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José Fernando Perez

José Fernando Perez: Um roteiro de abertura à sociedade

MIGUEL BOYAYANO físico e engenheiro José Fernando Perez, 60 anos, casado, pai de dois filhos e avô orgulhoso de duas netas, uma na faixa de 1 ano e outra próxima dos 3, cujas fotos ele, entre enlevado e enternecido, costuma distribuir regularmente pela internet aos mais próximos, passou os últimos 11 anos à frente de um dos cargos executivos mais importantes na política de ciência e tecnologia de São Paulo: diretor científico da FAPESP. Nessa condição, desde dezembro de 1993 ele imantou a Fundação com seu estilo expansivo, seu entusiasmo e, principalmente, uma enorme capacidade de propor, acolher e realizar projetos novos. Tal competência entrou em cena impulsionada ao mesmo tempo por sonhos, quase visões particulares de futuro – não exatamente individuais, e sim comuns ao grupo de pesquisadores com o qual ele desde estudante mais se afinava – e por idéias, bem fundamentadas e bem discutidas no âmbito do Conselho Superior da FAPESP e mesmo da comunidade científica paulista – polêmicas à parte.

No percurso, Perez colheu, como seria de esperar, críticas, algumas acerbas, de setores tradicionalistas, mas amealhou em quantidade bem maior testemunhos valiosos – e públicos -, dentro e fora do país, de reconhecimento à qualidade de seu trabalho como dirigente da FAPESP e a seu papel de liderança no fortalecimento de áreas-chave para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Uma liderança que, ele fez questão de enfatizar nesta entrevista em que examina o que mudou na FAPESP nesses 11 anos, só pôde ser exercida com o concurso de seus assessores diretos, os adjuntos da Diretoria Científica que ele sempre chamou carinhosamente de sua “armatta Brancaleone”, numa referência ao delicioso filme de Mario Monicelli.

Aliás, o professor Perez, que continuará a dar aulas no Instituto de Física, embora tenha se aposentado da Universidade de São Paulo (USP) como titular de física matemática, simultaneamente à colocação de seu cargo à disposição na FAPESP para enveredar por um novo e desafiante caminho, chega a ser engraçado em seu esforço por explicitar o reconhecimento à sua equipe em justa medida. Ele, por exemplo, insistiu para que nas páginas desta entrevista estivessem, em paralelo às suas fotos, as de seus assessores diretos. Por razões editoriais, não pudemos atendê-lo, mas fica o registro e, num destaque na página 17, sua citação aos adjuntos.

Em sua avaliação, qual a diferença essencial entre a FAPESP de dezembro de 1993 e a de hoje?
Há duas diferenças fundamentais. A primeira tem a ver com a questão da inovação tecnológica. A FAPESP transformou-se numa agência também de fomento à inovação tecnológica, e isso em atendimento ao que a Constituição paulista determinou na reforma de 1989, que definiu a missão da instituição. Até esse ano prevalecia o enunciado de 1947, segundo o qual a FAPESP só era responsável pela pesquisa científica – em 1989, aFundação passou a ser responsável pelo desenvolvimento científico e tecnológico. A partir de 1993 a FAPESP inseriu a inovação tecnológica como uma de suas prioridades. E outra característica importante, que diferencia a instituição de antes de 1993 em relação ao que ela é atualmente, é o fato de nós termos esse papel articulador de agência na geração de programas novos, dentro da linha que foi criada com o Genoma, Biota, Tidia, Cinapce…

