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Química Analítica

Sementes mais produtivas

Ressonância magnética mede teor e qualidade de oleaginosas para produção de biodiesel

EDUARDO CESARGirassol, castanhas- de-caju, do-pará e pinhão-mansoEDUARDO CESAR

Uma nova tecnologia desenvolvida nos laboratórios da Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos, no interior paulista, deverá fortalecer a posição do Brasil na produção mundial de biocombustíveis. Pesquisadores da entidade criaram um aparelho de ressonância magnética nuclear para medidas ultra-rápidas da quantidade e da qualidade de óleos vegetais presentes em sementes de soja, mamona, dendê, girassol, amendoim e algodão, entre outras oleaginosas, plantas que têm sido usadas ou são candidatas para a fabricação de biodiesel. O equipamento tem potencial para analisar o teor de óleo em mais de 10 mil sementes por hora, enquanto os métodos químicos convencionais mais rápidos existentes no mercado realizam apenas 60 análises no mesmo período de tempo. A medida da qualidade do óleo é de 300 amostras por hora, mas, mesmo assim, ainda é dezenas de vezes mais rápida do que as técnicas disponíveis atualmente.

A velocidade na realização das análises é importante porque permite selecionar com mais agilidade variedades de plantas comerciais e silvestres, como o pinhão-manso, a macaúba, o pequi e o tucumã, outras candidatas ao biodiesel, com alta produtividade e, assim, acelerar os programas de melhoramento genético das cultivares envolvidas na produção de biocombustíveis. “Para que os programas de seleção de novas plantas sejam rápidos, são necessárias dezenas de milhares de análises de teor de óleo de sementes por ano. E os métodos de análise de óleo hoje não atendem a esse requisito”, explica o bioquímico Luiz Alberto Colnago, que coordenou as pesquisas. Segundo o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), embora o Brasil, por seu pioneirismo, esteja numa posição relativamente confortável no mercado mundial de biocombustíveis, é preciso aumentar a produtividade das lavouras destinadas à produção de biodiesel para que a demanda futura seja suprida sem risco de provocar escassez do produto. “Hoje, somente o dendê tem alta produtividade, de cerca de 5 toneladas por hectare por ano. A soja e a maioria das outras culturas comerciais estão em torno de 1 tonelada por hectare por ano. Isso significa que a energia produzida é apenas pouco maior que a energia gasta para sua produção”, diz ele.

Além da rapidez, a nova técnica de ressonância magnética apresenta outra importante vantagem. Ao contrário dos métodos tradicionais, em que é necessário secar e moer as sementes a serem analisadas, provocando sua destruição, a tecnologia de ressonância magnética mantém a amostra intacta. “Com a nossa técnica, a mesma semente analisada pode ser em seguida plantada”, diz o pesquisador da Embrapa. Nas técnicas convencionais, a extração do óleo emprega um solvente derivado de petróleo, que agride o ambiente. Por esse método, é preciso extrair o óleo por 24 horas, fazer a evaporação do solvente e, em seguida, pesar quanto líquido foi extraído. “Esse método gera resíduos químicos que precisam ser tratados.”

O equipamento criado na Embrapa Instrumentação Agropecuária funciona de forma semelhante a um aparelho de ressonância magnética nuclear usado para fins médicos em clínicas e hospitais do país. As sementes são colocadas de forma seqüencial, uma atrás da outra, em uma esteira que passa por dentro de um imã, cuja função é magnetizar a amostra. Junto do imã existe um pequeno sensor. Quando a semente chega ao sensor, ela é excitada com ondas de rádio numa freqüência fixa de 85 megahertz durante apenas 10 microssegundos.

