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Biodiversidade

A idade da razão

Frutos do Biota-FAPESP são repartidos entre universidades e ganham perenidade

EDUARDO CESARSão abundantes os frutos do programa Biota-FAPESP. Desde sua criação em 1999, o Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo permitiu a descrição de mais de 500 espécies de plantas e animais espalhados pelos 250 mil quilômetros quadrados do território paulista, produziu 75 projetos de pesquisa, 150 mestrados e 90 doutorados, além de gerar 500 artigos em 170 periódicos, 16 livros e dois atlas, graças a um investimento médio anual de US$ 2,5 milhões feito pela FAPESP. Os frutos do Biota amadureceram a ponto de alçar o programa a uma nova fase. Um acordo de cooperação acadêmica celebrado em agosto vai garantir a perenidade da iniciativa ao vincular sua estrutura às três universidades estaduais paulistas. A partir de agora, elas se tornarão responsáveis pela manutenção das ferramentas de pesquisa do Biota, considerado um dos maiores programas de estudo da biodiversidade já feitos no mundo. “Chegou a hora da rotina de manutenção – como geração de back-ups e atualização de softwares – de tudo o que foi feito e essa tarefa não cabe à FAPESP, pois não se trata de um trabalho de pesquisa”, diz Carlos Alfredo Joly, mentor e ex-coordenador do Biota, professor titular do Departamento de Botânica/IB e coordenador do programa de doutorado em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Nos últimos oito anos, a administração do Biota-FAPESP dependeu de uma comissão de pesquisadores que atuava de forma avulsa, sem dispor de uma estrutura permanente para eventos, publicações ou atualização do banco de dados. Cada uma dessas atividades exigia a solicitação de recursos específicos. Com a institucionalização do programa, tais atividades serão fortalecidas. A Unicamp e o Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Cenapad), por exemplo, serão responsáveis pela página do programa na internet, pelo Sistema de Informação Ambiental do Biota (SinBiota) e pela revista eletrônica Biota Neotropica, desde a estrutura física até o pagamento de pessoal que fará manutenção e atualização dos bancos de dados e softwares. A plataforma do SinBiota relaciona as informações geradas pelos pesquisadores a uma base cartográfica digital, que permite a difusão da informação sobre a biodiversidade paulista. A ferramenta virtual contabiliza registros de aproximadamente 56 mil espécies encontradas em São Paulo (44 mil de vida terrestre, 8 mil de água marinha e 4 mil de água doce). A revista Biota Neotropica, periódico eletrônico editado pelo Biota-FAPESP, publica resultados de pesquisas que abordam a caracterização, conservação e uso sustentável da biodiversidade na região neotropical e já atingiu a marca de mil usuários por dia.

Fármacos
Já a Universidade Estadual Paulista (Unesp) se responsabilizará pelo banco de dados e de extratos da Rede Biota de Bioprospecção e Bioensaios (BIOprospecTA). Um prédio será construído no Instituto de Química, em Araraquara (SP), para abrigar esse acervo, parte do qual, por ter possível interesse econômico, será franqueada apenas a pesquisadores cadastrados. O BIOprospecTA nasceu como um subprograma do Biota voltado para o desenvolvimento de fármacos, cosméticos e defensivos agrícolas a partir de extratos vegetais ou moléculas de plantas e animais encontrados em São Paulo. A Universidade de São Paulo (USP), por meio de unidades como o Instituto de Física, em São Carlos, a Faculdade de Medicina, o Instituto de Ciências Biomédicas e o Instituto de Química, em São Paulo, ficará incumbida dos testes clínicos com moléculas sintetizadas em laboratório a partir da base do BIOprospecTA . Os custos da secretaria do programa e da revista Biota Neotropica serão divididos entre Unicamp e USP. “A avaliação é que a institucionalização exigirá US$ 4 milhões, nos próximos oito anos, para salários de secretaria e analistas de sistemas, reforma de infra-estrutura para armazenar bancos de dados e outras despesas”, diz Joly.

Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, a institucionalização permitirá que o programa ande com suas próprias forças. “É um pouco como se o Biota fosse um spin-off da FAPESP. A expectativa é que isso aumente a abrangência do programa e seu impacto nas políticas públicas se torne ainda maior”, afirmou. Brito Cruz lembrou ainda a participação fundamental de Joly para o sucesso do Biota. “É notável a capacidade da comunidade científica de se articular no tema da biodiversidade, mas um empreendimento dessa magnitude, embora seja de construção coletiva, só decola quando há a atuação heróica de alguns indivíduos com espírito de liderança. Por isso, é importante destacar a atuação do professor Joly em toda a trajetória do programa”, afirmou. Joly lembra, contudo, que a ajuda da FAPESP continuará sendo fundamental quando for preciso desenvolver novas ferramentas para o Biota. “Claro que continuaremos em busca de novidades e apresentaremos novos projetos de pesquisa à FAPESP para desenvolver as ferramentas do futuro do Biota”, diz.

A solenidade que definiu a institucionalização do programa Biota-FAPESP teve a presença de Michel Loreau, da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, e vice-presidente do comitê executivo do Mecanismo Internacional de Expertise Científica em Biodiversidade (Imoseb), criado recentemente para organizar e sintetizar o conhecimento científico sobre a biodiversidade e abastecer de informações os governos e formuladores de políticas públicas nessa área, especialmente a Convenção sobre a Diversidade Biológica. Loreau tinha uma boa notícia: um dia antes reuniu-se na FAPESP com representantes dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, que aceitaram fazer uma consulta à comunidade científica do país acerca dos termos em que o Brasil poderia participar do Imoseb.

A decisão representou uma guinada na posição do país sobre o tema. Há dois anos, a diplomacia brasileira rejeitara um chamamento para integrar os cientistas brasileiros ao Imoseb, temerosa de que a vulnerabilidade do país no cuidado com sua biodiversidade pudesse fragilizá-lo em outras negociações multilaterais. O governo brasileiro, no entanto, só integrará o processo do Imoseb se a participação se der no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), principal fórum mundial na definição de leis e políticas para questões relacionadas à biodiversidade. “Há muito interesse em ajudar a promover políticas públicas internacionalmente, mas há um receio de que se crie mais um mecanismo, sendo que a CDB já existe e não consegue implementar suas decisões”, afirmou Bráulio Dias, gerente de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Os pesquisadores do Programa Biota/FAPESP festejaram essa mudança de posição do governo  e estão empenhados em participar da estruturação do processo de consulta à comunidade científica brasileira. “É imprescindível que a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC participem da organização desta consulta”, afirma Joly.

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