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Publicações

Ciência de empresas

Papers de companhias privadas colaboram para disseminar conhecimento científico e tecnológico

FONTE MEDICINAA empresa Fonte Medicina Diagnóstica, de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, publicou em 2006 na revista científica Diagnostic Pathology um artigo sobre um novo método para controle de qualidade em exames imunoistoquímicos para diagnóstico de câncer. A nova técnica elimina possíveis erros de análise do material coletado na biópsia, confirmando tanto resultados positivos como negativos. “A nova técnica, que usa um kit construído por nós por R$ 100,00, substitui um equipamento importado que custa US$ 23 mil nos Estados Unidos”, diz a médica patologista Andréa Rodrigues Cordovil Pires, sócia da empresa e professora assistente da Universidade Federal Fluminense (UFF). A iniciativa de publicar uma nova descoberta seria trivial se não fossem raras as empresas que publicam artigos científicos no Brasil. “Publicamos porque queríamos disseminar essa nova técnica, permitindo que outros possam usá-la. Não nos interessam os royalties, inclusive nem patenteamos”, diz Andréa, que já transferiu, em forma de curso, a novidade para a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a UFF.

“Toda a pesquisa foi desenvolvida na empresa. Escolhemos uma revista importante, gratuita, indexada nos principais bancos de dados mundiais, como o Pubmed, que pudesse ser acessada por qualquer pessoa da área sem necessidade de assinatura. A publicação de trabalhos e estudos em revistas científicas, em que a aceitação de um artigo segue critérios rigorosos de aprovação, é referência para a comunidade científica e tecnológica de um país e de todo o planeta. “Embora eu tenha vínculo acadêmico, acredito, junto com minha sócia, Simone Rabello de Souza, que é bibliotecária, na importância social da produção e na divulgação de informação de qualidade”, diz Andréa.

A raridade de artigos científicos, também chamados de papers, de empresas está expressa no trabalho publicado em 2006 na revista Scientometrics pela professora Jacqueline Leta, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e pesquisadora do Programa de Educação, Gestão e Difusão da UFRJ. Na conclusão do artigo Science in Brazil. Part 2: Sectoral and Institutional Research Profiles, assinado também pelos pesquisadores Wolfgang Glänzel e Bart Thus, ambos da mesma universidade belga, Jacqueline aponta a ausência de contribuições das empresas para a ciência brasileira.

Outros experientes analistas de publicações acadêmicas, como o professor Rogério Meneghini, do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), também sentem a falta de publicações científicas de empresas brasileiras. “O pessoal da indústria que nunca atuou na área acadêmica tem muita dificuldade em elaborar um paper. É preciso ter experiência. Muitas vezes, os interessados em publicar são apenas os funcionários pós-graduandos que trabalham na empresa”, diz Meneghini.

Grande parte da produção empresarial, segundo a professora Lea Maria Leme Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o faz em revistas não indexadas, de comunicação técnica. Ela lembra que a National Science Foundation (NSF), a principal agência de fomento dos Estados Unidos, edita a cada dois anos indicadores das publicações naquele país e não define quais são oriundos do mundo empresarial, apenas destaca as co-autorias. A porcentagem entre todos os artigos acadêmicos, segundo a NSF, com co-autoria cresceu regularmente entre 1993 e 2001, mas declinou em 2002 e em 2003, ano que registrou 200.727 artigos, sendo 12.114 de co-autoria, volume que corresponde a 6%. Em 1993 esse número foi de 5,1% e o máximo foi atingido em 2001, com 6,2%.

No Brasil, a empresa que mais publica ou está entre as maiores, porque não há dados estatísticos sobre o tema, é a Petrobras. Em 2006 foram 24 publicações em periódicos nacionais e 57 em internacionais, somente do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). No total, a empresa publicou 67 papers no exterior. Nos últimos cinco anos, o Cenpes publicou 118 artigos no país e 242 em revistas internacionais. Segundo Sônia Tavares, bibliotecária da gerência de informação técnica e propriedade intelectual da gestão tecnológica do Cenpes, a empresa adota um trâmite rigoroso para a aprovação de artigos a serem publicados em revistas científicas. “É feita uma revisão técnica interna de avaliação do conteúdo para saber se o artigo traz inovação, se é inédito, além de verificar as referências, se estão corretas e bem documentadas”, diz Sônia. Outros pontos importantes são a verificação do conteúdo na perspectiva da adequação ou não da companhia em divulgar aquele resultado, além de averiguar se a inovação envolvida é patenteável.

