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Astronomia

O Sol que nos protege

Estudo identifica forma da bolha magnética que envolve o Sistema Solar

Campo magnético interestelar deforma a heliopausa, bolha inflada pelo vento solar que reduz a incidência de raios cósmicos nos planetas

A astrofísica brasileira Merav Opher, da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, descobriu como se parece o Sistema Solar visto de longe. A imagem de “nossa casa na galáxia”, como ela descreve, é uma espécie de imensa bolha que contém o Sol e os planetas e funciona como um escudo que impede a invasão de raios cósmicos galácticos, um dos tipos mais energéticos de partículas, mortais para astronautas em viagens interplanetárias. Essa bolha, chamada de heliopausa, é inflada pelo vento de partículas emitidas pelo Sol no meio do gás extremamente rarefeito que existe entre as estrelas. Na viagem do Sistema Solar ao redor do núcleo da galáxia, a heliopausa choca-se contra uma gigantesca nuvem interestelar de gás e poeira em movimento que cruza seu caminho. Como resultado, esse choque faz a heliopausa assumir uma forma semelhante à dos cometas que viajam contra o vento solar, com um nariz, à frente, seguido de uma longa cauda. Em parceria com Edward Stone, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Merav publicou em maio na Science um mapa do nariz da heliopausa, analisando como o meio interestelar o distorce.

A tarefa exigiu mais do que o esforço da análise de dados. De 2001 a 2004, Merav trabalhou no Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial norte-americana (Nasa), no Caltech, e atravessou o país diversas vezes, da Califórnia, no extremo oeste, até a Universidade de Michigan, na região dos Grandes Lagos. O objetivo era aprender com Tamas Gombosi a usar um programa de computador desenvolvido por ele, capaz de simular em três dimensões a interação entre campos magnéticos e partículas eletricamente carregadas.

Após o aprendizado, Merav adaptou o programa para reproduzir as condições físicas da fronteira do Sistema Solar e convenceu Stone, físico experimental veterano avesso a novas colaborações e diretor científico da missão Voyager, a trabalhar no modelo teórico dela. “Stone percebeu que precisava examinar a teoria mais de perto se quisesse entender melhor os dados das Voyagers”, diz Merav. Da mesma forma, ela precisava da experiência dele com os dados da Voyager 1 e 2 – atualmente a uma distância do Sol cem vezes maior que a observada entre o Sol e a Terra, que os astrônomos chamam de unidade astronômica – para compará-los com os resultados de suas simulações de computador. “Demorou para descobrirmos como usar o programa de forma criativa para extrair informação dos dados”, conta a astrofísica.

A cem unidades astronômicas de distância do Sol, as Voyagers têm mais 50 unidades astronômicas pela frente até o nariz da heliopausa. Hoje se encontram na vizinhança de outra região interessante, quase esférica, onde o vento solar se choca contra o gás do meio interestelar. Ali, a velocidade do vento cai abruptamente, de 400 para 40 quilômetros por segundo. “É como as águas das cataratas da foz do Iguaçu, cuja velocidade é drasticamente reduzida depois da queda”, compara Merav.

Em dezembro de 2004, a Voyager 1 adentrou o hemisfério norte dessa região turbulenta, onde a cachoeira de vento solar encontra as águas calmas interestelares. O turbilhão e o campo magnético do vento solar concentrado aceleram partículas eletricamente carregadas, que a Voyager 1 deveria detectar em quantidades iguais de todas as direções ao se aproximar dessa região. Contrariando a expectativa, porém, a sonda recebeu mais partículas no seu lado esquerdo. O modelo de Merav mostrou que os dados da Voyager 1 só podiam ser explicados se a forma de esfera da zona de choque fosse meio amassada. O mais surpreendente é que a deformação é causada pelo campo de forças magnéticas do meio interestelar que envolve a heliopausa. Ninguém esperava que algo tão distante pudesse influenciar a zona de choque.

Simulações
Para entender a deformação na zona de choque, Merav e Stone tinham de determinar a direção precisa do campo magnético em nossa vizinhança interestelar. Debruçaram-se, então, sobre uma faixa no céu em que as Voyagers detectaram sinais de rádio vindos da heliopausa, onde o campo magnético solar e o galáctico se tocam. Em suas simulações, Merav variou a inclinação do campo magnético interestelar até que a faixa de emissões de rádio coincidisse com o observado pelas Voyagers. “Tentei cerca de 90 modelos diferentes”, conta. Estudos anteriores sugeriam valores muito distintos para a inclinação do campo magnético do meio interestelar em relação ao plano do Sistema Solar – um indicava 60 graus e outro, 90. O trabalho de Merav e Stone resolveu a contradição, mostrando que os experimentos anteriores sugeriam valores extremos possíveis para a inclinação do campo. Segundo Merav, com a precisão e os dados disponíveis, só se pode afirmar que o campo magnético interestelar naquela região está inclinado entre 60 e 90 graus.

Essa inclinação do campo empurra tanto a heliopausa quanto a zona de choque para dentro do Sistema Solar em seu hemisfério sul. Dados enviados pela Voyager 2, que viaja ao sul do Sistema Solar, confirmam o modelo de Merav. Em 2006 a sonda começou a dar sinais de que se aproxima da zona de choque, a uma distância menor que a que seria de esperar caso essa região não fosse deformada. Os cálculos indicam que a Voyager 2 deve adentrar essa região ainda este ano,  9 unidades astronômicas antes do que a Voyager 1, no hemisfério norte.

Estudar a região de influência do Sol, a heliosfera, e a sua fronteira ensina muito sobre outras estrelas. “É a única maneira de saber como as estrelas interagem com seu meio”, explica Merav. A sensibilidade inesperada da heliosfera ao campo magnético galáctico descoberta por ela indica que, em estrelas com campos magnéticos mais fortes, os efeitos devem ser ainda mais intensos.

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