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São Paulo no olhar da ciência

Decifra-me ou devoro-te

Grafite no túnel de acesso à avenida Paulista: intervenção no espaço urbano

MIGUEL BOYAYANGrafite no túnel de acesso à avenida Paulista: intervenção no espaço urbanoMIGUEL BOYAYAN

Uma onda alucinante de sons, tons, cheiros, cores, imagens, palavras, discursos se espraiou por São Paulo nos últimos dias de janeiro, no dia 25 em especial. Uma multidão impressionante, multiétnica, se aglomerou sob a chuva na esquina da Ipiranga com a São João, invadiu o Parque Ibirapuera, se espalhou pela avenida 23 de Maio, chegou à Liberdade, ao Pátio do Colégio, tomou a Luz, entrou na Pinacoteca, cantou, dançou, festejou. Era tudo festa, e festa popular, pelos 450 anos da cidade. Houve, claro, quem torcesse o nariz. Quem achasse tudo aquilo uma chateação. Uma bobagem. Produção de mero marketing eleitoreiro. Um exagero, enfim, uma celebração kitsch até a náusea. Mas só uma má vontade extrema não reconheceria na vibração positiva da multidão na rua, em sua alegria coletiva, aberta ou meio contida, traços de um sentimento valioso de pertencimento, tão raro de ser flagrado no cotidiano de São Paulo. Ou expressões de um renovado e forte vínculo social com o lugar em que se vive, sempre tão ameaçado nesta cidade. E um e outro são certamente ingredientes fundamentais de contraposição à face violenta da metrópole, a seu lado duro, não raro selvagem, que também é parte integrante das relações sociais e econômicas que ela estabelece.

Comemorar não impede o pensar, antes o propõe. E, em paralelo à festa, vieram as reflexões. Mostrou-se muito nesses dias de janeiro, por uma infinidade de ângulos e numa diversidade de meios, a complexidade extraordinária de São Paulo. Mas o tema é, sem dúvida, inesgotável, e Pesquisa FAPESP pretende, em seu campo próprio, dar uma pequena contribuição para os debates que ele provavelmente suscitará ao longo deste ano. Assim, esta edição especial da revista reúne reportagens sobre estudos que tomaram como objeto problemas ou aspectos significativos da gigantesca metrópole. Para começar, abordamos um denso e inédito trabalho sobre o próprio perfil atual da Região Metropolitana desenhado no livro São Paulo metrópole, a ser lançado em breve pela Edusp. Elaborado pelos pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) patrocinados pela FAPESP, ele é resultado de quase duas décadas de pesquisa. A análise daí decorrente, relata a editora de Política, Claudia Izique (a partir da página 6), não cai na tentação das interpretações causais. Em vez disso, mostra a metrópole como expressão de uma nova etapa do sistema produtivo e elege os temas que melhor descrevem o percurso de transformação, do ponto de vista da evolução urbana, qualificando as situações emergentes e transitórias.

As outras reportagens que constituem essa edição foram selecionadas dentre o extenso material a respeito de São Paulo publicado pela revista, de forma dispersa, ao longo dos dois últimos anos – um pouco mais, a rigor, já que o trabalho mais antigo aqui tratado é de novembro/dezembro de 2001. Buscamos contemplar diferentes enfoques científicos sobre a cidade, mas sempre considerando a relevância do tema pesquisado para seus habitantes. Dessa forma, abordamos a poluição que a capital paulista não só produz como exporta para cidades distantes de seu território até 400 quilômetros, detalhadamente examinada sob o comando de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Mostramos as conclusões de uma grande pesquisa sobre a exclusão social na cidade, coordenada por pesquisadores da Faculdade de Serviço Social da PUC-São Paulo. A violência, as dores e alegrias do envelhecimento na metrópole, mas também o cinema que busca entendê-la ou expressá-la, são outros temas que aparecem nesta edição, oferecendo uma bela amostra das preocupações de pesquisadores de diferentes áreas que têm em São Paulo não apenas um lugar para viver, mas um fascinante desafio profissional: há que compreendê-la, decifrá-la e, por que não?, ajudar a transformá-la.

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