Em vez de ouvir e receber propostas da comunidade a Fundação passou também a articular e propor novos programas.
Eu diria menos propor… Cada um desses projetos nasceu dentro da comunidade científica. É claro que numa interação com a Diretoria Científica, mas são propostas que vieram da comunidade. A FAPESP teve um papel de ajudar na organização em torno dessas metas. Essa é a famosa metáfora formulada no livro A catedral e o bazar pelos antropólogos americanos Eric Raymond e Bob Young, que identificaram essa estratégia de bazar, possível de ser adotada como forma de organização. A FAPESP já era uma agência muito organizada, tinha uma imagem muito sólida, muito consolidada dentro da comunidade científica nacional e internacional, mas com uma característica de perfeição, de catedral. Uma coisa perfeita, mas ao mesmo tempo muito estática e pouco afinada, pouco sensível a identificar oportunidades e desafios. Quem me apresentou essa metáfora foi o Imre Simon (coordenador da Incubadora Virtual e do programa Tidia). Hoje, em paralelo à catedral, temos também uma característica de bazar, no sentido de que ficamos mais atentos ao tempo, às necessidades e oportunidades. Acho que isso caracteriza a nova FAPESP nesses últimos 11 anos. O livro de Raymond e Young contava a história do sistema operacional Linux, por isso o Imre Simon tinha conhecimento disso. Ele imaginava que um software só podia ser desenvolvido com uma estratégia de catedral, cada pedra sendo usada com uma idéia muito clara de onde seria colocada. Era um processo essencialmente solitário, mas com uma visão de perfeição: algo que, uma vez pronto, não há o que mexer. E ele ficou surpreso com o Linux, que foi feito com uma estratégia aberta, digamos, de bazar.

Quando o senhor assumiu, a idéia de inovação tecnológica já estava presente?
Já estava presente no processo de escolha do diretor científico há 11 anos. A questão já polarizava o nosso Conselho Superior. É preciso lembrar como foi o processo de indicação: em 1993, com a saída do professor Flávio Fava de Moraes, o conselho, depois de várias discussões, reuniões e propostas de listas que vieram de várias fontes, optou por convidar dez pesquisadores para entrevistas.

Quase sabatinas.
Exatamente. A questão de como financiar a inovação tecnológica na empresa preocupava o conselho. E acho que uma das razões pelas quais eu fui escolhido é porque levei uma proposta operacional, compatível com a missão institucional de financiamento à pesquisa, isto é, de geração de conhecimento. Essa proposta era algo que eu e o professor Coutinho (Francisco Antonio Bezerra Coutinho) já havíamos formulado quatro anos antes. O Coutinho dava uma assessoria periódica ao então secretário de Ciência e Tecnologia, Décio Leal de Zagottis, do governo federal, que tinha status de ministro. E sempre trazia essa preocupação: “Como é que nós vamos resolver essa questão de projetos com empresas?”. Depois de várias conversas chegamos a esse conceito de que se poderia financiar, desde que houvesse uma contrapartida real daempresa nessesprojetos de pesquisa. É o conceito de machting fund , tão enraizado na sociedade norte-americana onde até a TV pública funciona com financiamento parcial do governo e tem, teoricamente, atividades de fund raising com a sociedade: para cada US$ 1 que a população dá resulta na colocação de US$ 1 do governo federal.

Isso então foi determinante para sua escolha.
Acho que foi um dos fatores determinantes. Foi no momento da discussão desse assunto que senti que havia uma chance real de ser indicado. Não sei como os outros responderam, mas tenho certeza de que o conselho percebeu que havia uma oportunidade ali, que havia uma resposta clara e operacionalmente viável. Embora estivesse na lei, havia um certo desconforto da comunidade científica, que até hoje persiste um pouco, de achar que a FAPESP ia acabar perdendo seus recursos para as empresas. Mas o fato de eu ser também um pesquisador da área básica, com uma proposta dessa natureza, eliminava qualquer percepção de conflito de interesses. Tinha outra questão que também polarizava o conselho – acho que era menos grave, mas estava presente. Era sobre como deveria se dar o processo de avaliação quando entrássemos no financiamento da inovação tecnológica. Em particular havia um questionamento sobre nossas coordenações de área (“qual é o papel delas?”) e se era uma forma de organização adequada para ter a melhor avaliação. E também nisso minha resposta foi bastante operacional porque propus analisar como é que era feito esse processo de avaliação dentro da National Science Foundation (NSF).

A avaliação deles é um pouco mais complicada do que a da FAPESP, não é?
Em certos aspectos a nossa é melhor porque na NSF eles têm um diretor de programa para cada área e subárea. Ou seja, têm muitos diretores de programa e acho que tomam as decisões de forma isolada. Nas nossas coordenações de área é como se tivéssemos um conselho gestor de programas. Isso permite uma discussão maior.

