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Física médica

Leitura magnética

Equipamento detecta se há excesso de ferro no fígado em pessoas que fazem muitas transfusões de sangue

A pós mais de cinco anos de estudos, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, concluíram a construção de um aparelho capaz de medir a quantidade de ferro no organismo sem a necessidade de biópsia. A análise é feita por meio da intensidade do campo magnético emitida por esse elemento químico que se concentra principalmente no fígado. Um índice excessivo nesse órgão, que absorve e retém cerca de 75% do total dessa substância no corpo, pode levar à destruição das células, causando fibrose, cirrose, etc. Também podem ser afetados o coração e o baço.

Os problemas relacionados com a presença de altas concentrações de ferro no organismo são enfrentados principalmente por pessoas que recebem constantes transfusões de sangue. É o caso daqueles portadores da talassemia beta maior – um distúrbio na síntese das hemoglobinas (os glóbulos vermelhos do sangue) que provoca o acúmulo de ferro no fígado – ou ainda da anemia falciforme e outros tipos de anemia crônica. Outra doença é a hemacromatose, a absorção excessiva de ferro ingerido na alimentação.

Pacientes com essas enfermidades vão ter grandes benefícios com o equipamento. O primeiro é a eliminação da biópsia, um procedimento cirúrgico invasivo e caro que consiste em retirar, via incisão, uma amostra do órgão para análise química. O aparelho permite ainda a quantificação precisa do ferro existente no fígado, facilitando o controle clínico com a prescrição de medicamentos na medida certa. Segundo o médico Dimas Tadeu Covas, diretor do Hemocentro de Ribeirão Preto, será útil principalmente para pacientes que necessitem de tratamento à base de quelação química – substâncias que se agregam ao ferro e provocam sua excreção do organismo, auxiliando na determinação do período necessário para o tratamento.

Chamado de biossusceptômetro, o aparelho foi desenvolvido e está instalado em um espaço de aproximadamente 12 metros quadrados no Laboratório de Biomagnetismo do Departamento de Física e Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. O aparelho já passou pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e também pelo Comitê Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), em Brasília, órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Após a aprovação, foram feitas medidas dos níveis de ferro no fígado de 32 indivíduos saudáveis e em 42 pacientes com excesso dessa substância no organismo.

Todo o sistema baseia-se em um sensor magnético supercondutor chamado Squid (superconducting quantum interference devices ), o mais sensível detector de fluxo magnético existente, que mede a concentração de elementos magnetizados em quantidades muito pequenas. “Como o campo magnético emitido pelo ferro hepático é muito fraco (10 milhões de vezes menor que o campo aplicado), todo o sistema tem que ser não-magnético para possibilitar a sua medida. Por isso, em todo o espaço em que o biossusceptômetro é instalado, usamos madeira, fórmica, plástico, nada que contenha qualquer metal”, conta o físico Antônio Adilton Carneiro, autor da tese de doutorado “Um Biossusceptômetro Supercondutor AC para Quantificar o Ferro Hepático”, orientada pelo professor Oswaldo Baffa Filho, coordenador do Laboratório de Biomagnetismo.

Escala comercial
A idéia de quantificar ferro hepático usando um biossusceptômetro supercondutor não é original. Já existe um equipamento comercial produzido por uma empresa norte-americana com custos em torno de US$ 1 milhão. Existem grupos nos Estados Unidos, na Alemanha e na Itália que estudam medidas de ferro no fígado com esse aparelho comercial. “Estamos produzindo resultados similares com a tecnologia desenvolvida em Ribeirão Preto. O custo do nosso equipamento foi cerca de dez vezes menor”, diz Carneiro. A construção do aparelho gerou vários sistemas inovadores e um deles poderá ter uso amplo em outros equipamentos que não necessitem de campos magnéticos e material condutor, como, por exemplo, os de Imagens por Ressonância Magnética. A inovação é a cama de posicionamento do paciente.

Ela permite movimentos verticais com o auxílio de um mecanismo de deslocamento pneumático que rendeu uma patente depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e financiada pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. O sistema pneumático da cama é composto por material não magnético e permite o deslocamento com precisão de décimo de milímetro. Outra vantagem do mecanismo pneumático é o seu baixo custo, possibilitando a produção em escala industrial. Embora apresente vantagens sobre os aparelhos existentes no mundo, o biossusceptômetro desenvolvido na USP não deverá ser produzido em série nesta etapa.

“Os custos são muito elevados e teríamos que trabalhar com pessoal extremamente especializado, o que inviabilizaria nossas pesquisas”, afirma Baffa Filho. Os pesquisadores acreditam que apenas três unidades já seriam suficientes para atender à demanda por esses exames no Brasil, onde estão catalogados entre 400 e 600 pacientes com necessidade de transfusões regulares de sangue. O aparelho existente vai ser instalado na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, ligada ao Hospital das Clínicas da USP na mesma cidade. Com isso, poderá ser medida também a demanda pelo equipamento, o que deverá determinar quais locais poderão receber uma segunda unidade do biossusceptômetro, pois não compensaria manter um número grande de aparelhos em diferentes localidades.

O Projeto
Sistema pneumático em grandes dimensões para levantamento de plataforma (nº 02/08044-2); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI); Coordenador Antônio Adilton Oliveira Carneiro – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP; Investimento R$ 6.000,00

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