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Inovação

Pedra Fundamental

Governo federal lança programa que oferece R$ 450 milhões em recursos não reembolsáveis para empresas inovadoras

JAIME PRADESO governo federal pôs em prática o dispositivo da Lei de Inovação que permite a destinação de recursos públicos não reembolsáveis a empresas que desenvolvam produtos e processos inovadores. No dia 6 de setembro, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por intermédio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), lançou o Programa de Subvenção Econômica, que compreende duas chamadas públicas nas quais são oferecidos R$ 450 milhões nos próximos três anos. A chamada principal oferece R$ 300 milhões às áreas consideradas estratégicas da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce) do governo, como os setores de fármacos e medicamentos, semicondutores e software, bens de capitais com foco em biocombustíveis e combustíveis sólidos, além de áreas promissoras como biotecnologia, nanotecnologia, biomassa e energias alternativas. “Mas empresas de quaisquer áreas podem apresentar seus projetos porque, do total disponível, R$ 90 milhões serão reservados para ações em áreas não contempladas pela Pitce,”  diz Rogério Amaury de Medeiros, superintendente de planejamento da Finep. “É muito importante que as empresas se apresentem, porque a procura por esse edital nos ajudará a mapear as demandas e planejar as novas chamadas públicas. Nossa expectativa é grande, mas não sabemos se aparecerão 100 ou 500 projetos,  afirma Medeiros.

A segunda chamada, que conta com R$ 150 milhões, não envolverá a distribuição de recursos a princípio. Ela vai apoiar o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), operado pela Finep em parceria com agentes regionais, como fundações de amparo à pesquisa, secretarias de estado e bancos de desenvolvimento. O objetivo do edital é identificar e credenciar os parceiros regionais para, através deles, distribuir os recursos às empresas num segundo momento. Ainda neste ano deve ser lançado um terceiro edital com R$ 60 milhões para subvencionar a contratação de mestres e doutores por empresas. Parte dos custos das empresas com salários desses profissionais poderá ser ressarcida pelo governo por um período de no máximo três anos, como estabeleceu a chamada Lei do Bem (11.196/2005). A medida busca combater outra mazela: a presença ainda pequena de cientistas trabalhando em centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas. No Brasil, segundo levantamento feito pelo IBGE em 2002, há menos de 29 mil pesquisadores trabalhando em empresas, diante de 94 mil em empresas da Coréia do Sul e quase 800 mil nas dos Estados Unidos.

A aplicação de recursos públicos não reembolsáveis em empresas não era viável antes da Lei de Inovação. A legislação permitia o investimento no setor privado apenas de forma indireta, por meio de estímulo a parcerias entre instituições científicas e tecnológicas e o setor privado. “O Brasil começa agora a utilizar um mecanismo de política pública que já vem sendo empregado há longa data por países desenvolvidos,”  disse o presidente da Finep, Odilon Marcuzzo do Canto. “A publicação dos editais é uma providência que demorou, mas mesmo assim sinaliza positivamente sobre o apoio à pesquisa em empresas,”  diz o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Este expediente é usado fartamente por todos os países desenvolvidos e busca criar condições para que as empresas possam enfrentar os elevados riscos de investir em inovação,”  afirma.

Direção certa
A subvenção a atividades tecnológicas em empresas é um dos poucos espaços permitidos aos países em meio às restrições a subsídios no setor produtivo impostas pela Organização Mundial do Comércio, observa Sérgio Queiroz, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e secretário adjunto de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. “As chamadas públicas são apenas um primeiro passo, mas são iniciativas concretas e estão na direção certa,  afirma Queiroz.

A inovação é crucial para dar competitividade às empresas e desenvolver a economia. Os indicadores brasileiros mostram que o setor privado do país tem baixa capacidade de inovar. A Pesquisa Nacional de Inovação Tecnológica (Pintec) de 2003 registrou uma queda no número de empresas brasileiras que fazem pesquisa e desenvolvimento de forma contínua – eram 2.432 em 2003 diante de 3.178 no ano 2000, num universo de mais de 10 mil empresas pesquisadas. Entre elas apenas 1.200 tinham produtos diferenciados capazes de colocá-las na liderança do mercado nacional e somente 177 exibiam processos inovadores de impacto mundial. A porcentagem do faturamento das empresas investida em pesquisa e desenvolvimento também caiu, de 3,8% em 2000 para 2,5% em 2003. Esse desempenho acendeu o sinal de alerta entre autoridades e empresários. Em junho de 2006 a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estabeleceu metas a serem alcançadas até 2010. Entre elas, o número de empresas inovadoras para o padrão nacional deve crescer para pelo menos 4 mil e as de padrão internacional para mais de 500. Para a CNI, pelo menos 50% do fomento público destinado ao desenvolvimento científico e tecnológico precisa ser alocado diretamente nas empresas na forma de subvenções e financiamentos se o país quiser alcançar tais metas.

