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Novos materiais

Pequenas soluções

Em Pernambuco, nanotecnologia e fotônica são a base de sensores nas áreas ambiental e de saúde

Um dos primeiros produtos desenvolvidos no Brasil com tecnologia nanométrica está pronto para deixar o laboratório e se incorporar ao dia-a-dia. É uma molécula que tem a função de dosar a intensidade dos raios solares de acordo com a sensibilidade da pele humana. Ela é instalada em um crachá, por exemplo, e ajuda os trabalhadores que têm o sol como companheiro, como os guardas de trânsito, a não se exporem em demasia à radiação solar. Um problema a ser evitado porque o excesso pode resultar em câncer de pele, uma doença causada pelos raios ultravioleta (UV), que chegam à Terra junto com a luz solar, e provoca mais de 100 mil casos por ano no país, segundo o Instituto Nacional do Câncer.

Chamada de n-Domp (nanodosímetro molecular de uso pessoal), a molécula é um dos muitos projetos na área de nanotecnologia liderados por Petrus D’Amorim Santa-Cruz, coordenador do Laboratório de Nanodispositivos Fotônicos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para o desenvolvimento e o formato final do n-Domp e de outros futuros produtos, Santa-Cruz formou com mais sete alunos, responsáveis pelas pesquisas, a empresa Ponto Quântico, que está instalada na incubadora da UFPE. Tanto o laboratório como a empresa fazem parte da Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces (Renami), uma das redes de nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Avalia riscos
O nanodosímetro instalado em um crachá é o primeiro nanodispositivo da empresa. Ele foi mostrado na Brasiltec 2004, a feira de inovação tecnológica realizada em novembro em São Paulo no estande da empresa. O público-alvo do n-Domp são empresas que contratam guardas de trânsito, trabalhadores da construção civil e das plataformas de petróleo, e mesmo para funcionários de indústrias de polímeros usuárias de UV artificial na preparação de superfícies de embalagens e outros produtos. “Ele serve para avaliar os riscos dos usuários”, diz Santa-Cruz. O dispositivo funcional é instalado em um crachá de plástico na forma de uma película (filme) que mede entre 40 e 50 nanômetros de espessura (1 nanômetro corresponde a 1 milímetro dividido por 1 milhão). A molécula é “nanomontada” em três partes.

A primeira mimetiza (imita) a pele humana e se degrada sob ação dos raios UV, guardando a informação da dose. A segunda, que inclui o elemento químico európio na forma de íon (átomo que perdeu um ou mais elétrons), permite a leitura da dose por emissão de luz, e a última parte bloqueia interações com moléculas de água, que poderiam interferir no funcionamento do dispositivo. “A própria molécula é o dispositivo”, diz Santa-Cruz. O crachá serve como um suporte, que facilita a leitura posterior da dose, com o auxílio de um leitor ligado a um computador, que armazena em um banco de dados o quanto de UV a que cada pessoa foi exposta.

Santa-Cruz e seus alunos já possuem cinco protótipos na área de nanotecnologia com patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). Um deles é uma evolução do n-Domp. Trata-se de um sensor produzido com Oled, sigla de Organic Light Emitting Diodes, ou diodos orgânicos emissores de luz. Ao contrário dos LEDs comuns, produzidos com semicondutores inorgânicos, como silício e gálio, eles são fabricados com moléculas com propriedades elétricas que geram luz própria, quando da passagem de corrente elétrica. Chamado de n-Domoled, o dispositivo é produzido como um sanduíche de nanofilmes. A parte ativa desse produto é constituída da mesma molécula projetada para o dispositivo anterior, que se degrada com a radiação UV. Como o sensor emite luz quando recebe pulso elétrico, o acúmulo de ultravioleta diminui pouco a pouco a intensidade do efeito luminoso do dispositivo. “Essa é a próxima geração de dosímetros pessoais que estamos desenvolvendo”, conta Santa-Cruz.

