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Física

Filamentos versáteis

Nova geração de fibras ópticas amplia uso desses dispositivos para além das telecomunicações

IFGW/UNICAMPFibra em Y: aplicações em sensoriamento biológico e químicoIFGW/UNICAMP

Há cerca de 30 anos o Brasil ingressava no então seleto grupo de países que pesquisavam e usavam fibras ópticas, filamentos de vidro ou material polimérico da espessura de um fio de cabelo capazes de transmitir em alta velocidade dados em forma de luz. Uma das primeiras redes construídas com o material foi instalada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em maio de 1977, para testes de telecomunicações, setor que passou por uma verdadeira revolução com a massificação do uso das fibras ópticas no lugar de fios de cobre. Hoje, três décadas depois, a Unicamp continua na vanguarda das pesquisas sobre essa tecnologia e sedia um laboratório focado no estudo e desenvolvimento de fibras de cristal fotônico, consideradas uma nova geração de fibras ópticas que ampliam o uso desses materiais, por exemplo, para a biologia e para a química, na análise de gases e líquidos. No ano passado, pesquisadores desse laboratório depositaram, em conjunto com pesquisadores de outras instituições brasileiras e estrangeiras, três patentes relativas às fibras de cristal fo­tônico, que serão discutidas no workshop internacional Fibras Ópticas Especiais e Suas Aplicações, programado para acontecer na cidade de São Pedro, no interior paulista, em agosto deste ano. O evento deve reunir especialistas mundiais nesse tipo de fibra óptica desenvolvida no final dos anos 1990 pelo britânico Philip Russell, na Universidade de Bath, na Inglaterra, um dos principais centros de pesquisa desse material.

As fibras de cristal fotônico fazem parte de um grupo maior conhecido como fibras ópticas especiais, porque possuem inovações estruturais que as diferenciam das demais. A principal diferença entre as fibras de cristal fotônico e as tradicionais é que as primeiras possuem um arranjo regular de buracos, da ordem de 1 micrômetro de diâmetro, equivalente a 1 milionésimo do metro, e que corre paralelo ao eixo da fibra e por todo o seu comprimento. A vantagem desses microfuros é permitir um rígido e extenso controle do guiamento da luz, o que torna a fibra mais versátil. Isso ocorre porque a microestrutura pode ser projetada de diferentes formas, de maneira a lhes conferir as propriedades que se desejar. Assim, é possível elaborar fibras para um amplo conjunto de aplicações.

Além de redes e equipamentos do setor de telecomunicações, as fibras de cristal fotônico, também conhecidas pela sigla PCF (de Photonic Crystal Fiber), podem ser usadas na fabricação de dispositivos a laser, fontes de luz ou sensores ópticos ultra-sensíveis capazes de monitorar um ambiente com um gás perigoso ou um líquido contaminado por bactérias, por exemplo. “As fibras de cristal fotônico representam uma inovação de largo espectro”, afirma o físico Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp. “A liberdade que temos para mexer nas características das fibras ópticas tradicionais é muito limitada, mas quando inserimos buracos em sua estrutura a liberdade de escolha de suas propriedades ópticas aumenta muito”, diz Cordeiro.

Fios guiados
Apesar de ser uma tecnologia relativamente nova, as fibras de cristal fotônico já chegaram ao mercado. A empresa pioneira é a dina­marquesa Crystal Fibre, que desde o ano 2000 comercializa diferentes tipos de fibras, bem como equipamentos feitos com esse material para a área de telecomunicações. Na Unicamp, uma das principais inovações desenvolvidas é uma fibra de cristal fotônico com eletrodos (fios metálicos) integrados a ela, num trabalho do mestrando Giancarlo Chesini. Com isso, simultaneamente ao guia­men­to de luz, é possível aplicar voltagem à fibra ou fazer passar corrente elétri­ca por ela. “A luz pode ser modulada com a corrente elétrica, abrindo novas perspectivas de uso do material na área de sensoriamento e de dispositivos, como, por exemplo, na fabricação de moduladores ópticos usados em redes de transmissão de dados”, explica Cordeiro, que fez seu pós-doutorado junto ao Centro de Fotônica e Materiais Fotônicos da Universidade de Bath.

Outra novidade do grupo, que integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de Campinas (CePOF) sediado também no IFGW-Unicamp e financiado pela FAPESP, é uma fibra batizada de Y. A particularidade es­trutural dela é o núcleo reduzido, de apenas 1 micrômetro de diâmetro – o núcleo das fibras tradicionais mede por volta de 10 micrômetros e seu diâmetro total chega a 125 micrômetros. Além disso, ela tem apenas três buracos em sua microestrutura, que são bem grandes quando comparados aos das fibras de cristal fotônico comuns. A redução do núcleo torna a fibra mais sensível e adequada para aplicações de sensoriamento químico ou biológico. Isso ocorre por causa do efeito de difração que estende a propagação da luz para além do núcleo. “O fenômeno da difração é péssimo na transmissão de dados numa rede de telecomunicações, mas desejável em sensoriamento. Os buracos da fibra permitem que a luz entre em contato com o material de interesse a ser identificado e analisado, como um líquido ou gás qualquer”, explica o pesquisador da Unicamp.