“Ao final da irradiação, a semente passa a emitir de volta um sinal na mesma freqüência. A intensidade desse sinal é proporcional ao teor de óleo presente nela. Quanto mais forte, mais óleo possui a semente”, explica Colnago. Já a medida da qualidade é dada pelo tempo que o sinal refletido pela semente leva para desaparecer. Quanto mais rápido o sinal sumir, maior será a viscosidade do óleo. A viscosidade é um dos parâmetros de qualidade de óleos vegetais e está diretamente associada à composição química e ao seu número de cetano. Esse número, por sua vez, é um indicador de qualidade de ignição do diesel, similar ao octano para motores a gasolina. Para Colnago, melhorar a qualidade dos óleos vegetais produzidos no país é fundamental porque alguns ainda não atendem às especificações das normas internacionais. “Os óleos de soja, girassol e algodão, dentre outros, têm alta concentração de ácidos graxos poliinsaturados, que são indesejáveis para uso como combustível, pois têm baixa estabilidade química e baixo número de cetano”, diz o pesquisador.

Módulos comerciais
O aparelho de ressonância recebeu financiamento da FAPESP e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e contou também com a participação de pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e da Embrapa Solos, do Rio de Janeiro. Colnago explica que o aparelho não foi totalmente desenvolvido por sua equipe. “Fizemos a montagem com módulos comerciais e construímos apenas as partes que não estão disponíveis no mercado mundial. Usamos um imã de um tomógrafo de ressonância magnética e a parte eletrônica de transmissor e receptor de um aparelho convencional. Já os sistemas de movimentação das amostras – as esteiras – e as bobinas onde são colocadas as amostras dentro do imã foram construídos por nós”, diz Colnago.

“O mais importante nesse trabalho foi o desenvolvimento das novas metodologias de análise por ressonância magnética nuclear tanto para medida da quantidade quanto da qualidade do óleo diretamente nas sementes. Esses procedimentos rápidos é que são inéditos.” Essas metodologias começaram a ser desenvolvidas em 1998 e foram tema de duas dissertações de mestrado e duas teses de doutorado orientadas pelo próprio pesquisador no Instituto de Química de São Carlos da USP. A pesquisa também rendeu a publicação de artigos científicos nas revistas Analytical Chemistry e Analytica Chimica Acta, respectivamente, em fevereiro e julho deste ano.

Dentro de seis meses a um ano, Colnago espera ter um protótipo do aparelho em uma versão mais amigável e de menor custo. O aparelho atual poderia custar US$ 500 mil porque utiliza um imã de tomógrafo que é muito grande e caro. O bioquímico da Embrapa acredita que se ele for substituído por um imã pequeno esse valor cairá cerca de 20 vezes e o custo do aparelho deverá ficar na faixa dos US$ 70 mil – excluindo-se os valores de impostos e margem de lucro do fabricante. A empresa Gil Equipamentos Industriais, da cidade de Ribeirão Preto, que  adquiriu outra tecnologia de ressonância magnética desenvolvida pelo grupo da Embrapa há dez anos, já demonstrou interesse na produção comercial do equipamento. “Embora deva entrar no mercado custando o dobro dos métodos tradicionais, ele vai oferecer uma produtividade – número de análises por tempo – muito maior. E esse será seu grande diferencial”, conta Colnago.

Os projetos
1.
Desenvolvimento de instrumentação e aplicações de RMN na análise de alimentos (nº 04/11904-9); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Pesquisa; Coordenador Luiz Alberto Colnago – Embrapa; Investimento R$ 36.750,00 e US$ 33.000,00 (FAPESP)
2. Desenvolvimento de tecnologias ultra-rápidas de RMN para determinação da quantidade e qualidade de óleos vegetais em sementes intactas (nº 06/06111-5); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Pesquisa; Coordenador Luiz Alberto Colnago – Embrapa; Investimento R$ 115.500,00 (FAPESP)
3. Avaliação on-line da qualidade de produtos agroindustriais por RMN; Modalidade Rede Brasil de Tecnologia; Coordenador Luiz Alberto Colnago – Embrapa; Investimento R$ 270.000,00 (Finep)

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