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José Ellis Ripper Filho

José Ellis Ripper Filho: Vencendo barreiras culturais

O caminho bem-sucedido da universidade para a empresa

O engenheiro e físico pensa num terceiro projeto do PIPE

MIGUEL BOYAYANO engenheiro e físico pensa num terceiro projeto do PIPEMIGUEL BOYAYAN

Foram mais de 20 anos ao quadro-negro na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A formação original registra a função de engenheiro, mas a vida prática deu-lhe a credencial de físico, com a qual, aliás, ele mais se identifica. “Minha vida foi pautada por decisões que deram certo pelos motivos errados”, brinca o professor e empresário José Ellis Ripper Filho. Na presidência da AsGa S.A., empresa até o momento voltada para o desenvolvimento de equipamentos e sistemas de telecomunicações com transmissão de fibra óptica, ele foi um dos primeiros participantes, em 1997, do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Depois de abastecer as grandes empresas de telecomunicações do Brasil, a AsGa, sediada em Paulínia, interior de São Paulo, envereda além-fronteiras. Entrou em disputada concorrência na Ásia para a exportação do MMO16xE1, um equipamento que transforma sinais elétricos em luminosos, utilizado nas transmissões telefônicas via fibra óptica.

A boa capacidade de adaptação do carioca Ripper, com uma leve pitada de alemão na já distante ascendência, é a razão por ele apontada para a trajetória que o levou à vida empresarial. Aos 63 anos, formado em engenharia elétrica, morou e estudou por nove anos nos Estados Unidos, tendo feito doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). A retração econômica que desde o ano passado tomou conta do planeta, atingiu também a AsGa, mas Ripper espera fechar este ano com o mesmo faturamento do ano passado, de R$ 73 milhões. Para ampliar a clientela e conquistar novos mercados, a empresa investe em outra linha de produtos. Um deles é destinado à comunicação direta pela atmosfera, feita por meio de equipamentos batizados de free space optic – seria uma espécie de leitura moderna dos tradicionais sinais de fumaça, consagrados pela comunicação indígena. Assim como os antepassados, não há fios, – a bem da verdade, nem fumaça, apenas a luz. É destes planos e de sua relação com a FAPESP que Ripper fala na entrevista a seguir.

Ao olhar para as conquistas da AsGa hoje, qual é sua sensação?
A AsGa é um lugar onde costuma ser extremamente divertido trabalhar. Não só pelo razoável sucesso empresarial, mas por termos gerado um ambiente gostoso. É, naturalmente, uma vida muito diferente da acadêmica. A empresa surgiu por meio de profissionais com carreiras em parte desenvolvidas na Unicamp. Cinco dos diretores da AsGa, além de mim, saíram de lá.  No cenário brasileiro, há certa tradição na manutenção da divisão entre a vida acadêmica e a empresarial. A AsGa fura o esquema.

Por que essa cultura resiste? 
No Brasil, o processo tem sido mais complicado do que no resto do mundo. A Universidade de São Paulo (USP) foi a primeira grande universidade do país.No resto, havia escolas isoladas em que os catedráticos eram profissionais liberais que usavam o prestígio obtido na função educacional para o exercício de suas atividades. Quando a USP foi criada, surgiu uma reação que resultou numa espécie de mito do sacerdócio – o estímulo à prática do tempo integral. Esse processo foi-se aprofundando, depois até por razões salariais com a criação da gratificação pela dedicação exclusiva e fez com que os professores não tivessem sequer interesse por qualquer outra atividade fora da universidade.

Foi a própria estrutura acadêmica brasileira que acabou afastando o interesse do pesquisador por qualquer atividade empresarial?
De certa forma sim, mas há diversas causas que venho tentando estudar há quase 30 anos. Na verdade, criou-se uma cultura de isolamento, pautada pelo processo da vocação. Um fenômeno muito estimulado no meio educacional brasileiro. Na França e nos EUA, por exemplo, existe uma interação forte, em particular, através do mecanismo das consultorias. Lá, elas não são consideradas um desvio da vida acadêmica. Estudei muito tempo lá fora e quando retornei tentei combater esse preconceito. Ainda acho que as consultorias são uma grande alternativa para o aprofundamento da relação entre as universidades e as empresas. Há muito medo dentro da universidade de sair do sistema para cair no mundo real. Estimular a consultoria pode ser um caminho de contato que venha a facilitar a passagem do pesquisador do câmpus para a rua.

