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Engenharia de Materiais

Uma cola à prova d’água

Produto selante com alto poder de adesão tem várias aplicações na construção civil e no consumo

HÉLIO DE ALMEIDASem nenhuma campanha publicitária, em apenas três meses de 2005 foram vendidos 3 mil tubos do adesivo Pesilox, uma cola com alto poder de adesão e resistente à água. As compras chegaram a mais de R$ 100 mil e foram feitas principalmente por clientes que acessaram o site da empresa Adespec – Adesivos Especiais, em funcionamento nas dependências do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo. As instalações resumem-se a duas salas modestas, uma ocupada pela diretora da empresa, a engenheira química Wang Shu Chen, e a outra pelo reator, equipamento onde as substâncias químicas que compõem a formulação são processadas até se transformar em um líquido branco viscoso, pronto para ser embalado. As duas são separadas por corredores em que as paredes funcionam como uma espécie de mostruário ocupadas com diversos materiais, como gesso, madeira, espelhos, fórmica, colados com o adesivo.

A história de sucesso da Adespec começou no princípio de 2001, quando iniciou suas atividades abrigada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), instalado na Cidade Universitária em São Paulo. Mas o que motivou a criação da empresa para desenvolver novos produtos foi um problema de saúde enfrentado por Wang alguns meses antes, quando ainda trabalhava como gerente de desenvolvimento de uma grande empresa fabricante de adesivos. Após se dedicar durante mais de duas décadas a centros de pesquisa de multinacionais do setor, ela foi trabalhar em uma empresa que produzia basicamente adesivos à base de solventes e viu sua carga de glóbulos brancos, células responsáveis pela defesa do organismo, cair 30% em apenas três meses em conseqüência da proximidade com os solventes, como o tolueno, o acetato de etila etc. “E isso apesar de eu não ter contato direto com esses produtos, pela função que exercia”, diz a pesquisadora.

O problema de saúde fez com que começasse a estudar a relação entre os solventes e seus efeitos no organismo humano e no ambiente. “Constatei que existem leis em várias partes do mundo que restringem ou proíbem o uso desses produtos, enquanto no Brasil ainda são tímidas as iniciativas nesse sentido, apesar de avanços nos últimos anos”, diz. Como cada quilo de adesivo à base solvente é composto por 800 gramas de solvente, isso significa que quando o produto é aplicado para colocar a fórmica em um armário, por exemplo, a substância química fica durante muito tempo evaporando no ar, com prejuízos ao ambiente e à saúde.

Na mesma fase em que desenvolvia seus estudos sobre o tema, a pesquisadora teve contato com alguns clientes que estavam à procura de alternativas aos adesivos à base de solventes vendidos no Brasil. Essa conjunção de fatores foi essencial para o desenvolvimento de adesivos, impermeabilizantes e selantes de alta performance e custos competitivos, sem solventes ou qualquer outro composto orgânico volátil.

O primeiro resultado concreto surgiu em 2003, quando a empresa lançou a cola Prego Líquido, que não utiliza solventes ou substâncias tóxicas em sua formulação e elimina a necessidade de furar, parafusar ou pregar. O produto pode ser empregado na construção civil para fixação de rodapés, molduras decorativas, quadros, espelhos e conduítes de PVC. É usado ainda em paredes de gesso acartonado (dry wall), que são muito porosas e não aceitam buchas, parafusos e pregos para fixação de pisos de cerâmica, madeira, colagem de fórmica, isopor, paredes com azulejos.

Embora a fixação ocorra imediatamente após a aplicação, o processo de secagem completa, também chamado de cura, demora de uma a três semanas porque o produto é à base de água. A demora compensa. O Prego Líquido resiste a temperaturas de 200 a 250° sem nenhum problema. Os testes para comprovação das propriedades do produto, como resistência à tração, impacto, envelhecimento e impermeabilidade, foram feitos nos laboratórios do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). No mesmo ano em que lançou o Prego Líquido, a Adespec passou à categoria de graduada no Cietec e tornou-se uma empresa associada. Foi quando firmou um convênio de cooperação técnica com o IPT, que permite à empresa ocupar um espaço temporário em suas dependências.

Com o lançamento comercial do produto, a empresa passou a se dedicar integralmente ao desenvolvimento do Pesilox Fixtudo, um adesivo selante mais avançado que substitui com vantagens o silicone e o poliuretano, agregando propriedades adicionais. “O Pesilox serve para colar todos os materiais, inclusive pisos sujeitos à lavagem e em áreas de alto tráfego de pessoas”, diz Wang. O principal diferencial do adesivo em relação ao Prego Líquido é o tempo de secagem, muito mais rápido. São várias formulações, com intervalos de secagem que variam de nove minutos a uma hora, dependendo da aplicação. Para desenvolver o Pesilox a Adespec entrou com um projeto na FAPESP, dentro do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), que permitiu a compra de um reator e o início da planta piloto para a pesquisa de adesivos e selantes isentos de solventes e baseados em polímeros de alta performance, os poliéteres siloxanos.