Outra grande empresa com sede no país, a Embraer, segundo o portal Web of Science, o mais importante e procurado portal científico, teve 26 papers publicados entre 1978 e 2006, sendo dois no último ano. No exterior, a prática de publicar artigos científicos por parte das empresas é mais comum, principalmente entre aquelas que possuem seus próprios pesquisadores em centros de pesquisa instalados dentro do ambiente empresarial. Assim, a coreana Samsung, por exemplo, elaborou 1.338 artigos em 2006. Entre as norte-americanas, a IBM publicou 942 papers em todo o mundo, enquanto a Intel concluiu 453, a Lucent, 318, a Motorola, 117, e a Boeing, 111. No Japão, outros exemplos, a Hitachi publicou 681 e a Toshiba, 295. A francesa Rhodia publicou 72 artigos e as alemãs, Siemens com 481 e o grupo Bayer, com 439, completam os bons exemplos de produção científico-tecnológica empresarial realizada no ano passado em vários pontos do planeta.

As pequenas empresas de base tecnológica brasileira estão entre as que mais publicam. A maioria esmagadora dessas firmas é formada por sócios ou funcionários vindos diretamente da academia. É o caso da Alellyx, empresa de biotecnologia criada com pesquisadores que participaram dos primeiros projetos Genoma desenvolvidos no Brasil. De 2003 a 2006, seus pesquisadores publicaram dez artigos em revistas internacionais, sendo dois em 2006. Desses apenas dois foram exclusivamente feitos por pesquisadores da empresa. Os outros estudos foram em parceria com universidades.

Estratégia da empresa
“Pesquisar na empresa é bem diferente do ambiente acadêmico. Na academia, o produto final é o paper, de preferência, publicado na melhor revista científica possível. Na empresa, o produto final é um processo ou produto que chega ao mercado”, comenta Paulo Arruda, sócio da empresa e professor da Unicamp. “A publicação não pode ser feita da forma como é na academia, primeiro é preciso ter em mente a estratégia da empresa. Precisamos saber se devemos ou não ter a propriedade intelectual do produto desenvolvido. À medida que temos o depósito de uma patente, poderemos publicar se isso estiver também na estratégia da empresa, não prejudicando os investimentos.” Para ele, a propriedade intelectual é o mais importante ativo de uma empresa porque garante que o produto pode ser comercializado sem riscos.

“Publicamos aquilo que pode ser publicado, protegendo a nossa idéia”, diz Spero Morato, sócio da Lasertools, empresa criada em 1999 por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Ele também concorda que, para escrever papers, é preciso ter experiência acadêmica. A empresa já publicou cerca de dez artigos, sendo três em revistas internacionais.

Morato e os outros sócios iniciaram a empresa dentro do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), instalado no prédio do Ipen, na Cidade Universitária, em São Paulo. Lá, a cultura de publicar começa a tomar uma importância maior. “Estou incentivando os nossos empresários a se acostumarem a escrever e a publicar papers dentro das melhores práticas”, diz Sergio Risola, gerente gestor do Cietec. “A maioria dos empresários ainda tem dificuldade em escrever de forma tecnocientífica. Precisamos mostrar que publicar em revistas científicas dá mais credibilidade a um trabalho e a empresa passa a ser mais bem vista pelo mercado.” Paulo Arruda concorda. “A publicação de artigos em revistas importantes dá à empresa uma exposição ao mercado e a investidores porque mostra quem está produzindo inovações. Cada vez mais os portais que reúnem as publicações estão sendo usados por empresários na obtenção de informações, principalmente no mercado externo.”

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