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Ecologia

Arca de Noé digital

Rede integra dados de plantas, animais e microorganismos de coleções paulistas e do exterior

Quando encontrou aquele arbusto de meio metro de altura, folhas verde-escuras largas e flores amarelas, a botânica Giselda Durigan ficou surpresa. Jamais vira aquela espécie em seis anos de expedições pelos 1,3 mil hectares de Cerrado da Estação Ecológica de Assis, na região oeste do Estado de São Paulo. Após procurar registros dessa planta em herbários, Giselda descobria que havia reencontrado a douradinha-falsa, considerada provavelmente extinta no estado – observada pela última vez cerca de 30 anos antes em Pedregulho, em São Paulo. Típica de áreas abertas em que o Cerrado se confunde com pastagens, a douradinha-falsa se esconde entre gramíneas: expõe apenas suas folhas espessas e uma vez por ano, de novembro a dezembro, os cachos de flores amarelas.

Qualquer biólogo que pretendesse estudar uma planta, um animal ou um microorganismo – nem sempre resultando na identificação de uma espécie nova – tinha até agora de seguir esse mesmo percurso, com muitas horas de caminhadas, ou peregrinar pelas coleções dos institutos de pesquisa. Não precisa mais ser assim. Desde o começo deste mês, as características físicas, a classificação biológica e a área de ocorrência, imagens e estudos de referência de milhares de espécies de animais, fungos, bactérias e plantas brasileiras, como a douradinha, estão na Internet, a poucos cliques de qualquer um, reunidos no splink.cria.org.br (sem o www). Esse é o endereço do Species Link, uma portentosa rede de informações que integra bases de dados nacionais e internacionais, desenvolvida pelo Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria).

Primeiro inventário digital da biodiversidade paulista e de parte da brasileira, o Species Link integra no momento 38 coleções científicas (24 paulistas e 14 internacionais) de plantas, animais e microorganismos de diferentes grupos taxonômicos, mantidas por oito instituições de ensino e pesquisa no país. Essa rede, ainda em fase de teste, abriga informações sobre 350 mil registros, como é chamada a coleta de uma espécie no campo.

Desse total, que deve dobrar de tamanho até o final de 2005, à medida que mais dados forem digitalizados, quase 50 mil registros provêm do Sistema de Informação do Programa Biota-FAPESP (SinBiota), responsável pelo levantamento da biodiversidade e dos recursos naturais paulistas. Essa rede deve crescer ainda mais ao incorporar dados de coleções-chave de outros estados, como as do Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que há mais de um século vem documentando a diversidade biológica dos ecossistemas brasileiros.

Piranhas
Essa espécie de arca de Noé digital não vai substituir as coleções com as próprias amostras de animais e plantas, ainda essenciais para estudos comparativos mais detalhados, mas facilitará bastante o trabalho científico. Percorrendoas bases de dados reunidas nessa rede, um biólogo poderá descobrir em minutos, por exemplo, quantas piranhas foram registradas nas coleções científicas do Estado de São Paulo. De um dos gêneros mais comuns, Serrasalmus, há 843 registros.

“O valor do Species Link é inestimável do ponto de vista científico, por reunir em um único endereço da Internet informações cujo acesso, de outro modo, seria quase impossível”, comenta Vanderlei Perez Canhos, diretor presidente do Cria e coordenador do Species Link. Com essa rede, as instituições científicas do Brasil se colocam no mesmo grupo das de outros países, que contam com artifícios semelhantes há pelo menos cinco anos. O Species Link também abre caminho para o país participar de um projeto mais amplo, o Infra-Estrutura Global de Informação sobre Biodiversidade (GBIF, na sigla em inglês), voltado à construção de uma estrutura compartilhada de dados sobre a biodiversidade do planeta.

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