Avalia-se que o Estado brasileiro precisaria investir em torno de R$ 3 bilhões por ano no estímulo à pesquisa dentro das empresas, na forma de subsídios e de encomendas tecnológicas. “Só que esses R$ 3 bilhões devem ser aportados de forma que para cada R$ 1 bilhão investido pelo Estado as empresas apliquem R$ 4 bilhões,”  diz Brito Cruz, da FAPESP. É intenção do governo federal lançar, a partir de agora, pelo menos dois editais de subvenção a cada ano. “Essa primeira experiência privilegia os setores considerados estratégicos, mas não necessariamente esse critério vai repetir-se nos próximos editais,”  diz Rogério Amaury de Medeiros, da Finep.

De todo modo, a expectativa da Finep é que esses R$ 450 milhões iniciais tenham impacto mensurável na capacidade de inovar de algumas áreas. “Creio que temos condição de avançar muito em áreas como softwares e fármacos,”  diz Medeiros. A Finep admite que ficou de fora de seu esforço um ponto frágil da cadeia de inovação das empresas: a ausência de uma política nacional de encomendas tecnológicas, em que o poder público contrata e subsidia parcialmente pesquisas de interesse público realizadas por empresas.

Por meio desse instrumento, o Estado, em vez de comprar indiscriminadamente pelo menor preço internacional, opta pelo desenvolvimento do produto por uma empresa nacional. Nos Estados Unidos, cerca de US$ 20 bilhões são gastos anualmente em compras tecnológicas por agências governamentais. “O Brasil já foi mais forte nisso, mas afastou-se desse caminho,”  diz Sérgio Queiroz, da Unicamp. A indústria de telecomunicações desenvolveu-se bastante graças ao poder do Estado. A Embraer, hoje um exemplo de empresa brasileira inovadora, talvez não tivesse se consolidado sem as encomendas que o governo fez à empresa, principalmente em seus primórdios.

Uma outra notícia promissora no campo da inovação foi o lançamento do Programa de Investigação Tecnológica (PIT), que reúne a Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). O objetivo do programa é mapear a viabilidade comercial de tecnologias inovadoras desenvolvidas por essas instituições e capacitar alunos a investigar e qualificar essas tecnologias. Nos próximos dois anos, cada instituição selecionará projetos de inovação tecnológica em curso nos seus laboratórios, num total de 120 tecnologias.

O processo será conduzido com apoio de estudantes-bolsistas e terá como bússola a primeira experiência do PIT, realizada recentemente em Campinas, que avaliou 60 tecnologias produzidas pela Unicamp nas áreas de Novos Materiais, Econegócios, Saúde e Agronegócios, entre outras. “As atividades desenvolvidas pelo PIT servem de suporte para difusão das tecnologias geradas nas instituições,”  afirma Roberto Lotufo, professor e diretor executivo da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), que lidera a execução do programa. “A idéia é fazer com cada tecnologia estudada aquilo que já fazemos na Agência da Inovação da Unicamp quando buscamos empresas para licenciar patentes. Os empresários procuram informações básicas sobre a viabilidade comercial e a aplicação de uma determinada tecnologia e nem sempre seus criadores estão preparados para responder.”

Depois de treinados, os alunos responsáveis pelo andamento do programa começarão a investigar as tecnologias por meio de entrevistas com pesquisadores. A intenção é mapear diferenciais e limitações de cada projeto. No final, ainda será feita a pesquisa de viabilidade econômica das iniciativas, dimensionando-as nos mercados nacional e internacional. Todos os projetos com bom potencial poderão ser transferidos para a sociedade por dois caminhos: a geração de pequenas empresas nascidas nas próprias instituições de pesquisa ou por meio de licenciamentos que serão feitos para grupos privados já constituídos. “Trata-se de uma ação para se melhorar a qualidade das patentes das instituições acadêmicas em São Paulo,”  diz Brito Cruz.

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