicionais de recursos.

Das sete redes regionais, quatro trabalham na área de saúde, pesquisando novos medicamentos e alternativas para a prevenção de doenças endêmicas. As outras três dirigiram o foco dos estudos para a área agrícola, com o intuito de combater pragas e aumentar a qualidade e produtividade no campo. No total, as sete redes estão recebendo investimentos de R$ 13 milhões do MCT e mais R$ 13 milhões de fontes diversas. “A maior parte dos recursos complementares vem das fundações de amparo à pesquisa estaduais”, explica Ana Lúcia.

Crinipellis perniciosa
Entre os trabalhos em estágio avançado está o projeto de ampliação da rede de genômica do Estado da Bahia, que tem por alvo o fungo parasítico Crinipellis perniciosa, causador da vassoura-de-bruxa, quedevasta os cacaueiros baianos e provoca prejuízos de US$ 1,6 bilhão, desde 1989. “Esse valor leva em conta apenas as vendas que deixaram de ser realizadas”, ressalva Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Expressão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do projeto. “Considerando-se outros aspectos, como o nível de emprego, as perdas facilmente superam US$ 10 bilhões.”

Pereira afirma ainda que a desativação dos cacaueiros, em decorrência da vassoura-de-bruxa, também teve forte impacto ambiental sobre a faixa de Mata Atlântica no sul da Bahia. As plantações de cacau continham o desmatamento, já que precisavam da sombra da floresta. A doença é o maior problema fitopatológico das regiões produtoras de cacau no continente americano e atinge também os Estados do Pará, Rondônia, Amazonas, Mato Grosso e Acre. Até hoje, nenhum fungicida se revelou eficaz no combate ao Crinipellis perniciosa, que vem sendo estudado com técnicas convencionais há cerca de cem anos.

“Depois de definir as características básicas da molécula de que precisaríamos para conter o avanço da vassoura-de-bruxa, passamos a buscá-la no mercado”, conta Pereira. Essa molécula, fornecida por uma empresa que atua na área de defensivos agrícolas, mas nunca tinha sido utilizada no combate à vassoura-de-bruxa, apresentou excelentes resultados no laboratório. “Em dezembro, começaram os testes de campo.”

O projeto recebeu R$ 1,3 milhão do MCT e R$ 1,2 milhão do governo baiano e conta com a participação, além da Unicamp, do Centro de Pesquisas do Cacau, da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Católica de Salvador (Ucsal). “Um dos aspectos importantes do projeto é a difusão da genômica”, diz Pereira.

Schistosoma mansoni
A Rede Genoma do Estado de Minas Gerais usa como modelo o genoma expresso do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. Projeto semelhante está sendo desenvolvido por um grupo de seis laboratórios paulistas, sob a coordenação de Sérgio Verjovski. Já estão sequenciados metade dos 120 mil ESTs previstos no projeto. Minas já tem tradição no estudo do parasita – os primeiros estudos no Estado envolvendo o Schistosoma, realizados no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no Centro de Pesquisas Renê Rachou (CPQRR/Fiocruz), datam do início da década de 90. “Agora, buscamos novas drogas inibidoras da ação do parasita e, possivelmente, uma vacina para prevenir a contaminação”, afirma Naftale Katz, coordenador do projeto e diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).

Segundo Katz, a esquistossomose atinge algo em torno de 7 milhões de pessoas no Brasil, com forte concentração nas regiões costeiras do Nordeste e no Estado de Minas Gerais. “Com o fluxo migratório do meio rural para o urbano, focos de esquistossomose têm aparecido em áreas metropolitanas.” Katz conta que, nos últimos anos, dois novos medicamentos com poucos efeitos colaterais desenvolvidos com base em descobertas realizadas por pesquisadores brasileiros possibilitaram o controle da forma hepato esplênica da doença, que atinge entre 5% e 10% do total de portadores do parasita e pode levar a óbito.

A recontaminação segue sendo, porém, um problema grave – mesmo as manifestações mais brandasda esquistossomose podem, por exemplo, incapacitar para o trabalho. Em todo o mundo, cerca de 200 milhões de indivíduos são portadores da doença. “O projeto recebeu R$ 1,8 milhão do governo federal e R$ 2 milhões da Fapemig, em uma de suas primeiras iniciativas de indução de demanda”, conta Katz. Cerca de 40 pesquisadores estão trabalhando no projeto. “Vislumbramos a possibilidade de estabelecer parcerias interessantes com empresas”, diz Katz. “Estamos patenteando tudo.”

