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Metalurgia

Têmpera superior

Parceria entre Unicamp e siderúrgica cria tocha de plasma para melhorar a qualidade do aço

ARUY MAROTTA Máquina de lingotamento da Villares: temperatura estávelARUY MAROTTA

A linha de produção da Villares Metals, em Sumaré, na Região Metropolitana de Campinas, foi o cenário de um teste, realizado no ano passado, que coroou um projeto de pesquisa iniciado no final dos anos 1990 voltado para aperfeiçoar a qualidade do aço produzido no país. Uma to­cha de plasma, capaz de gerar temperaturas elevadíssimas transformando energia elétrica em calor transportado por um gás, foi testada na aciaria da empresa para retardar o processo de resfriamento do aço durante a fase em que o metal, recém-fundido, é convertido em lingotes contínuos.

A experiência em outros países mostra que a tocha de plasma pode ser usada numa máquina de lingotamento contínuo para melhorar a qualidade do aço. Ela permite manter a temperatura estável no reservatório intermediário, ou distribuidor, da máquina. A temperatura estável neste processo, que dura cerca de 2 horas, garante a produção de aço com menor risco de formação de fragmentos cerâmicos, que podem surgir quando o metal esfria. Também previne a segregação de ligas que ocorre quando o metal está superaquecido. Sem o uso do plasma, o superaquecimento é necessário para evitar a solidificação do aço no distribuidor.

Esse tipo de tecnologia é utilizada em siderúrgicas de países desenvolvidos, mas quem quiser usá-la aqui precisa comprar no exterior. “O sucesso da experiência mostrou que é possível instalar uma tocha de plasma numa linha de produção siderúrgica sem a necessidade de contratar uma empresa internacional especializada nessa tecnologia, o que deve baratear custos”, diz Aruy Marotta, coordenador do projeto e pesquisador do Grupo de Física e Tecnologia de Plasma (GFTP) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Celso Barbosa, gerente de Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento da Villares Metals, destaca os ganhos que a tocha de plasma pode propiciar. “Essa tecnologia nos interessa porque permitirá aperfeiçoar a produção de aços especiais de alta liga, como os usados em válvulas de motores e na indústria aeronáutica”, afirma.

“Temos a expectativa de que, com os ganhos de resistência mecânica, seja possível, por exemplo, diminuir o grau de laminação do aço (mais fino e com a mesma dureza)”, afirma.

As tochas de plasma funcionam como uma espécie de resistência capaz de produzir temperaturas elevadíssimas, de até 70 mil graus Celsius. Na tocha, o plasma é gerado pela formação de um arco elétrico, como uma espécie de relâmpago contínuo, através da passagem de corrente num gás ionizado – formado por íons (átomos com perda ou ganho de elétrons). Entre as vantagens da tocha de plasma destacam-se a alta eficiência na conversão de energia elétrica em térmica, que pode chegar até 95%, e a possibilidade de uso de qualquer tipo de gás. “Ao contrário da combustão, a energia térmica independe da vazão de gás, há rapidez de resposta e altíssima densidade de potência, resultando em equipamentos mais eficientes”, diz Marotta. Tochas de plasma são utilizadas desde a década de 1960 na metalurgia, para cortar, soldar ou fundir. Também são fundamentais para promover a deposição de camadas metálicas e cerâmicas – turbinas de aviação são revestidas com superfícies cerâmicas com a ajuda dessa tecnologia. Nos últimos tempos, ganharam importância em processos de destruição de resíduos tóxicos e na síntese de novos materiais nanométricos.