Houve mudança entre o sistema que existia e o sistema de assessoria e de coordenações de áreas depois da sua entrada?
Não. Nós fizemos melhorias pontuais, aperfeiçoamos em muitos aspectos o sistema, mas a sistemática permaneceu a mesma. Às vezes aumentamos o número de coordenadores de área, mudamos o perfil de cada uma das coordenações. Acho que o papel dos assessores adjuntos da Diretoria Científica se diferenciou em relação ao papel que tinham anteriormente. Por exemplo: os adjuntos, no momento, têm um espaço de discussão maior com as coordenações de área. Anteriormente funcionavam mais como uma instância superior e, atualmente, quando há uma discrepância da coordenação de área com os adjuntos, existe uma discussão maior. Isso é bom porque permite que, às vezes, a riqueza da reflexão que foi feita dentro da coordenação possa ser compartilhada com as instâncias posteriores ao processo. Também modificamos muito os formulários para avaliação dos projetos apresentados aos assessores. Por exemplo: introduzimos esse conceito de conflito de interesses na avaliação. Exigimos do assessor que identifique se ele se enquadra nas circunstâncias de potencial conflito de interesses com o projeto que está analisando. Trabalhei na coordenação de área muitos anos e às vezes descobria, a posteriori, que tinha feito um erro na escolha do assessor porque havia um potencial conflito de interesses. Não era conhecido como tal, nós não sabíamos, o próprio assessor não sabia se ele iria considerar aquilo como impeditivo ou não. Formalizar isso foi um passo importante.

O senhor renovou todos os assessores?
Não. Alguns eu mantive, como o Luiz Henrique (Lopes dos Santos), em humanidades, e o Rogério Meneghini, em ciências biológicas. Os outros foram substituídos. Saíram Hugo Armelin, que virou pró-reitor de pesquisa da USP, e Fernando Galembek, da Unicamp. O Sylvio Ferraz Mello saiu e para a área de engenharia eu trouxe o Alcir Monticelli (morto em agosto de 2001). Convidei o Antonio Paiva para a área de saúde, o Coutinho para a de exatas (mas também preocupado com a questão tecnológica) junto com o Luiz Nunes de Oliveira. Na verdade, Alcir, Coutinho e Luiz Nunes cuidavam de exatas. O Luiz Henrique continuou em humanidades, mas antes tinha também o Franklin Leopoldo, que saiu. Mais tarde eu trouxe a Paula Montero, no momento em que o Luiz Henrique viajou para o exterior. Quando ele voltou, mantive os dois. O Edgar Dutra Zanotto entrou mais tarde, quando o Alcir saiu para ir para o Conselho Superior. Mais recentemente saiu o Paiva e eu trouxe o Walter Colli, em 2002. Quando o Rogério tambémsaiuveio o Luiz Eugênio de Moraes Mello, no mesmo período. Costumo brincar dizendo que eles formam a Incrível Armada de Brancaleone da Diretoria Científica.

A vinda de Coutinho teve influência na criação do Programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)?
O conceito do PITE já estava presente nas conversas com ele. Havia um documento sobre o assunto aqui na Diretoria Científica que tinha sido elaborado anteriormente, mas ainda não havia sido colocado em prática. Estudamos o documento e decidimos repensar aquilo. Era uma boa base de reflexão, mas faltavam duas palavras mágicas. Tinha que ser financiamento a atividade de pesquisa , tinha que ter parceria com a universidade – ou seja, tinha que ter um pesquisador da universidade apresentando a proposta, além da contrapartida real. Esses foram os três ingredientes que viabilizaram o PITE. Quem deu uma contribuição importante foi o Carmine Taralli, diretor de tecnologia da Pirelli e um entusiasta desses programas de parceria. Fiquei muito contente quando ele viu o projeto e disse: “Essa é a fórmula correta”. Na realidade os projetos anteriores de parceria universidade-empresa não tinham esse compromisso da empresa com o risco. Essa contrapartida e a participação no risco do projeto e nos custos, é claro, dão o grande testemunho do comprometimento da empresa com o processo de transferência de conhecimento. O que havia antes disso eram declarações vagas de interesse, sem nenhum significado. Começamos a trabalhar no projeto em 1994 e em 1995 o aprovamos. A FAPESP manteve claro que o que a instituição financia na inovação tecnológica é a atividade de pesquisa. Esse é o negócio da FAPESP. Essa abertura para a inovação tecnológica foi feita, mas com um rigor muito grande, porque isso é o que permite estabelecer um recorte da atuação da agência. Se você tira a palavra “pesquisa”, passa a financiar tudo o que seja relevante para o desenvolvimento científico, tecnológico e universitário, você não tem limiteentre o que é e o que não é financiável.