Em que momento começou a passagem do sua atividade universitária para a empresarial?
Houve um convite de direção para um cargo público que não se viabilizou no meio do caminho. Na preparação para a função, percebi que, embora eu permanecesse professor em tempo integral, psicologicamente já tinha deixado a posição. Foi um momento difícil da minha vida. Passei uns meses na fossa até chegar à conclusão de que minha carreira de cientista brasileiro tinha acabado. Na fase de procurar o que fazer, recebi o convite de uma empresa, a Elebra, para justamente cuidar da área de desenvolvimento tecnológico. No fim do Plano Cruzado, os juros explodiram, a inflação voltou e houve uma crise cambial.Como a Elebra estava endividada e ficou numa situação bem difícil, teve que se desfazer de patrimônio. Vendeu divisões de negócios, entre as quais uma de ópticos-eletrônicos, com a qual acabei ficando, já que se tratava de uma oferta em condições bastante favoráveis. Custei para achar um sócio, mas foi nesse momento que começou a nascer a AsGa.

Quando ela muda de nome e ganha a personalidade AsGa?
Foi em 1989. O nome escolhido – AsGa, vem do símbolo químico dos elementos presentes nos semicondutores – mostra que o nosso sonho era fazer uma grande empresa de componentes para a indústria de informática. Só que, com a abertura de mercado feita no então governo Collor, a empresa praticamente quebrou, já que a política adotada acabou com as indústrias de componentes.Com a farta importação, ninguém mais queria usar os nossos e tivemos que recriar a empresa. Resolvemos então desenvolver equipamentos para nós mesmos usarmos os nossos próprios componentes. Apesar do empenho, aos poucos também abrimos mão de fabricá-los e hoje somos importadores do produto.

O governo parece bastante preocupado com o peso desse tipo de importação e com o desequilíbrio que acaba causando na balança comercial.
Não adianta apenas estimular a implantação de fábricas de componentes no Brasil. O que precisa ser observado é a necessidade de investimento em tecnologia nacional, em engenharia local de equipamento. A indústria de componentes está muito ligada ao desenvolvimento de equipamentos. Tem que projetar e operar junto. À distância, não se obtém produtividade. Para construir efetivamente esse cenário, o país vai levar, no mínimo, uma década.

Como o senhor vê o papel da FAPESP de estímulo à inovação tecnológica?
A FAPESP tem tomado algumas atitudes bastante positivas, inovando ao buscar a interação entre universidade e empresa. Há barreiras culturais muito fortes a ser vencidas. Os mecanismos criados pela FAPESP, por meio de seus programas de inovação tecnológica, são exceção.

Qual a importância para a AsGa dos dois PIPEs que a empresa solicitou?
A AsGa se especializou nos equipamentos chamados de acesso óptico. Em telecomunicações, há uma separação em dois grandes blocos. Um deles seria uma espécie de esqueleto da estrutura e responde pela ligação entre si, com as centrais e as ligações interurbanas. O outro bloco são os equipamentos que ficam na periferia do sistema e que permitem aos clientes comunicar-se com a operadora. Esses são os equipamentos de acesso aos quais a AsGa se dedicou, escolhendo os que enviam feixe de luz. O primeiro PIPE foi utilizado na ampliação da capacidade de um aparelho que pegava quatro sinais de dois megabits, juntava e enviava pela fibra óptica. Nós desenvolvemos a geração seguinte, que multiplicava por quatro essa capacidade, ou seja, 16 por um. Esses equipamentos são hoje a principal fonte de faturamento da AsGa. O segundo projeto, o outro PIPE, envolveu nossa entrada em uma outra tecnologia em transmissão, o SDH. Todos os equipamentos usam certos padrões de nível mundial para que um possa falar com outro. Os originais usam uma hierarquia PDH que é muito eficiente para trabalhar a comunicação em árvore. A SDH trabalha em anel, o que gera mais segurança no sistema em caso de deficiência em uma das linhas de transmissão.

O modem de acesso, seu principal produto, é totalmente voltado para a indústria da telecomunicação, que passa por um momento complicado. Como fica a situação da AsGa?
Nosso mercado deu uma parada muito forte. Imaginávamos uma retração, mas nada tão grande, o que nos surpreendeu. A estratégia para enfrentar a atual crise, que não é só brasileira, mas é também externa, está em buscar outros produtos com desenvolvimento próprio ou com parcerias, além de abrir mercados lá fora. Em 2000, a AsGa faturou R$ 31 milhões. No ano passado, mais que dobrou, R$ 73 milhões. Este ano estamos torcendo para repetir o resultado do anterior. A AsGa cresceu tornando-se muito eficiente num nicho de mercado e terá de ampliar seu leque de atuação. Importar produtos que complementem a nossa linha também virou uma possibilidade. Estamos trazendo tecnologia de fora para um sistema de comunicação que, em vez de usar fibra óptica, transmite direto pela atmosfera. A vantagem desse equipamento é não depender da necessidade de passagem da fibra óptica, o que às vezes pode ser muito oneroso. Ele permite uma comunicação rápida, que funciona como se fosse onda de rádio, só que transmitida por luz. Tem alcance pequeno, mas uma capacidade enorme de transmitir grandes volumes da dados com grande segurança. Atende empresas que precisam de comunicação de curta distância com o máximo de sigilo, já que a transmissão por onda de rádio sofre interferência externa.

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