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Virologia

Vírus no porão

Equipe explica como o HIV se esconde e por que a interrupção programada do tratamento contra Aids nem sempre funciona

MIGUEL BOYAYANA técnica de laboratório Janaína Maria Alves, da equipe da Unifesp, purifica o material genético do HIV para entender como vírus escapa aos medicamentosMIGUEL BOYAYAN

Nos últimos anos, a equipe de Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acompanhou passo a passo as mudanças que ocorrem no material genético do HIV em um prazo relativamente curto (três meses), quando os portadores de formas do vírus resistentes aos remédios adotam a estratégia de interrupção programada do tratamento – param de tomar os medicamentos por 12 semanas e, em seguida, reiniciam a terapia. Wilson Pereira Silva, um dos integrantes do grupo, descobriu o mecanismo que permite ao vírus resistente escapar à interrupção programada, elaborada justamente para reduzir a resistência aos medicamentos. Até agora, pesquisas internacionais indicavam que a retirada dos remédios poderia provocar alterações capazes de diminuir a população dos vírus resistentes, enquanto os não-resistentes, evolutivamente mais próximos dos vírus encontrados no início da infecção, teriam condições mais favoráveis de crescimento – em seguida, os vírus sensíveis aos remédios seriam eliminados com a reintrodução dos medicamentos. O intervalo de três meses também seria suficiente para o sistema de defesa reciclar os linfócitos, as células-alvo do HIV, substituindo os contaminados com o material genético do vírus por outros sadios. Não foi o que se viu.

Em um estudo que faz parte de um projeto temático coordenado por Ricardo Diaz, Wilson Silva verificou que o vírus pode permanecer mais tempo vivo – numa forma inativa – em populações de linfócitos que se encontram em uma espécie de hibernação. A retomada do tratamento parece despertar essas células dormentes, que passam a produzir vírus resistentes aos remédios. Ao analisar um gene responsável pela produção de uma parte da cápsula do HIV, a equipe de Diaz confirmou que os vírus despertados com a retirada dos medicamentos haviam acumulado menos alterações e, portanto, eram geneticamente mais próximos daqueles que iniciaram a infecção.

Resistência reduzida
Em outro estudo coordenado por Diaz, Domingos Matos dos Santos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), avaliou como 35 portadores do HIV resistente aos medicamentos respondiam à interrupção programada do tratamento. A estratégia foi eficaz – e eliminou a resistência do vírus aos remédios – em apenas 34% dos casos. Para os demais pacientes, os benefícios foram pequenos ou inexistentes. Mas a notícia também tem aspectos positivos. Diante desses resultados, Santos resolveu verificar o que havia de especial com essas 12 pessoas para as quais a interrupção havia funcionado bem. Viu que, nesses casos, a quantidade de vírus no sangue era baixa e o número de linfócitos elevado antes mesmo do início do tratamento – ou, como dizem os médicos, o perfil inicial da infecção era bom. “Esses resultados indicam que a interrupção programada deveria ser adotada apenas quando o quadro inicial da doença é favorável”, diz Santos. “É uma estratégia que exige uma avaliação individualizada e que o médico conheça em detalhes como ainfecção evoluiu no paciente.”

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