Paracoccidioides brasiliensis
O Projeto em Rede do Centro-Oeste quer mapear o genoma funcional diferencial do Paracoccidioides brasiliensis, fungo responsável pela paracoccidioidomicose, micose endêmica que pode ser fatal em crianças, para o desenvolvimento de novos medicamentos. Segundo estimativas, o número de pessoas infectadas na América Latina chega a 10 milhões, sendo 80% dos casos no Brasil. O Programa de Implantação do Instituto de Biologia Molecular do Paraná, trabalhando com a genômica funcional do processo de diferenciação celular do Trypanosoma cruzi, que provoca a doença de Chagas, busca os genes com expressão regulada durante a diferenciação celular do parasita (metaciclogênese), seleção e caracterização de novos genes e a análise de alvos quimioterápicos inovadores. A experiência acumulada no processo poderá ser transferida para outros projetos de genoma.

Herbaspirillum seropedicae
Já o Programa Genoma do Estado do Paraná tem por objeto o genoma estrutural e funcional da Herbaspirillum seropedicae, uma bactéria fixadora de nitrogênio cuja interação com as plantas pode trazer benefícios para ambas as partes. Nesse sentido, o caso do arroz é exemplar: em algumas amostras de sementes, a Herbaspirillum seropedicae chega a fornecer 54% de todo o nitrogênio acumulado pelo vegetal. O projeto visa à construção de novas estirpes da bactéria, com níveis de eficiência ainda maiores. Seus autores acreditam que o uso desses organismos pelos produtores rurais pode gerar economia de R$ 840 milhões em fertilizantes nitrogenados.

Ácido glucônico
Com objetivos semelhantes, o Programa de Implantação da Rede Genoma do Estado do Rio de Janeiro (RioGene) tem como meta o seqüenciamento do genoma da Gluconacetobacter diazotrophicus, outra bactéria endofítica fixadora de nitrogênio. Presente em culturas como cana-de-açúcar, café e batatas-doces, a bactéria também pode reduzir significativamente o uso de fertilizantes nitrogenados, promovendo economia estimada em R$ 60 milhões anuais só na plantação de cana. A bactéria também produz substâncias que estimulam o crescimento vegetal e metabólitos de interesse industrial, como o ácido glucônico.

Nordeste decifra genoma de protozo

Com R$ 8,2 milhões em caixa, 20 grupos de pesquisa dos nove Estados nordestinos, reunidos no Programa Genoma Nordeste (Progene), trabalham para vencer até a metade deste ano o primeiro grande desafio genético da região: o seqüenciamento da Leishmania chagasi, protozoário transmissor da leshmaniose visceral. A doença atinge 5 mil pessoas por ano no Brasil – 95% no Nordeste. No mundo, são registrados anualmente 500 mil novos casos, principalmente na Índia, no Paquistão e em Bangladesh.

Três máquinas seqüenciadoras estão em pleno funcionamento – duas em Pernambuco e uma em Alagoas. Piauí e Maranhão já compraram os equipamentos, devendo impulsionar de imediato a produtividade da rede regional para 5 mil seqüências por semana. Para atingir rapidamente a meta de processar 150 mil seqüências do protozoário, os demais estados estarão equipados até março, com recursos próprios e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que liberou R$ 1,7 milhão em julho do ano passado para a compra de máquinas e suprimentos. “Montada a estrutura ideal, poderemos voar alto”, planeja o pesquisador Paulo Paes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), coordenador do Progene. O próximo passo será o seqüenciamento de um microrganismo de importância agrícola para o Nordeste, como fizeram cientistas de São Paulo com a bactéria Xylella fastidiosa, causadora de doenças nos laranjais.

Os grupos de pesquisa do Progene optaram por não trabalhar com o código genético completo da Leishmania, mas somente com os genes expressos, aqueles que efetivamente exercem funções no parasita. Cerca de 4 mil deverão ser estudados. “Seqüenciar todo o genoma seria um trabalho longo, para o qual ainda não temos tecnologia”, explica Paes. Os desdobramentos estão sendo negociados. O cientista encaminhou ao CNPq um projeto de R$ 3 milhões para adquirir equipamentos e ir além nos estudos com o protozoário da leishmaniose, passando a analisar as funções das proteínas existentes no DNA. Mais R$ 250 mil serão investidos na criação de parasitos transgênicos, necessários para a identificação detalhada das atividades genéticas.

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