Outra patente do grupo de pesquisadores serve ao campo da saúde. É uma contribuição para a produção de vitrocerâmicas, um material que se origina do vidro em um processo de cristalização controlado sob altas temperaturas e se torna bem resistente, servindo para uso em próteses de ossos e dentes, por exemplo. “O que fizemos foi induzir a formação de uma nanoestrutura de prata nesse material, possuidor de propriedades bactericida e antiinflamatória, para diminuir a possibilidade de infecções no local do implante.” A prata é milenarmente conhecida pelas propriedades bactericidas e só foi totalmente abandonada para esse fim após o aparecimento dos antibióticos. No processo de produção do material nanoestruturado, íons de prata ganham elétrons e em seguida formam nanoesferas metálicas que migram para a superfície do implante. No meio biológico, a liberação da prata, na forma iônica (com perda ou ganho de elétrons), acontece de forma lenta e gradual.

Luz rara
A utilização de materiais nanoestruturados também resultou em um dispositivo para mapear a temperatura em ambientes biológicos como no interior do corpo humano ou na água. Utilizando um nanopó à base de túlio e térbio, duas terras-raras (do grupo dos lantanídeos na Tabela Periódica), os pesquisadores conseguem fazer o mapeamento da temperatura por meio fotônico, com precisão nanométrica. Além da forma de nanopó, o mesmo material foi desenvolvido em fibras ópticas biocompatíveis, para controle de temperatura ao longo da fibra. O sistema também pode ser utilizado em locais que não podem receber os termômetros usuais, como nos transformadores e áreas com altos campos magnéticos. A intensidade da luz emitida por esse dispositivo é coletada por um sensor portátil que mede a intensidade relativa de luz azul produzida pelo túlio em relação à luz verde do térbio. A razão entre a intensidade das luzes desses elementos é que resulta na temperatura. Essa relação de intensidades varia deforma linear com as temperaturas, na faixa de -210°C até 720°C.

Na área ambiental, os pesquisadores do Departamento de Química Fundamental da UFPE desenvolveram um inovador sensor de poluentes metálicos em água. Um produto que agora está em fase de automação na Ponto Quântico. Chamado de SPA-Foton, o sensor é composto de um polímero superabsorvedor, da mesma família dos usados em fraldas, dotado de uma sonda fotônica. Colocado na água que se quer analisar, o polímero absorve o líquido em até 200 vezes o seu peso e concentra o poluente. A análise, que pode ser feita no local da medição com palmtop, é feita pela medição da radiação luminosa da sonda num software. O resultado aparece conforme o espectro de luz é modificado pelo tipo de metal. “Não medimos o espectro do poluente, mas sim o espectro da luz da sonda.” Além disso, o aumento da concentração de metal no polímero é que faz a amostra-sensor detectar quantidades muito pequenas do poluente. “Sabemos que esse sensor é viável economicamente, mas precisamos automatizá-lo, por isso estamos desenvolvendo um software mais avançado que fará a interpretação automaticamente.”

Resíduo poluente
A equipe de Petrus mostrou na Brasiltec 2004 que é capaz de formular novos materiais que fogem ao alvo principal do trabalho em fotônica e nanotecnologia. Em um trabalho de doutorado no Programa de Ciência de Materiais da UFPE, um resíduo poluente oriundo do polimento do porcelanato, denominação de um tipo especial de piso cerâmico polido, foi usado para o desenvolvimento de compósitos para tornar o gesso mais compacto e resistente. O experimento resultou em uma vitrocerâmica e um vidro que estão em fase de testes para recobrir a cerâmica.

Tudo com a vantagem de retirar o resíduo do ambiente, agregando valor ao subproduto. Como todos esses trabalhos e outros que estão em formatação, Santa-Cruz tem um firme propósito na universidade. “Nossa idéia é formar alunos, mas também desenvolver o espírito de empreendedorismo na área de nanotecnologia”, diz. Ele faz isso com a mesma disposição que dá aulas de nanotecnologia na pós-graduação pela manhã, e duas vezes por semana, à noite, na licenciatura, para professores da rede pública pernambucana de ensino.

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