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Agroindústria

Ganhos ambientais e energéticos

Projeto inovador de miniusinas propõe a integração total em torno da produção do álcool

Um ousado projeto fundamentado no conceito de integração agroindustrial pode transformar o álcool da cana-de-açúcar na definitiva substituição do petróleo importado, utilizado para o refino da gasolina e do diesel. Essa é a expectativa dos professores Geraldo Lombardi e Romeu Corsini, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), responsáveis pela concepção de uma rede de Miniusinas de Álcool Integradas, batizadas de Muai.

Ainda inéditas no Brasil e no mundo, essas miniusinas são estabelecimentos de médio porte que têm como carro-chefe a produção de álcool combustível. As Muais usam tecnologia já consagradas, com processos regenerativos e recicláveis. São projetadas para produzir álcool, hortifrutícolas, levedura seca usada em rações, energia elétrica, além de possuírem espaço para criação de gado. “A Muai é muito mais do que uma simples redução em escala de uma usina sucroalcooleira grande”, afirma Romeu Corsini, professor-titular aposentado do Departamento de Transportes da EESC e co-autor do projeto. “Sua grande inovação é o conceito de integração total, até agora não adotado por nenhum empreendimento do gênero.”

Segundo o pesquisador, a miniusina deve produzir 40 mil litros de álcool por dia para ter preço de venda competitivo com o dos combustíveis derivados do petróleo. Dimensionada para operar em terreno de 4.310 hectares, a Muai irá gerar 131 empregos fixos, sendo 25% deles terceirizados. A tradicional lavoura de cana-de-açúcar é associada ao plantio do sorgo sacarino, uma planta com quase 3 metros de altura da mesma família das gramíneas, que possui colmo (caule) doce e suculento. Com ele será possível elevar para dez a 12 meses o tempo de trabalho anual da miniusina, contra os oito meses dos estabelecimentos convencionais.

Na Muai serão produzidas 3.630 toneladas por ano de produtos agrícolas relacionados ao sorgo. Os colmos da cana e do sorgo produzem o caldo e o bagaço. Do caldo fermentado são produzidas 1.130 toneladas por ano de levedura desidratada e, através do destilador, o álcool e o vinhoto. O vinhoto biodigerido transforma-se em biofertilizante e biogás. Nos 188 hectares destinados à pecuária, serão criadas 2.800 cabeças de gado em regime de semiconfinamento, sete meses em currais e cinco meses fora deles, alimentadas pelos ponteiros da cana e do sorgo acrescidos de outros aditivos protéicos.

O bagaço, 40% da palha seca e o biogás (gás natural na entressafra) são queimados numa caldeira para a produção de vapor superaquecido a 450°C. O vapor aciona um turbogerador de alta potência e eficiência, com saída de 6,36 megawatts (MW) de energia elétrica excedente a um custo de US$ 6,58 o megawatt/hora produzido, que se constituirão na segunda fonte de receita da Muai. “O projeto privilegia a máxima eficiência termodinâmica, produtiva, ambiental e social dentro do conceito de auto-sustentabilidade”, afirma o engenheiro aeronáutico Geraldo Lombardi, professor-titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC.

Rede de usinas
Para provar a viabilidade econômica da Muai, Lombardi e Corsini promoveram, com o apoio financeiro da FAPESP, a visita do professor Pedro Antonio Rodríguez Ramos, do Instituto Superior Politécnico José Antonio Echevaría, de Havana, Cuba, pelo período de um ano. Ramos concluiu, em novembro passado, o projeto Avaliação Econômica de uma Miniusina de Álcool Integrada. Ele apontou que, para tornar possível a substituição dos 600 mil barris de petróleo importado diariamente pelo Brasil, seria necessário instalar 3.870 Muais no país. Juntas, elas produziriam 155 milhões de litros de álcool por dia, uma potência térmica equivalente à do petróleo importado, e tornariam disponíveis 24.600 MW de eletricidade excedente, o equivalente a pouco menos de duas hidrelétricas do porte de Itaipu. Os estudos demonstraram ainda que o investimento, estimado em US$ 12,1 milhões, apresentaria tempo de retorno em 6,9 anos, o mesmo de uma usina convencional que produza exclusivamente 200 mil litros de álcool por dia.

Além de todas as vantagens econômicas e sociais, como a geração de 507 mil empregos fixos, a economia anual de US$ 5,5 bilhões com importação de petróleo e a geração de US$ 5,8 bilhões em impostos por ano, a Muai também tem inegáveis benefícios ambientais. A miniusina atende aos requisitos do Protocolo de Kyoto no que diz respeito à emissão de gases. “Ao substituir os derivados de petróleo, ela evitará a emissão cumulativa de quase 2 milhões de toneladas de dióxido de carbono por dia, gás agravante do efeito estufa e da qualidade de vida na Terra. Retira, ainda, da atmosfera 197 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) pela cana em contínuo crescimento”, explica Lombardi. Para completar, 680 hectares do terreno de cada Muai, correspondentes a 20% das áreas agrícolas, serão destinados para reservas florestais, atendendo às normas legais de preservação.

Como funciona
Em função de suas múltiplas atividades, o fluxograma da Muai é complexo. A filosofia da miniusina, no entanto, é simples: tudo deve ser reprocessado e reciclado. A palha da cana-de-açúcar, por exemplo, é usada na proteção do solo contra ervas daninhas, além de se destinar à produção de vapor para geração de eletricidade. O vinhoto e os dejetos dos animais transformam-se em biogás para queima na caldeira e também em biofertilizante para uso no canavial.

O fato de estar ancorado em um ciclo completo de produção energética e agroindustrial confere ao projeto boas perspectivas de implementação. Produtores de cana procuraram os dois pesquisadores para saber mais detalhes. Cuba também pode se beneficiar do conceito de integração total na produção. O professor Ramos voltou àquele país, severamente dependente da importação de petróleo, com o compromisso de apresentar o projeto Muai ao governo cubano.

O projeto
Visita do Professor Pedro Antonio Rodríguez Ramos, do Instituto Superior Politécnico José Antonio Echevaría, para a Avaliação Econômica de uma Miniusina de Álcool Integrada; Modalidade Auxílio a pesquisador visitante; Coordenador Geraldo Lombardi – Escola de Engenharia de São Carlos – USP; Investimento R$ 56.181,60

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