Havia desconfiança da parte da empresa para com a universidade e vice-versa?
Sim, havia muita desconfiança, que continua, ainda que em escala menor. Muitas das coisas feitas aqui na Diretoria Científica foram para tentar contribuir em uma mudança cultural. Tanto do ponto de vista acadêmico, como dizer para o pesquisador que quer fazer tecnologia que ele precisa da empresa, quanto no campo empresarial, alertar a empresa sobre o grande potencial que existe para eles se desenvolverem, do ponto de vista tecnológico, numa relação com a universidade. Tudo foi muito devagar. No primeiro ano foram oito projetos, muitos com problemas, porque não havia essa cultura de apresentação de projetos dessa natureza. E as empresas relutavam muito em dar contrapartida. Nós também tivemos que aprender. No começo não julgávamos adequado que fosse considerada contrapartida qualquer forma de complementação salarial que as empresas dessem para os pesquisadores. Foi um purismo da nossa parte e depois revisamos isso. Não que fôssemos contra essa complementação, mas era uma questão de queisso não devia ser, digamos, o cerne da contrapartida da empresa. Atualmente estamos conscientes de que essa forma de contrapartida é reconhecida não só como legítima, mas também essencial para viabilizar o processo.

Veja se a coisa funciona assim: o pesquisador vai desenvolver um projeto, digamos, um pigmento para tinta para a empresa. Ele faz uma parte do projeto na universidade, mas está junto com a empresa. E aí ele pode, como está de certa maneira trabalhando para algo que vai beneficiar a empresa, além do salário da universidade, receber um pagamento extra enquanto estiver fazendo aquele projeto.
É, como um pró-labore. É um estímulo muito bom; nós sabemos muito bem como são os salários da universidade.

Mas isso pegou mal, na comunidade científica?
Não, não pegou mal não. Não houve nenhuma reclamação nesse sentido. Agora, nesses projetos nós queríamos que ocorresse um ciclo virtuoso, em que houvesse geração de conhecimento – que fosse transferido para a empresa -, mas que a universidade se enriquecesse nesse processo. Não queríamos criar um espaço para meras consultorias. Ouvi um depoimento muito interessante de um grupo da Unicamp, justamente sobre pigmentos de tinta, da Serrana. No fim do projeto os pesquisadores me disseram: “Aprendemos boa química”. Eles geraram um pigmento, transferiram o conhecimento para a empresa, a empresa pagou royalties por isso – o que ajuda a financiar o laboratório – e foram taxativos em dizer que evoluíram com o projeto. Nesse caso, houve um ciclo virtuoso. Embora essas parcerias sejam importantes para a universidade e para a empresa, elas não resolvem nem o problema da universidade, de fontes alternativas de financiamento, nem o problema das empresas, digamos, de dar saltos de desenvolvimento tecnológico. Porque a universidade tem o seu próprio ritmo de trabalho. O tempo acadêmico é diferente do tempo da empresa.

Quantos projetos foram financiados dentro do PITE?
Até 2004, 87 projetos. Curiosamente, em vários momentos, o Coutinho achava que o programa iria terminar porque havia hiatos de demanda. Mas de vez em quando vinha um lote. E aí começaram a vir projetos em escala maior, empresas que começaram a buscar de forma mais sistemática essa parceria com a universidade, como a Embraer, a Rhodia e a Natura. É interessante que algumas dessas empresas, como a Natura, não querem transferir para a universidade o ônus de fazer inovação tecnológica. Eles sabem que essa relação com a universidade é enriquecedora para mantê-los informados com a fronteira do conhecimento na área deles.

