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Pecuária

Um tiro certeiro

Vacina garante que só os animais infectados pela aftosa sejam sacrificados

Um pesquisador mineiro desenvolveu uma vacina alternativa – do tipo recombinante, feito por engenharia genética – contra o terror dos pecuaristas: a febre aftosa, doença virótica que faz os bovinos perderem peso, capacidade de movimento e potencial reprodutivo. Num rebanho onde se constata a infecção, todos devem ser sacrificados, imposição legal para evitar o avanço de uma das doenças mais contagiosas que existe: pode infectar mil animais num dia. A vantagem da vacina de Mauro Moraes, da Universidade Federal de Viçosa (MG), é que permite identificar os animais infectados e salvar os demais.

Moraes, que desenvolveu a vacina nos dois anos que passou em Nova York, como professor do centro veterinário Plum Island, do governo americano, não usou o vírus inteiro morto, como é comum. Em vez disso, é um inofensivo adenovírus humano tipo 5 que atua como vetor, levando tão-somente a estrutura protéica do vírus – chamada cápside. Essa parte contém dois trechos da sequência codificadora das chamadas proteínas estruturais: P1, retirado da cepa (variedade) A24 do vírus, e 3C, da cepa A12. São esses os trechos que funcionam como antígenos. Eles acionam a produção de anticorpos contra a aftosa. Esse procedimento também descarta a molécula de RNA (ácido ribonucléico), que contém o genoma do vírus e lhe garante a reprodução.

Testada em 38 porcos Yorkshire, a vacina teve 100% de eficiência – a mesma do produto comercial, que foi o padrão de comparação. Houve um experimento com 24 animais e outro com 14. Eles receberam uma só dose da vacina e em seguida foram desafiados com o vírus vivo, em três etapas: 7, 14 e 42 dias depois. No final, só os animais do grupo de controle – não-vacinados – desenvolveram os sinais da doença. Os resultados fundamentaram um artigo de Moraes, aceito para publicação na revista Vaccine.

A nova vacina oferece menos riscos. No uso da vacina atual, é difícil distinguir animais infectados ou não. Tanto a proteção gerada pela vacina quanto a resposta ao ataque do virus real são medidas pela presença de anticorpos no sangue dos animais. O problema é que, nesse exame, não dá para distinguir os anticorpos produzidos em resposta ao vírus dos que resultaram da aplicação da vacina.Por ser feita só com as proteínas do envelope viral, que leva a reações muito restritas, a nova vacina permitiria distinguir a presença de anticorpos provocados por ela dos que resultam da infecção.

Assim seria possível reconhecer e eliminar os infectados. “A vacina recombinante poderia ser utilizada em casos de emergência, diminuindo os custos de combate da doença”, diz o pesquisador. Outra vantagem é a produção descentralizada. Para Moraes, a vacina pode ser feita sem risco em regiões livres de aftosa, o que a lei atual não permite, por temer que o vírus se espalhe no ar. “Até laboratórios de pouca experiência na manipulação de vírus poderiam multiplicar o adenovírus com o antígeno, sem perigo”, destaca. Hoje, a inativação do vírus e a produção da vacina se concentram em laboratórios de alta segurança.

Moraes fez um teste com quatro bovinos. “A vacina também protegeu, mas ainda é preciso muito trabalho até definir a melhor dosagem”. Para avançar, ele precisa de um laboratório de segurança nível 3 em Pedro Leopoldo, perto de Belo Horizonte (MG), que o Ministério da Agricultura está construindo este ano. O laboratório fará controle de medicamentos e pesquisas: serão as únicas instalações públicas aptas a lidar com o vírus da aftosa. “A produção depende da iniciativa privada, mas empresas com experiência em vacinas não teriam maiores dificuldades, pois se trata de produção de vírus com tecnologia utilizada em outros sistemas.”

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