Uma amostra prática da resistência do material são os milhares de pés que diariamente atravessam o piso do desembarque de trens na estação da Luz do metrô de São Paulo, onde foi aplicado. Testes de comparação feitos com os selantes encontrados no mercado mostraram que o Pesilox cola metal, plástico, madeira, tecido, granito e pedra, tudo com eficiência. “É a única cola à prova d’água”, diz Wang. Essa propriedade permite o conserto de azulejos quebrados de piscinas de clubes, hotéis e condomínios sem necessidade de esvaziá-las. Basta mergulhar e colar a peça danificada. Uma das vantagens do Pesilox em relação aos selantes encontrados no mercado é que em contato com a umidade e a água o produto aplicado não aumenta de tamanho nem forma bolhas. A fórmula não é revelada pela pesquisadora, mas a base da composição é o poliéter modificado. Na formulação entram ainda plastificantes, antioxidantes, além de agentes estabilizadores e absorvedores de luz e um catalisador.

Como o produto se solidifica ao entrar em contato com a umidade do ar, o ambiente onde é preparado tem que estar seco. Por isso é preciso cuidado para retirá-lo do reator, quando é colocado em um outro equipamento, fabricado sob medida para separar o líquido que será colocado na embalagem. O Pesilox pode também ser utilizado na indústria e na construção civil como selante e junta de movimentação de prédios existentes entre duas paredes ou com o teto. Quando aplicado como vedação na pia ou piso do banheiro, por exemplo, ele tem ainda a vantagem de poder ser pintado. O produto pode ser aplicado com espátula ou pincel, e os excessos são facilmente retirados com um pano seco, papel ou mesmo com a mão.

Novas formulações
Além das embalagens com 360 gramas do Pesilex, com o produto padrão, outras formulações estão a caminho de ganhar o mercado, com diferentes tempos de secagem do produto, dependendo da aplicação. Elas foram desenvolvidas com base em demandas de empresas e por enquanto só são fornecidas sob encomenda. Testes mostraram que o produto também pode ser empregado para colar tênis, tecidos, velcro e em vários usos domésticos. São aplicações que já atraíram a atenção de fundos de investimento de capital de risco e de uma multinacional de fórmica norte-americana, que está fazendo testes de colagem com o Pesilox.

A planta piloto instalada no IPT conseguirá produzir a quantidade necessária para que o produto seja distribuído no mercado em outros formatos, como embalagens de alumínio com menor quantidade. Por enquanto saem diariamente do reator dois lotes de 52 quilos cada um, vendidos principalmente para construtores ou consumidores que procuram a Adespec. Para o ano que vem os planos incluem a distribuição comercial nas grandes redes varejistas. Para isso foi essencial a escolha da empresa para integrar o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), realizada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em parceria com a Fapesp.

O financiamento do Pappe, que é destinado à fase de produção do produto, foi utilizado para a compra de um reator capaz de produzir por dia dois lotes de 100 a 150 quilos cada um do Pesilox. O mercado promete. Levantamento feito pela pesquisadora mostra que no Brasil o consumo doméstico de colas é de cerca de 80 milhões de tubos por ano. “Pelas nossas contas, acreditamos que ocupar 10% desse mercado, ou 8 milhões de tubos por ano, é bastante viável”, diz Wang.

Carreira premiada

Na curta trajetória desde a sua criação em 2001, a Adespec recebeu muitos prêmios. O último deles foi entregue no final de novembro durante o II Fórum de Investidores em Negócios Sustentáveis, promovido pelo Programa New Ventures Brasil, em razão do modelo de negócio apresentado e pela sua contribuição ao desenvolvimento sustentável no Brasil porque as colas que produz não agridem o ambiente e os consumidores. Outras duas empresas também foram premiadas, a Tramppo Lighting, que atua na reciclagem de lâmpadas e é residente no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), e a Empresa Brasileira de Reciclagem, de Santos, que utiliza plásticos reciclados em substituição à madeira na construção civil. O Programa New Ventures Brasil é uma iniciativa do Instituto de Recursos Mundiais (WRI), executado no Brasil pelo Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com o Banco ABN Amro Real e a Natura. Atuando na América Latina desde 1999, o programa premia empreendimentos sustentáveis com a concessão de apoio técnico na formulação de planos de negócio e o estímulo a investimentos privados no setor. Durante o fórum, os planos de negócio dos empreendimentos selecionados foram apresentados a um júri composto por especialistas, responsável pela escolha dos vencedores. Ainda em 2005, a Adespec ficou entre os vencedores da etapa regional Sudeste do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, categoria Pequena Empresa, concedido pela Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2004, um ano após sair da incubadora do Cietec, a empresa recebeu o Prêmio Nacional Anprotec de Melhor Empresa Graduada, concedido pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores.

O Projeto
Desenvolvimento de adesivos e selantes à base de poliéteres silil-terminados para uso em indústrias e construção civil (nº 01/09239-9); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Wang Shu Chen – Adespec; Investimento R$ 345.424,00 (FAPESP) e R$ 500.000,00 (Pappe-MCT)

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