Logo depois do PITE veio o PIPE, o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas.
O PIPE veio como uma conseqüência natural dessa reflexão. O programa foi pensado pela primeira vez quando o Alcir Monticelli entrou nesta sala com dois projetos da NSF que tinham sido enviados a ele para que desse um parecer. Isso porque ele era a principal referência bibliográfica apresentada dentro desses projetos, que tinham sido apresentados à NSF dentro da linha do SBIR (Small Business Inovation Research), um programa americano. Quando vimos aquilo ficamos fascinados e descobrimos que era objeto de uma lei aprovada pelo Congresso americano, que obrigava todas as agências federais de fomento com orçamento superior a US$ 100 milhões – e a Fapesp estaria no caso – a ter um programa que investisse cerca de 2,5% do seu orçamento nessa modalidade.

Foi a descoberta de um novo caminho.
Aquilo foi um novo mundo que se abriu. Era totalmente complementar ao PITE. Não tinha contrapartida – porque a contrapartida era um dos fatores limitantes, pequenas empresas não tinham condições de dar. O Alcir preparou a nossa versão, discutimos, aperfeiçoamos e lançamos em 1997, com o então governador Mário Covas aqui na FAPESP. Agora, havia dois tipos de objeção aqui dentro. A primeira era de natureza ideológica: pela primeira vez uma agência de fomento à pesquisa brasileira ia colocar dinheiro diretamente na empresa, no que se chama, na gíria, na área de investimento com retorno social ou de fundo perdido.

Como é que foram vencidas as resistências no conselho?
Explicamos que esse era um programa que é lei nos Estados Unidos e na França há programas similares. Essa resposta, digamos, que é até neoliberal, que o público não deve dar dinheiro para o privado, é do campeão do liberalismo econômico – teoricamente – que são os Estados Unidos. Em 2002, houve um investimento de mais de US$ 2 bilhões no SBIR, uma coisa brutal. Essa objeção ideológica acaba também de ser superada no governo federal, com a Finep adotando o PAPPE (Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas). É uma política de desenvolvimento tecnológico. A pequena empresa tem um papel importante nesse processo por causa desse caráter de flexibilidade, de agilidade… Bem, a outra objeção levantada no conselho da FAPESP é de que esse era um programa só para país desenvolvido, que exigir da pequena empresa um projeto de pesquisa que redunde numa inovação tecnológica de valor comercial e que ainda por cima tenha uma equipe competente para executar é uma equação que teria como universo-solução só o conjunto vazio. As apostas eram que teríamos meia dúzia de projetos apresentados. Qual não foi nossa surpresa quando recebemos 80 projetos no primeiro edital. Desses 80, 20 não tinham pesquisa, eram do tipo “me dá o dinheiro aí”. Mas 60 foram mandados para dois assessores, que analisavam pesquisa tecnológica, mas em ambiente acadêmico. E, para nossa surpresa, 30 projetos tiveram dois pareceres favoráveis ou pelo menos um francamente favorável e outro com ressalvas que não seriam excludentes a um apoio, nessa estratégia de fases. O PIPE é genial como concepção. Eu posso dizer isso tranqüilamente porque nós copiamos, não foi inventado aqui.

Dividir o projeto em fases parece ter sido uma boa solução.
A concepção em fases é sábia, porque permite arriscar um pouco mais na fase 1, de estudo de viabilidade, com duração de seis meses, e depois ser mais rigoroso na fase 2, de execução do projeto. A fase 3 é a de produção – e aí já não é financiada pela FAPESP. Em 2004 conseguimos essa parceria com a Finep com 20 empresas para a fase 3, por meio do PAPPE. Acho que foi um ato de sabedoria da Finep entender que o projeto aqui em São Paulo teria que ter características diferentes das que seriam utilizadas em outros estados, porque neles não havia o PIPE. Em São Paulo o PAPPE já é o PIPE 3, que é engenharia de produto e as empresas vão ser selecionadas com critérios com base em seu plano de negócios. É totalmente inovador. Outra coisa que também deu certo, sete anos depois, foi a parceria com o Sebrae e o Instituto Empreender Endeavor, porque permitiu o PIPE Empreendedor. Foi umpasso importante dentro do PIPE essa idéia de as empresas, que são muito boas do ponto de vista tecnológico, mas muito carentes do ponto de vista de estratégia empresarial, terem um apoio de outra natureza. O PIPE Empreendedor é um programa notável no sentido de propiciar a capacitação das empresas, uma imersão numa reflexão bem prática de como ter sucesso como empresa.

