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Engenharia de Materiais

Dureza extra no ar

Produto inédito confere mais resistência às lanternas das asas dos aviões da Embraer

EDUARDO CESARLegacy: inovação em teste na ponta das asasEDUARDO CESAR

Uma inovação tecnológica desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) deverá auxiliar a Embraer em seu projeto de nacionalizar peças e componentes empregados na fabricação de sua linha de jatos regionais e executivos. Trata-se de um filme fino de nitreto de silício que, aplicado às lanternas de proteção das luzes de sinalização dos aviões, torna a peça muito mais dura e resistente ao desgaste. Essas luzes, localizadas nas pontas das asas (vermelha na asa esquerda e verde na direita), servem para orientar visualmente outros pilotos quanto à trajetória do avião – se ele está se afastando ou se aproximando do observador.

O revestimento externo serve para que as lentes, em geral feitas de policarbonato, um tipo de plástico muito próximo ao acrílico, suportem o forte atrito a que estão sujeitas durante o vôo. A microabrasão gerada pela fricção de partículas em suspensão com as lentes prejudica a eficiência luminosa. Atualmente, a Embraer importa essa peça de um fabricante francês.

O desenvolvimento do produto é resultado de anos de pesquisa do professor Luiz Gonçalves Neto, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, do professor Ronaldo Mansano e do pesquisador Luís da Silva Zambom, ambos do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP de São Paulo. Os três, mais os colegas Patrick Verdonck e Giuseppe Antônio Cirino, também da Escola Politécnica, já haviam desenvolvido e patenteado, com auxílio da FAPESP, um filme de carbono conhecido pela sigla DLC (do inglês Diamond Like Carbon), também usado para revestimento externo de superfícies.

A grande vantagem das lentes revestidas com o filme de nitreto de silício é sua dureza. “Nos testes realizados em laboratório, em que a superfície das peças é riscada com uma ponta de diamante, constatamos que a lente recoberta com nitreto de silício é cerca de duas vezes mais dura do que as lanternas que hoje equipam os jatos da empresa. Acreditamos que a vida útil das lentes será bem superior a das lanternas convencionais, que é de cerca de dois anos”, afirma o professor Mansano. Um benefício decorrente do aumento da durabilidade é a redução do tempo de manutenção do avião. Outra vantagem, afirmam os pesquisadores, é o baixo custo do produto. “Ainda não temos o valor final, mas acreditamos que será bem menor do que o da peça usada pela Embraer”, diz ele. “Sem falar que, com o nosso filme, a Embraer não ficará mais dependente da importação da lanterna francesa.”

Ampla cobertura
Segundo os pesquisadores, os dois principais problemas surgidos ao longo do desenvolvimento do processo – a aderência do filme ao material polimérico e a uniformidade de deposição – já foram solucionados. “Realizamos testes mecânicos e ópticos que comprovaram que a aderência do filme de nitreto à superfície está de acordo com os parâmetros da indústria aeronáutica”, afirmou Luiz Gonçalves Neto. Os cientistas acreditam que o filme poderá ser usado para recobrir outros componentes do avião, além das lentes de ponta de asa, como janelas, pára-brisa e luzes externas. Também poderá ter aplicação militar, revestindo janelas ópticas de mísseis. “Estamos muito otimistas”, afirma o professor Luiz Gonçalves. “Pretendemos dar início ainda este ano ao processo de patenteamento.”

Testes de vôo
Um modelo da lente revestida com nitreto de silício está sendo testado desde janeiro em um protótipo do jatinho executivo Legacy, o mais novo avião da Embraer, lançado no ano passado. Os ensaios são conduzidos pela gerência de desenvolvimento tecnológico da empresa. “Ainda é muito cedo para dizer alguma coisa dos resultados desses ensaios. Esperamos concluí-los até o final do primeiro semestre deste ano”, afirma o engenheiro de materiais Ricardo Bou Reslan Calumby, responsável pelos ensaios com a lente da USP. O interesse da Embraer pela inovação tecnológica deveu-se ao fato de algumas lanternas francesas que atualmente equipam o Legacy terem apresentado um opacamento prematuro. “Recebemos reclamações e vimos que algumas dessas lentes apresentavam um certo desgaste durante os ensaios de vôo ou de homologação”, afirmou a engenheira de materiais da Embraer Isabella Emmerick, que participa da equipe de testes.

O Legacy é um jato executivo de médio porte inspirado na plataforma da família de aviões regionais ERJ 135/140/145, que tem mais de 600 unidades em vôo. Ele está disponível em duas versões: Executiva e Shuttle, com capacidade para até 19 passageiros. O jato é capaz de voar cerca de 5.700 quilômetros sem necessidade de abastecer – distância entre Nova York e Londres, por exemplo. O jato foi lançado em 2001 e homologado para voar no final do ano passado pelas autoridades aeronáuticas dos Estados Unidos e da Europa. A Embraer já entregou 15 unidades e recebeu 164 encomendas do avião de clientes de diversos países.

A demanda da empresa aeronáutica de São José dos Campos pelas lentes de sinalização de ponta de asa do Legacy é pequena, de apenas 50 unidades por ano. Para atender a Embraer, na hipótese de a peça ser aprovada nos ensaios atualmente em andamento, os pesquisadores planejam montar uma pequena empresa numa incubadora de base tecnológica. “Além de equipar o Legacy, vamos oferecer o produto para os demais jatos da empresa e para as companhias aéreas do país, que precisam ter a peça em suas oficinas para a manutenção dos aviões”, afirma Gonçalves Neto.

Outras aplicações
Para conferir produção em escala ao filme de nitreto de silício, os cientistas estão pensando em outras aplicações fora do setor aeronáutico. Uma alternativa é a cobertura de faróis de carro com o produto. “No futuro, podemos repassar essa tecnologia para a indústria automobilística”, afirma o Mansano. O produto também pode ser usado para revestir lentes de policarbonato de óculos, que são muito mais leves do que as lentes de vidro, mas têm a desvantagem de riscar muito fácil. “Já temos contato com fabricantes, que mostraram interesse pelo produto.” Além de proteger as lentes contra riscos, a película funcionará como filtro óptico e cobertura estética, uma vez que a cor delas pode variar conforme a espessura do filme.

Correções
Dois pesquisadores constaram como pertencentes aos quadros do Departamento de Engenharia de Sistema Eletrônico da Poli-USP. Na realidade, Giuseppe Antoônio Cirino trabalha na EletroPPAr Indústria Eletrônica e Luís da Silva Zambom é professor da Faculdade de Tecnologia de São Paulo do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, em São Paulo.

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