O projeto de pesquisa originou-se de uma necessidade da indústria. Uma carta enviada em 1997 pela Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM) à professora Cecília Zavaglia, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, fazia uma espécie de chamada a pesquisadores da instituição cujas investigações pudessem resultar em ganhos de competitividade para a indústria. O professor Marotta apresentou um conjunto de três projetos sobre uso de plasma térmico, mas o interesse inicial da ABM acabou não se materializando. Convencido de que seu projeto poderia ter interesse na indústria, Marotta apresentou à Villares Metals uma versão mais específica de seu projeto e indagou se não havia interesse em que participassem do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP. A parceria, celebrada em 1998, dependia da construção do Laboratório de Plasma Industrial (LPI) da Unicamp, que só ficou pronto em 2001, graças a recursos da Finep, CNPq, Unicamp e principalmente da FAPESP. “Em um esforço de 1 década foi construída uma estrutura única para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias a plasma de interesse da indústria brasileira, área em que o país tem grande carência”, diz Marotta.

ARUY MAROTTA Interesse industrial: resistência mecânicaARUY MAROTTA

Bielo-Rússia
A fase inicial da pesquisa, entre 1999 e 2001, apoiou-se na Bielo-Rússia, país da Europa Oriental e ex-república soviética, em laboratórios do Instituto de Transporte de Massa e Calor da Academia de Ciências (HMTI, na sigla em inglês). Marotta, pioneiro nessa linha de investigação no país, mantinha desde meados dos anos 1980 uma produtiva colaboração com pesquisadores da antiga União Soviética, onde estudou. Essa proximidade impulsionou a parceria brasileira com vários pesquisadores soviéticos, que rendeu intenso intercâmbio científico e tecnológico.

A segunda fase do projeto, já na Unicamp, transcorreu entre 2001 e 2003, com o desenvolvimento no LPI de uma fonte de plasma com 500 quilovolts-ampère (kVA) de potência, tochas de plasma e equipamentos correlatos – talhados para o projeto Pite com a Villares. A última fase previa a montagem e teste de todo o sistema industrial a plasma na linha de produção da Villares Metals. Ocorre que, quan­do o projeto estava próximo de sua conclusão, a empresa decidiu adiar sua implantação, pois isso requereria investimentos elevados na alteração da configuração da planta industrial. “Temos a expectativa de realizar essa etapa a partir de 2010”, diz Celso Barbosa, da Villares Me­­tals. Enquanto o projeto era desenvolvido, a empresa brasileira, que per­­tencia à família Villares, foi vendida ao grupo espanhol Sidenor. Atual­mente pertence à mul­tinacional austríaca Böhler-Uddeholn. A empresa dispõe de apenas uma máquina de lingotamento contínuo de aços em produção industrial. Por isso, o sistema foi instalado e testado em condi­ções reais de operação, mas fora da li­nha de produ­ção, usan­do o mesmo distribuidor de 3 toneladas de aço líquido.

Apesar do adiamento na implantação, a Villares avalia que o projeto foi encerrado com êxito tecnológico. “Trata-se de um projeto tecnológico industrial de grande porte. Foi um grande desafio desenvolvê-lo e transferi-lo da bancada dos laboratórios da Unicamp para uma planta piloto”, diz Barbosa. “A instalação e operação de uma tocha de plasma, desenvolvida por uma equipe brasileira, numa indústria de grande porte é fato inédito no país”, diz Aruy Marotta.

Marotta e sua equipe trabalham atualmente no LPI em um projeto do programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) com a empresa Siderol, na reciclagem de aço rápido contido em resíduos de lama oriunda da indústria de ferramentas. Esse aço, que possui alto valor agregado devido aos elementos de liga, é atualmente descartado como rejeito. Em um forno a plasma, o aço é separado da lama que contém óleo e cerâmica abrasiva. Esse projeto é um desdobramento da tecnologia gerada no projeto Pite. “É de vital importância a continuação e o crescimento das atividades do LPI, com criação de recursos humanos e novas tecnologias para a indústria brasileira”, afirma o pesquisador.

O projeto
Aplicação das tochas de plasma em processos siderúrgicos (nº 98/03353-0); Modalidade Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Co­or­de­na­dor Aruy Marotta – Instituto de  Física – Unicamp; Investimento R$ 371.403,00 (Villares) e R$ 310.500,00, US$ 305.000,00 (FAPESP)

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