Como se deu a reestruturação física nas universidades do estado com o Programa de Infra-Estrutura?
O Infra-Estrutura começou em 1994. Reformamos bancadas que estavam totalmente sucateadas, assim como bibliotecas, infra-estrutura de rede e telecomunicações, a parte de equipamentos novos, equipamentos multiusuários… O sistema do Estado de São Paulo ficou muito bem equipado. O programa foi interessante porque, primeiro, fizemos um investimento emergencial pesado. Num segundo momento, passamos a entender esse problema da infra-estrutura no financiamento da pesquisa, por medidas que tratassem de se antecipar à repetição do problema. A partir daí criamos as reservas técnicas. A idéia é de garantir recursos – ao mesmo tempo que se dá o apoio ao projeto de pesquisa – que viabilizem a implantação, operação, manutenção dos equipamentos, coisas que tradicionalmente a FAPESP não financiava. A Fundação financiava o equipamento e dizia “virem-se para instalar, virem-se para manter”. E sabemos muito bem que, na realidade, não há sempre condições de fazer isso. Então passamos a ter esseinvestimento adicional. Logo, criamos condições para que o nosso investimento fosse mais fértil. Esse foi um conceito novo na história da FAPESP.

Como nasceu o Programa de Políticas Públicas?
Ele teve um precursor, que foi o programa de Ensino Público. A preocupação de fazer alguma coisa com ensino público começou muito cedo na gestão, quando fui provocado por algumas pessoas ligadas à questão do ensino de física no ensino médio: me perguntavam o que a FAPESP poderia fazer pelo ensino público. Aí nasceu essa idéia de fazer o programa de Ensino Público, que foi interessante porque começamos a ter essa experiência de como fazer programa junto com a comunidade.

Quem formulou o programa?
Luiz Henrique teve uma participação importante. A Maria Malta Campos, da Fundação Carlos Chagas, ajudou na discussão do programa e a Marília Spósito, que entrou depois, teve uma participação ativa na sua implantação.

E como se evoluiu daí para o Programa de Políticas Públicas?
O Programa de Apoio ao Ensino Público começou em 1996. Na verdade, a primeira pessoa que me falou de um projeto de políticas públicas foi Landi (Francisco Romeu Landi, então diretor presidente), depois de uma conversa com o secretário do Trabalho de Covas, Walter Barelli. Barelli, disse-me Landi, queria fazer um programa sobre empregabilidade e em razão disso eu recebi um grupo da secretaria. Depois, quem conversou muito com eles foi a Paula Montero, pessoa-chave nesse processo, já em 1998. Eu achei que não tinha sentido lançarmos um programa apenas sobre empregabilidade, era muito restrito. Decidimos então ampliar e aí nasceu o Políticas Públicas.

Quais os avanços que Programa Genoma trouxe?
Temos que cotejar objetivos com resultados, para fazer a avaliação. Os objetivos eram: primeiro, fazer ciência na fronteira do conhecimento. Segundo, formar recursos humanos altamente qualificados, em grande escala e em curto intervalo de tempo. Terceiro, mobilizara comunidade científica do Estado de São Paulo para o estudo de problemas relevantes em termos socioeco- nômicos. Ora, todos esses objetivos foram alcançandos, é indubitável. Do ponto de vista científico, o volume, a qualidade e o impacto das publicações decorrentes do programa dão o testemunho de sua excelência. Além disso, temos mais de 60 laboratórios de pesquisa que trabalham com a técnica de genômica e de seqüenciamento genético no estado. Virou rotina. Todos se beneficiaram da incorporação dessas técnicas ao seu arsenal de ferramentas metodológicas. Parte dos recursos humanos formados se espraiou depois para a iniciativa privada, com a criação de pelo menos três empresas. Isso mostra que formar gente para depoisgerar inovação tecnológica em empresa é um mecanismo usado no mundo inteiro que também funciona aqui. Por fim, a comunidade científica do Estado de São Paulo se preocupou em estudar os problemas socioeconômicos. Se olharmos todos os projetos genoma que fizemos, veremos que eles têm relevância para a agricultura, para a pecuária, para a saúde pública…

