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Metrologia

Precisão tupiniquim

Um novo relógio atômico capaz de atrasar um segundo em milhões de anos é desenvolvido no país

Ao longo da história, o homem inventou muitos tipos de relógio para marcar a passagem do tempo. A trajetória tecnológica começou com o relógio de sol, passou pela ampulheta, pelos mecanismos de corda e pelos marcadores digitais até chegar aos modelos mais avançados e precisos que são hoje os aparelhos atômicos. Esses equipamentos funcionam com lasers e são baseados na oscilação da radiação natural de átomos de césio-133, sem ser nocivo para os seres vivos. O modelo mais recente desses relógios foi projetado e construído no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo, em São Carlos. Ele é do tipo chamado de fountain ou chafariz, nome relacionado aos movimentos sincronizados de átomos frios (resfriados), dentro do equipamento, de cima para baixo, e representa uma evolução sobre os relógios atômicos comerciais que usam átomos quentes (aquecidos) e ímãs. Apenas França, Estados Unidos, Itália, Alemanha e Inglaterra já fizeram relógios semelhantes.

“A filosofia é a mesma dos pesquisadores de outros países, mas nós conseguimos configurações próprias para esse equipamento, que deverá, futuramente, servir como novo padrão de tempo e freqüência em todo o mundo”, diz o professor Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador do projeto que faz parte do Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof) de São Carlos, um dos 11 centros de pesquisa, inovação e difusão financiados pela FAPESP. As conclusões e os resultados obtidos pelos pesquisadores brasileiros serão mostrados em um simpósio sobre metrologia de tempo e de freqüência do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos, organização conhecida pela sigla IEEE, em Miami, nos Estados Unidos, neste mês de junho.

Os relógios atômicos são marcadores de tempo que atrasam um segundo em mais de 100 milhões de anos. Um atraso que certamente não interfere no cotidiano das pessoas, como na hora de despertar, na entrada do trabalho, em compromissos variados ou em horários de partida de ônibus ou de aviões. Mas tem importância fundamental em muitas outras áreas. Eles são os responsáveis, por exemplo, pela marcação da hora mundial. Mais de 300 relógios atômicos espalhados por 50 países, inclusive o Brasil – Observatório Nacional, no Rio de Janeiro -, acertam o horário oficial de todo o planeta. Eles compõem o Tempo Universal Coordenado, UTC na sigla em inglês, baseado na chamada Hora Atômica Internacional (TAI, do francês Temps Atomic International), instituída em 1972, que substituiu a Hora Média de Greenwich (GMT em inglês) baseada na observação do Sol e das estrelas.

Sincronismo óptico
Relógios atômicos são imprescindíveis nas telecomunicações. Eles controlam o tráfego das comunicações de fibras ópticas, mensuram os fluxos de dados, medem a duração das transmissões e ajudam a direcionar as ligações. Na troca de dados e de voz o sincronismo garante o bom funcionamento do sistema. Atualmente, sem um horário preciso e equivalente entre dois ou mais pontos nos sistemas de telecomunicações, corre-se o risco de erros que comprometem as ligações. Na localização geográfica via satélite, as frações de segundo também são imprescindíveis. Composto por 24 satélites que orbitam o planeta, o GPS, sigla em inglês para sistema de posicionamento global, identifica um ponto preciso no solo terrestre, facilitando a navegação de aviões, de navios, de barcos e, mais recentemente, de automóveis e jipes sofisticados. Apenas três sinais são suficientes para o receptor na terra decodificar a transmissão e informar as coordenadas (latitude, longitude e altitude). “Esses satélites emitem sinais de microondas que são sincronizados entre si, atingem o solo e voltam. A diferença do tempo de chegada do sinal de cada satélite determina no receptor terrestre a localização pontual na superfície do planeta. A distância entre os satélites também é marcada em frações de segundo e é importante para a determinação das coordenadas. Todas essas informações de tempo vêm do relógio atômico instalado dentro dos satélites”, explica Bagnato.

