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Carta da editora | 121

Um novo planeta e a velha pergunta sobre nossa origem

Só muito raramente Pesquisa FAPESP apresenta como tema de capa algo alheio ao repertório da produção de ciência, tecnologia ou humanidades no país. É natural que assim seja, porque o foco, a razão de ser desta revista, e isso é sobejamente conhecido, é a pesquisa científica e tecnológica feita no Brasil. Eventualmente, contudo, a liberdade editorial, que é sempre saudável conselheira, provoca um olhar um tanto diferente, uma visada para além do hábito, e daí nasce a pergunta: por que não? Por que não este determinado assunto? Por que não esta descoberta com a qual nós, brasileiros, nada tivemos diretamente a ver e, no entanto, açula a nossa imaginação do mesmíssimo modo como convoca a de nossos semelhantes do mundo inteiro? E isso porque, digamos, em última instância – expressão que nos era tão cara entre o final dos anos 60 e os 70 do século passado a ponto de se ter carregado de afetividade para minha geração -, trata-se de uma descoberta que nos remete à complexa questão original de nossa humanidade. Ou seja: quem somos, de onde viemos e para onde vamos? Toda vez que um estudo, uma proposição científica ou uma descoberta mexem mesmo que indiretamente com isso, eles provocam aquela curiosidade universal, aquela enorme atenção, que todo mistério longamente e talvez para sempre insolúvel galvaniza. E aí os limites político-geográficos perdem temporariamente sua crucial importância, subsumidos que ficam em nossa universal humanidade.

Essas considerações vêm, claro, a propósito da escolha da capa da revista de março. A possibilidade de ser um planeta o astro gelado e longínquo, situado para além de Plutão, para além das regiões que até há pouco tínhamos como os últimos confins de nosso sistema solar, se impôs como um assunto com força para quebrar nossa regra das capas brasileiras, por seu potencial para mudar, como poderia dizer o velho Thomas Kuhn, um paradigma para lá de sólido. Afinal, já há algumas gerações repetimos que são nove os planetas do sistema solar. Foram muitos milhões de exemplares impressos dos livros didáticos de geografia para as primeiras séries de nossa educação formal a repetir no mundo inteiro a lista dos nove, aberta por Mercúrio e fechada por Plutão, e com as sugestões sub-reptícias de que a vida só teria, talvez, uma remotíssima possibilidade de existir ou ter existido algum dia, além da Terra, em nosso vizinho Marte, o planeta vermelho.

Enfim, o (talvez) décimo planeta com sua lua tornou-se a capa a partir de uma detalhada reportagem do editor especial Marcos Pivetta, que entre outras fontes internacionais e nacionais ouviu Mike Brown, o próprio descobridor de Xena – é esse o apelido provisório do astro, também provisoriamente chamado, em linguagem mais técnica, de 2003 UB313. Feito isso, só nos resta aguardar a decisão da União Internacional dos Astrônomos, possivelmente em sua assembléia geral que será realizada em agosto próximo em Praga, na República Tcheca, a respeito do status do astro distante feito de rocha e gelo.

Depois de viajar pelo espaço, aportamos na Terra Brasilis, em tempos não muito remotos. Esta edição da revista, aproveitando a oportunidade da minissérie sobre o ex-presidente Juscelino Kubitschek que a Rede Globo tem posto ante nossos olhos de terça a sexta-feira, em hora avançada talvez além do conveniente para a maioria dos telespectadores, propõe uma leitura reflexiva sobre como se deu a construção da atual imagem de JK. Vale a pena ler a partir da página 80 a reportagem de Gonçalo Junior em torno de alguns estudos que tentam dar conta da diferença entre a percepção que se tinha do presidente que construiu Brasília, enquanto ele estava no cargo, e as imagens pelas quais tentamos revê-lo e compreendê-lo hoje, no contexto da história política recente deste país.

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