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Engenharias de materiais

Dureza a toda prova

Unicamp une-se a empresa para desenvolver processo que torna caixas de câmbio mais resistentes

MIGUEL BOYAYANUma avançada técnica de tratamento de superfícies metálicas está sendo desenvolvida por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com a empresa Eaton, da cidade de Valinhos. O foco da pesquisa é tornar mais resistentes os componentes da transmissão de veículos automotores, popularmente conhecida como caixa de câmbio. O processo, chamado de nitretação a plasma em forno a vácuo, é experimentado pela primeira vez no mundo nesse tipo de componente e vai permitir que a superfície das peças fique mais dura, menos sujeita à corrosão e ao efeito do atrito, proporcionando ganhos de rendimento e durabilidade.

A implantação do processo é financiada pela Fapesp por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). No valor de quase R$ 2 milhões, o projeto tem a participação em 56% da divisão brasileira da empresa Eaton Corporation, líder mundial na fabricação de caixas de transmissões. Parte dos recursos foram utilizados para a construção do Laboratório de Implantação Iônica e Tratamento de Superfícies (Liits), inaugurado em agosto, na Unicamp. Toda a aparelhagem – forno com câmara a vácuo, painel de controle de temperatura, fonte de tensão para geração do plasma e estoque de gases – foi projetada pelos pesquisadores e construídos no país. O laboratório é uma planta de pesquisa e desenvolvimento com alto nível de sofisticação e conta com avançadas técnicas de análise e caracterização.

A novidade das pesquisas do grupo da Unicamp, coordenadas pelos físicos Daniel Wisnivesky e Fernando Alvarez, baseia-se na utilização dos fornos de plasma para a nitretação de metais, um avanço em relação ao processo termoquímico utilizado pela indústria metal-mecânica para alterar propriedades de dureza superficial, corrosão e resistência térmica do material. Os métodos convencionais mais empregados no Brasil, recorrem a banhos de sal ou nitretação gasosa.

Nitretar um metal significa incorporar íons de nitrogênio em sua superfície. Esses íons posteriormente são difundidos termicamente no metal, penetrando cerca de 0,5 milímetro no interior da peça, formando nitretos, elemento que confere maior dureza à superfície. No processo por plasma – um gás ionizado contendo elétrons, íons e átomos neutros – as peças de metal são colocadas dentro de um forno a vácuo para receber o tratamento, com pressão entre 1 a 10 milibares, equivalente a mil ou cem vezes menor que a pressão no nível do mar.

Menos quente
“A nitretação com plasma apresenta uma série de vantagens sobre as tecnologias tradicionais”, diz Wisnivesky. “A principal delas é a que gera uma deformação mínima nas peças, graças à menor temperatura requerida no processo, de cerca de 500° Celsius, e pelo fato de ele ser realizado num forno a vácuo”, explica. Nos processos tradicionais, a peça é submetida a temperaturas superiores a 900° C, o que leva a deformações. Isso exige que, depois do tratamento da superfície, ela sofra uma reusinagem, encarecendo o processo e tornando-o mais demorado.

A nova tecnologia também é mais econômica, porque consome menos energia. Gera, ainda, ganhos ambientais ao utilizar métodos limpos e não contaminantes. “Usamos baixa quantidade de gases não tóxicos (nitrogênio e hidrogênio), enquanto os processos convencionais utilizam sais e gases tóxicos”, diz Alvarez. Além disso, enquanto a nitretação gasosa produz na superfície do metal uma camada composta de características quebradiças, denominada “camada branca”, a nitretação com plasma gera uma cobertura densa, não porosa e muito dura.

Além de sua aplicação em peças e componentes da indústria automotiva, como válvulas, engrenagens e pistões, a nitretação com plasma pode ser empregada em forjarias, siderúrgicas e indústrias mecânicas e hidráulicas para o tratamento de ferramentas e usinagem de metais, moldes de injeção de plásticos, próteses e moldes de alumínio. Atualmente, ela é usada no tratamento de aços carbono, metais ferrosos, ligas, refratários e, mais recentemente, em superfícies de alumínio.

Uma das vantagens da nitretação iônica é o controle do processo, via computador, que permite o tratamento da superfície, de forma controlada e uniforme, em toda a peça. Por esse motivo, também é possível reproduzir a operação várias vezes, em diferentes componentes, com o mesmo nível de eficiência. “Dependendo do material, ao final do tratamento, a peça ganha uma resistência até quatro vezes maior”, diz Alvarez.

Para a Eaton, a parceria com a Unicamp é altamente vantajosa. “Eles têm um know-how na área de nitretação por plasma e estão capacitados para caracterizar a estrutura do material após o processo”, afirma o engenheiro de materiais Antônio Carlos Zambon, gerente do setor de tratamento térmico da fábrica da Eaton. Segundo ele, se o processo comprovar ser eficiente na parte técnica e viável na econômica, a empresa estudará a implantação de uma planta industrial para fazer a nitretação por plasma. A Eaton fornece suas caixas de transmissão para as principais montadoras instaladas no país e faturou, no ano passado, US$ 200 milhões no Brasil. No mundo, as receitas da empresa chegaram a US$ 7,3 bilhões.

Técnica em alta
A nitretação com plasma é uma tecnologia relativamente recente, empregada em escala industrial há pouco mais de 15 anos. “No Brasil, essa técnica é pouco conhecida. Só existem duas ou três indústrias que a utilizam, mesmo assim com equipamentos importados”, diz o físico Wisnivesky. “No mundo inteiro, estimamos que existam cerca de 3 mil instalações industriais que utilizam o processo. Alemanha, França, Japão, Estados Unidos e Canadá são os países mais avançados nessa área”, afirma Alvarez. No final dos anos 90, elas não passavam de 1.500 empresas, o que dá a medida da evolução do uso da tecnologia.

Outro dado que mostra a importância do tratamento de superfícies por plasma é o aumento, nos últimos anos, do número de trabalhos de pesquisa científica e de desenvolvimento sobre o assunto. Entre 1995 e 1999, foram publicados, em periódicos internacionais, 160 trabalhos a respeito da nitretação por plasma. Só na França, por exemplo, esses estudos correspondem a 21% do total de trabalhos na área de tratamento de superfície. A equipe da Unicamp já publicou dois trabalhos em periódicos internacionais sobre o assunto e apresentou outros dois em congressos internacionais. Com o novo laboratório, esses números e a colaboração com outras indústrias devem crescer.

O Projeto
Aplicações Industriais de Métodos de Nitretação com Fornos de Plasma e Implantação Iônica para Tratamentos de Aço Usados em Sistemas de Transmissão Automotiva (nº 00/04706-5); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (PITE); Coordenador Daniel Wisnivesky – Unicamp; Investimento R$ 1.133.000,00 e US$ 40.000,00 (Eaton) e R$ 488.300,00 e US$ 155.120,70 (FAPESP)

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