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Carta da editora | 85

Travessias a bordo do conhecimento

No tempo em que os animais falavam…” Até um tempo nem tão remoto assim, havia um sem-número de histórias para crianças que começava por essas palavras. E como uma espécie de toque mágico, tão logo fossem lidas ou ouvidas, elas descerravam portas para viagens inesquecíveis por um mundo fantástico. Ecos desses primeiros e intensos sentimentos de prazer proporcionados pela fantasia literária decerto ressoam na memória de todo leitor apaixonado a cada encontro com um magnífico texto de ficção pela vida afora. Porque podendo ser tomada de diferentes maneiras, por exemplo, como gratificante experiência estética ou exercício provocador de reflexões sobre a condição humana, a leitura de ficção nunca deixa de ser, entretanto, o lugar por excelência das grandes aventuras da imaginação. Extraordinário, contudo, é quando não o texto ficcional, mas um relato originário da ciência, com seu propósito de desvendamento do real, nos leva de volta às emoções daquele universo mágico percorrido lá na infância com o auxílio dos contos de fadas. É aí que de uma forma muito especial se reconquista um dos sentidos possíveis do grande prazer de conhecer.

Tudo isso vem a propósito da bela reportagem de capa desta edição, sobre a linguagem dos muriquis ou mono-carvoeiros, encontrados em trechos da Mata Atlântica. Nela, o editor Carlos Fioravanti relata a partir da página 34 as instigantes descobertas de um grupo de pesquisadores paulistas sobre a capacidade desses primatas recombinarem 14 diferentes elementos sonoros que se aproximam de vogais ou consoantes da linguagem humana e, ao fazê-lo, produzirem uma linguagem natural com um sentido social claro. Em outras palavras: os muriquis quase falam.

Do quase mágico ao confronto com uma realidade dura e desafiadora – o conhecimento científico se faz também nessas travessias. É de um confronto dessa natureza que trata a reportagem sobre a morte súbita dos citros, uma estranha doença que vem afetando os laranjais brasileiros, identificada há dois anos, e que pelo seu potencial destrutivo já foi alçada à condição de inimigo número um da citricultura nacional. No texto, que disputou com os muriquis a capa desta edição, o repórter especial Marcos Pivetta detalha os sintomas e os efeitos da doença e relata a formação de uma força-tarefa em que se unem Ministério da Agricultura, governo do Estado de São Paulo, citricultores e pesquisadores de instituições públicas e de empresas para deter o avanço do problema. Mostra também que mudanças a morte súbita pode determinar nas bases da citricultura e as largas chances de os pesquisadores chegarem a uma solução definitiva para o problema, dados o conhecimento científico acumulado pelo país em citros e o dinamismo da pesquisa nesse campo. Afinal, a citricultura no Brasil tem a pujança que tem graças ao apoio ininterrupto da pesquisa para seu desenvolvimento – a rigor, há mais de sete décadas.

Vale destacar também nesta edição a reportagem especial do editor Marcos Oliveira sobre a Embrapa, que em abril completa 30 anos de excelentes serviços prestados ao desenvolvimento do setor primário da economia nacional. Centenas de novas variedades de sementes desenvolvidas ao longo dos anos, numerosas técnicas de manejo e de controle de pragas agrícolas adaptadas para todas as regiões do país, linhagens e novas técnicas reprodutivas para bovinos e suínos são algumas das marcas da trajetória dessa empresa pública que resultaram em ganhos generalizados de produtividade e geração de riqueza para o país.

E, para finalizar, merece destaque o pequeno dossiê em que seis especialistas, com total autoridade para tratar do tema, até em razão das funções públicas que exercem, analisam a relação entre educação, ciência e desenvolvimento no Brasil – valendo-se das lições do passado para mirar o futuro. As recentes mudanças nas administrações públicas federal e estaduais tornam este momento muito oportuno para essas reflexões.

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