EDUARDO CÉSARFio metálico integrado à fibra óptica garante passagem de corrente elétricaEDUARDO CÉSAR

A primeira patente depositada em abril do ano passado pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova) trata da estrutura das fibras de cristal fotônico. “Além dos buracos em torno do núcleo, fizemos outros nas laterais, perpendiculares ao eixo da fibra, para des­vincular a entrada da luz e do material. Assim, a luz continua entrando pela extremidade da fibra, exatamente como acontece com qualquer outra, enquanto o material a ser examinado entra pelas laterais”, conta o também físico Christiano José Santiago de Matos, professor do Laboratório de Comunicações Ópticas e Fotônica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, co-autor da patente. Para funcionar como um sensor, a luz precisa entrar em contato com o material examinado. A análise acontece por meio da difração de parte da luz que viaja no núcleo para a casca da fibra, gerando um campo evanescente, em que a luz tenta escapar para fora do núcleo. Com a abertura dos furos laterais, o material analisado, seja líquido ou gás, adentra a fibra por eles e entra em contato com este campo evanescente. O pedido de patente dessa tecnologia deu entrada no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) no final do ano passado.

Um processo parecido, com o mesmo objetivo de acessar o interior da fibra pelas laterais, resultou numa segunda patente, desta vez internacional, que contou com a parceria entre o grupo da Unicamp e o do Centro de Tecnologia de Fibra Óptica (OFTC) da Universidade de Sydney, na Austrália, um dos mais avançados no estudo de fibras ópticas especiais. No lugar de furos laterais foi feito um rasgo de dezenas de centímetros ao longo da fibra. “Essa tecnologia teve um grande impacto não apenas por ser internacional, mas porque é a que está mais próxima de uma aplicação prática na área de sensoriamento químico, monitorando, por exemplo, vazamentos químicos em indústrias ou mesmo em poços de petróleo”, diz Cristiano Cordeiro. Um artigo sobre esta tecnologia foi publicado recentemente na Optics Express, revista on-line da Optical Society of America, considerada de grande impacto na área de óptica.

A terceira patente, depositada em outubro de 2007 no INPI, mais uma vez em parceria com a Universidade Mackenzie, é relativa a uma fibra de cristal fotônico com núcleo e casca (a parte da fibra que envolve o núcleo) preenchidos com diferentes líquidos como água, etanol ou metanol. “Nesse trabalho usamos água na casca e uma mistura de água e glicerina no núcleo. Ela será empregada principalmente nas áreas de sondagem e sensoriamento, como, por exemplo, para realizar a análi­se espectroscópica de líquidos, para medir a emissão ou absorção de radiações eletromagnéticas da substância. O núcleo líquido das fi­bras microestruturadas pode proporcionar alta interação da luz com o material examinado, facilitando sua análise. “Mas para evitar que a onda de luz viaje em velocidades e caminhos diferentes dentro do núcleo líquido, um fenômeno conhecido como dispersão modal, usamos um segundo líquido na casca da fibra, controlando o guiamento do primeiro”, diz Christiano de Matos, do Mackenzie. Criou-se, assim, uma fibra monomodo, um dos tipos das fibras tradicionais, as preferidas do mercado, por permitirem que a luz faça uma “viagem” mais regular, proporcionando um melhor sinal. O desenvolvimento dessa fibra exigiu a superação de vários obstáculos, como, por exemplo, preencher espaços tão diminutos, como o núcleo e a casca de uma fibra óptica, sem misturar os dois líquidos.

A fibra de núcleo e de casca líquidos deverá ser mostrada no workshop a ser realizado em São Pedro e que já conta com o apoio de sociedades internacionais como OSA e SPIE além da própria FAPESP. Dos 30 palestrantes convidados, 25 são de outros países, entre eles o físico inglês Jonathan Knight, da Universidade de Bath, que participou do desenvolvimento da primeira fibra de cristal fotônico, e a pesquisadora australiana Maryanne Large, da Universidade de Sydney, responsável pelo desenvolvimento pioneiro das fibras plásticas de cristal fotônico.

O Projeto
Fibras de cristal fotônico; Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coordenadores Hugo Fragnito – Centro de  Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) na Unicamp e Cristiano Cordeiro – Subprojeto; Investimento R$ 1.000.000,00 por ano para todo o CePOF (FAPESP)

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