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Saúde

Diagnóstico em forma de luz

Uso de laser ajuda a diferenciar os tecidos sadios dos alterados por câncer

Quando precisam diferenciar com exatidão se um tecido é sadio ou tem câncer, os médicos geralmente recorrem à biópsia. Retiram um pedaço do material suspeito e o enviam para um exame laboratorial, que dirá, com um determinado grau de confiabilidade, se a amostra contém células tumorais ou não e de que tipo elas são. Em breve, é possível que os profissionais da saúde contem com um outro aliado para fechar o veredicto, a chamada espectroscopia de fluorescência, nome técnico para o uso de um feixe de laser no diagnóstico de doenças, em especial de tumores.

Experimentos feitos por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC/USP) indicam que a metodologia consegue distinguir de forma rápida, não-invasiva e confiável um tecido normal de outro com câncer – pelo menos se o paciente for um hamster e o órgão afetado pela doença for a língua. “Nos roedores, nosso grau de acerto no diagnóstico de tumores nesse órgão é de 96%, um resultado muito bom”, afirma o físico Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador dos estudos com a nova técnica e do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) do IFSC/USP, que, ao lado do Cepof da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), forma um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.

Os testes com o equipamento de fluorescência, uma fina cânula ou lanterna que emite um feixe de laser sobre a área a ser analisada e absorve a luz devolvida pelo tecido biológico, foram feitos em 72 roedores. Alguns animais eram sadios, outros tinham câncer em diversos graus de desenvolvimento e havia os que estavam em estágio terminal. Os bichos eram examinados a cada duas semanas com o equipamento e foram acompanhados por cinco meses. Por ora, o diagnóstico fornecido por essa abordagem consegue apenas separar os roedores em dois grandes grupos: os que têm câncer e os que não têm.

O método, que ainda precisa ser refinado, não é capaz de discriminar se um tumor se encontra em estágio inicial, intermediário ou avançado, nem fornecer o seu grau de agressividade. “Cada tipo de lesão celular tem características comuns e diferentes de outras formas de lesão”, afirma a dentista Cristina Kurachi, que conduziu o trabalho com os ratos e concluiu o doutorado em óptica em São Carlos. “No momento, queremos entender o que há em comum nas respostas ópticas fornecidas por qualquer tipo de tumor de língua.” Há ainda estudos, em estágio preliminar, sobre o uso do laser para identificar tumores de pele, também em hamsters.

A equipe de Bagnato tem boa experiência no emprego da espectroscopia de fluorescência para fins de diagnóstico. Há três anos, os pesquisadores do IFSC criaram um aparelhinho baseado nessa tecnologia capaz de apontar com precisão e de forma instantânea se uma laranjeira foi acometida de cancro cítrico, doença provocada pela bactéria Xanthomonas axonopodis pv. Citri, que provoca dezenas de milhões de reais de prejuízo à citricultura paulista. O raciocínio que norteia o emprego de feixes de laser, seja em amostras de vegetais ou animais, é o mesmo. As moléculas do tecido em questão absorvem uma parte da luz disparada pela cânula e reemitem uma fração alterada do laser originalmente jogado sobre elas.

Essa resposta luminosa, que é captada e reprocessada pelo equipamento de espectroscopia, contém informações sobre a composição do tecido examinado. Em outras palavras, quando em contato com o laser, o tecido normal e cada tipo de tumor exibem uma assinatura óptica específica. “Estamos comparando os espectros de tecidos sadios e alterados para criarmos padrões ópticos que diferenciem rapidamente células normais de células com câncer”, diz Cristina.

Os próprios cientistas são os primeiros a admitir que a eventual adoção de métodos de diagnóstico por fluorescência não tem como objetivo substituir a forma tradicional de identificar tumores ou outras doenças. A técnica que lança mão do laser seria uma ferramenta a mais à disposição do profissional da saúde. “Na biópsia convencional, a subjetividade está presente em muitas etapas do trabalho”, comenta Bagnato. “Queremos criar uma forma de diagnóstico capaz de dar respostas mais objetivas e rápidas, que permita aos patologistas localizar até lesões pré-malignas, em estágio muito inicial.”

Em caráter experimental, o gastroenterologista Orlando de Castro e Silva Junior, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, usou, com bons resultados, o equipamento desenvolvido em São Carlos para delimitar com precisão a extensão de tumores no fígado presentes em dez pacientes que sofreram cirurgia para remoção do câncer. Nesses casos, por mais experientes que sejam os profissionais responsáveis pela operação, quase sempre fica uma ponta de dúvida: será que todo o tumor foi retirado na excisão ou sobrou algum nódulo em alguma área vizinha? A vantagem da espectroscopia de fluorescência é fornecer uma resposta em tempo real, durante a própria cirurgia, a essa pergunta. “Mas ainda precisamos testar o equipamento em mais 40 ou 50 casos para termos certeza de que ele é realmente eficaz no diagnóstico de tumores hepáticos”, pondera Silva Junior, que também experimenta, com os colegas de São Carlos, a técnica de fluorescência no trabalho de triagem de fígados doados para transplante.

O Projeto
Diagnóstico por fluorscência
Modalidade
Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid)
Coordenador
Vanderley Salvador Bagnato – IFSC/USP
Investimento
R$ 90.000,00 por ano (FAPESP)

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