Tamanho sincronismo é igualmente importante nas transações bancárias e até na prospecção de petróleo, quando é preciso medir, em frações de segundo, os sinais enviados para o interior da terra e obter o sinal de volta para ajudar na identificação da existência de óleo lá embaixo. “Também podemos utilizar o relógio atômico para aferir instrumentos de precisão que serão usados em medidas de grandezas eletrônicas e magnéticas”, diz Bagnato. Em todos os exemplos, a precisão exigida é de até picossegundos, ou a fração do segundo (s) com até 11 casas (10-11), equivalente a 1 s dividido por 1 bilhão de vezes. É essa a medição apresentada pelos relógios atômicos comerciais. Mas na área de pesquisa científica e tecnológica, em todo o mundo, busca-se maior precisão ainda. O mais avançado relógio atômico, também no sistema fountain, foi construído no Observatório de Paris, na França, e tem a precisão de 10 -16, já na casa do femtossegundo, medida que equivale a 1 segundo dividido por 1 quatrilhão. “Ainda não finalizamos a aferição do nosso aparelho porque estamos esperando um equipamento para completar essa medida, mas acreditamos que, pelo menos, possamos atingir 10-13, o que representa para nós uma maturidade científica e tecnológica”, diz Bagnato. “Afinal, ele é o primeiro relógio fountain feito no hemisfério Sul”, comemora.

“Construir relógios atômicos no Brasil é fundamental para pesquisa básica e desenvolvimento de tecnologia. É importante possuir o domínio desse conhecimento. O padrão do segundo é o mais preciso que existe e serve para obter outras medidas como o metro”, diz o físico Humberto Siqueira Brandi, diretor de metrologia científica e industrial do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Ele se refere ao fato de o padrão usado para identificar o metro não ser mais uma barra de metal em um instituto europeu, como no passado.

Hoje o metro é a distância percorrida pela luz no vácuo durante o intervalo de tempo de 1 s dividido por 299.792.458 partes ou metros por segundo, que é a medida exata da velocidade da luz. “Essas medidas são possíveis com os relógios atômicos e quanto mais avançados, como o chafariz, maior é a garantia de precisão”, diz Brandi. Um relógio atômico mais preciso pode servir também para aferir outros similares existentes no país, assim como avaliar a precisão levando em conta a ação dos agentes externos como temperatura, umidade, vibrações e campos magnéticos.

Oscilação certeira
O modelo chafariz é o segundo relógio atômico construído pela equipe liderada por Bagnato, composta atualmente pelas doutorandas Aida Bebeachibuli, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Stella Torres Müller, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e o pós-doutorando Daniel Varela Magalhães, pesquisador da USP que atualmente trabalha no Observatório de Paris. O primeiro relógio foi o do tipo horizontal de feixe térmico em que átomos de césio são lançados em alta velocidade de um forno para uma câmara onde eles recebem feixes de laser infravermelho e interagem com a radiação (onda eletromagnética) de 9.192.631.770 gigahertz (GHz) produzida por um gerador de microondas. Essa mesma freqüência representa o segundo que é definido pela duração de 9.192.631.770 períodos de oscilação, entre os níveis do estado fundamental e o de mais baixa energia da radiação do átomo do césio-133.

O chafariz também trabalha com energias muito precisas em radiações que oscilam em freqüência bem determinada. Ele funciona de forma vertical e semelhante ao relógio térmico, mas a precisão é maior porque ele trabalha com átomos frios e sem a velocidade dos outros tipos de relógio atômico. A função dos lasers é juntar esses átomos de césio e paralisá-los numa espécie de armadilha óptica. A força do próprio laser faz, então, o grupo coeso de átomos se elevar num tubo metálico até a uma cavidade onde ele receberá o banho de microondas com a freqüência de 9.192.631.770 gigahertz (GHz) que é a mesma da oscilação da radiação do átomo de césio-133. Ao entrarem na cavidade os átomos experimentam a freqüência e saem dali. Como eles estão frios, o patamar de energia é diferente. Essa diferença entre as duas freqüências corresponde ao segundo.

O próximo passo do grupo do Cepof é desenvolver relógios compactos de átomos frios, equipamentos ainda inéditos no mundo. O nome a equipe já tem. Será o TAC (Tupiniquim Atomic Clock), ou o relógio atômico brasileiro.

Eles estão desenvolvendo um relógio pequeno, do tamanho dos comerciais, que são um pouco maiores que um videocassete. Esse seria um equipamento tipo de feixe térmico. “Também estamos preparando o Super Tac, que deverá ser um relógio que não vai precisar ter reposição, de tempos em tempos, de átomos de césio como os demais”, conta Bagnato.

O projeto
Relógios atômicos; Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids); Coordenador Vanderlei Salvador Bagnato – USP/Centro de Óptica e Fotônica (Cepof) de São Carlos; Investimento US$ 70.000,00 por ano (FAPESP)

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