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Resenha

O advogado da verdade desinteressada

Em coletânea de ensaios, biólogo da Universidade de Oxford analisa temas da atualidade sob o ponto de vista científico

Richard Dawkins não é, de fato, advogado. Nem mesmo parece ter apreço pela profissão, como dá a entender em uma coletânea de ensaios escritos por ele nos últimos 25 anos e recém-publicada no Brasil sob o título de O Capelão do Diabo. Mas ele próprio se denomina advogado da verdade desinteressada quando define seu papel de professor de Compreensão Pública da Ciência, a cátedra que assumiu em 1995 na Universidade de Oxford, Inglaterra, como resultado da carreira de divulgador de ciência erigida em paralelo à de biólogo evolucionista.

E a defesa da verdade científica e racional é o que Dawkins faz com estilo mordaz, quase agressivo, em seus comentários sobre temas da atualidade. É assim quando trata da polêmica sobre os organismos geneticamente modificados ou quando justifica a ineficiência e a crueldade da seleção natural no capítulo que dá nome ao livro, uma expressão que tomou emprestada do próprio naturalista inglês Charles Darwin, autor da Teoria da Evolução das Espécies.
Em uma carta escrita em 1856 a um amigo próximo, o botânico Joseph Hooker, Darwin afirma: “Um livro e tanto escreveria um capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficientes e terrivelmente cruéis da natureza!” Para Dawkins, é compreensível que seja mesmo assim quando se leva em consideração o gigantesco processo de tentativa e erro da seleção natural que levou à existência dos seres vivos atuais. Mas, crê, há uma compensação. A felicidade da segurança do mundo proposto pelas diferentes religiões é substituída pela felicidade de saber que a existência é “temporária e, por essa razão, ainda mais preciosa”.
Na vasta gama de assuntos que aborda no livro – das terapias alternativas à influência obscurantista das religiões ou o especiecismo, atribuição de status diferentes às diferentes espécies animais do planeta -, Dawkins chega a ser ainda mais ácido em textos, às vezes, tortuosos. Mas esse tom não prevalece nos 32 ensaios do livro. Os artigos da seção Toda a África e seus Prodígios Estão dentro de Nós, em que comenta livros sobre comunidades no continente africano e relembra sua própria infância no Quênia, são mais delicados e contemplativos. Seu estilo provacativo é aplacado também no texto em que relata a troca de correspondências com o biólogo evolucionista norte-americano Stephen Jay Gould, da Universidade Harvard.
Apesar da rivalidade entre os dois evolucionistas, motivada por interpretações diferentes da Teoria da Evolução, Dawkins escreveu a Gould em 2001 propondo que assinassem em conjunto uma carta destinada ao editor da New York Review of Books na qual explicariam por que se recusavam participar de debates com os defensores do Criacionismo, a doutrina segundo a qual o mundo e seus seres vivos foram criados do nada por um Deus. Nessa carta – que não chegou a ser concluída nem publicada, em conseqüência da morte de Gould em 2002 -, eles justificavam: a presença de cientistas sérios nesses debates seria explorada como uma forma de reconhecimento à importância das idéias criacionistas.
A filosofia que acompanha o biólogo de Oxford na busca da verdade científica torna-se evidente no último ensaio do livro, Boas e Más Razões para Acreditar, carta que o biólogo endereça a sua filha, Juliet, na data de seu décimo aniversário, em 1995. Em uma exposição de rara clareza, ele apresenta o método científico e o principal aspecto que o distingue do que considera obscurantismo religioso: a observação de evidências que qualquer pessoa tem a liberdade de examinar e reexaminar sempre que o desejar.
Na mensagem de tom paternal e delicado, Dawkins indaga a sua Juliet: “Você já se perguntou alguma vez como é que sabemos as coisas que sabemos” Como é que sabemos, por exemplo, que as estrelas, que parecem minúsculos furinhos de alfinete no céu, são na verdade enormes bolas de fogo como o Sol e se encontram muito, muito distantes? E afirma: “A resposta a essas perguntas se dá ‘pelas evidências’.” Após breve detalhamento sobre o que são evidências e como os pesquisadores chegam a elas, Dawkins adverte a filha: “Mas agora que já lhe falei das evidências, que são uma boa razão para acreditarmos em alguma coisa, quero alertá-la contra três razões indevidas para acreditar no que quer que seja. Elas são chamadas de ‘tradição’, ‘autoridade’ e ‘revelação’.” Esses três elementos encontrados em toda e qualquer religião contribuem para a doutrinação do pensamento que se inicia na infância e, segundo o biólogo de Oxford, é “responsável, no final das contas, por boa parte dos males que há no mundo”.

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