O Programa Genoma então demonstrou o vigor da capacidade de pesquisa quando mobilizada em torno de objetivos claros e definidos.
Sem dúvida. Os objetivos que eu mencionei estão claramente enunciados na proposta submetida ao Conselho Superior em 1997. Agora tivemos outros efeitos que, naquele momento, não se imaginava que fossem ocorrer. A visibilidade que o projeto adquiriu na mídia nacional e internacional é algo sem precedentes na história científica do país. Isso foi muito bom porque deixou claro que temos competência para fazer coisas muito ousadas, que conseguem chegar na capa da Nature. Muita gente, quando conheceu o projeto, achava que ia dar errado. Isso afastou alguns setores da comunidade do projeto, por causa do risco de fracasso, o que traria conseqüências na imagem dos participantes. Esse Programa Genoma rompeu de forma definitiva a barreira que separava o sistema de pesquisa do Estado de São Paulo da sociedade por meio da imprensa.

O senhor está deixando a FAPESP e se preparando para trabalhar na iniciativa privada. Qual é seu primeiro interesse nesse setor?
Essa empresa que criei, a PP&D Tecnologia, vai buscar mobilizar investidores para o desenvolvimento de inovação tecnológica decorrente da vitalidade do nosso sistema de pesquisa. Este é o principal foco.

Qual é a diferença entre uma empresa dessa e um fundo de capital de risco como a Votorantim Ventures, por exemplo?
A atuação da PP&D é complementar. É diferente da empresa de capital de risco. Nós vamos identificar e oferecer oportunidades ao investidor. A PP&D pretende usar a minha experiência, e a de toda uma equipe aqui da FAPESP, o entendimento de todo o processo de inovação, as suas dificuldades e as oportunidades.

O senhor vai continuar dando aulas?
Vou sim, no Instituto de Física da USP, embora eu tenha me aposentado justamente no momento em que coloquei meu cargo à disposição na FAPESP.

Há pessoas que gostaria de citar, importantes no seu percurso aqui na FAPESP?
Há alguns que não posso deixar de mencionar. Na parte de genoma, tenho de agradecer ao Fernando Reinach, em especial, e ao Andrew Simpson. O Joly (Carlos Alfredo Joly) e o Vanderlei Canhos foram essenciais para o Biota. O Brito (Carlos Henrique de Brito Cruz) teve papel central em todas as nossas iniciativas da FAPESP, no período, porque era presidente da Fundação e do Conselho Superior na época. Outro integrante que deu um apoio importante no conselho foi o Jobson (José Jobson de Andrade Arruda), que ficou por dez anos como conselheiro e acompanhou toda minha trajetória na Diretoria Científica. Essa parceria com o conselho é fundamental porque muitas coisas ousadas foram feitas, que exigiam respaldo. E, mais do que isso, pediam estímulo.

Qual é a sua visão da FAPESP pensando no âmbito das instituições brasileiras?
A FAPESP tem uma responsabilidade muito grande porque é uma referência. Os nossos programas acabam virando paradigmas. Se tomarmos os projetos temáticos, eles se tornaram, no âmbito federal, o Pronex. Se tomarmos os nossos Cepids, eles viraram, no âmbito federal, os Institutos do Milênio. O genoma paulista inspirou um grande projeto genoma nacional. O nosso PIPE foi a referência para o PAPPE, da Finep. O fato de ser uma agência regional, com essas características de autonomia e com garantia de recursos, confere à instituição um papel muito importante. Permite explorar novos modelos, ter uma ousadia maior. A FAPESP vai ter importância crescente.

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