Imprimir PDF Republicar

Medicina

Banho de luz preciso

Dispositivo eletrônico monitora dose de radiação usada no tratamento de icterícia em recém-nascidos

LAPPEM/UFOPSolução à base de polímeros luminescentes, nas ampolas, muda de cor na medida certa para proteger o bebêLAPPEM/UFOP

Quem tem filhos ou visitou bebês em maternidades já deve ter estranhado a cor amarela­da da pele, das mucosas e do branco dos olhos de alguns recém-nascidos. Esse problema, conhecido como icterícia ou hiperbilirrubinemia neonatal, costuma aparecer ao redor do segundo ou terceiro dia de vida e é relativamente comum, atingindo de 60% a 80% dos neonatos no mundo, dependendo do local. O problema está relacionado à falta de maturidade do fígado, incapaz de metabolizar a bilirrubina, um pigmento normal, de cor amarelada, gerado pelo metabolismo das células vermelhas do sangue. A principal terapia em uso para icterícia, que não costuma ter maiores conseqüências se for adequadamente tratada, é a fototerapia (ou banhos de luz), com a exposição do recém-nascido a uma fonte luminosa equipada com lâmpadas fluorescentes, incandescentes halógenas ou LEDs azuis (sigla em inglês para diodos emissores de luz).

A eficiência do tratamento é diretamente proporcional à quantidade de energia luminosa (irradiação) que incide sobre o bebê e à área de sua superfície corporal exposta a essa radiação. O controle e o monitoramento dessa luz sobre o recém-nascido foram estudados por pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e o resultado foi o desenvolvimento de um dosímetro de radiação feito com material polimérico luminescente. Com ele é possível um controle fino e o monitoramento pormenorizado da dose de luz recebida por bebês expostos a essa terapia. Uma patente com a reivindicação do uso desses polímeros para identificação e quantificação de radiação não-ionizante foi depositada pelo grupo em janeiro de 2007. Radiações não-ionizantes são aquelas que não possuem energia capaz de emitir elétrons de átomos ou de moléculas com as quais interagem.

O dispositivo ainda se encontra na fase de protótipo, mas, segundo seus inventores, está pronto para adquirir formato comercial. Seu elemento central é uma ampola de vidro preenchida por uma solução à base de polímeros luminescentes disponíveis no mercado e conhecidos como meh-ppv. O dispositivo funciona a partir da mudança de cor dessa solução em razão do tempo de exposição à radiação. Ao serem sensibilizadas pela luz, as soluções podem variar de vermelho a incolor, passando pelo laranja, amarelo, amarelo-claro e assim sucessivamente. “O dispositivo deve ser posicionado junto ao corpo do bebê e indica a quantidade de radiação recebida a partir de uma simples mudança de cor”, explica o físico e professor da Ufop, Rodrigo Fernando Bianchi, que liderou o desenvolvimento da nova tecnologia. A leitura é feita qualitativamente, por meio da alteração de cor das soluções, ou quantitativamente, com um circuito elétrico composto por LEDs e fotodetectores que medem a mudança de cor da solução e indicam, num painel digital, a dose de radiação absorvida pelos polímeros. “A fácil leitura dispensa a necessidade de treinamentos complexos e demorados para que os profissionais de saúde possam usar o aparelho”, explica o pesquisador. Para garantir maior controle e monitoramento da radiação, um conjunto de cinco ampolas, dispostas numa pequena embalagem plástica chamada de blister, deverá ser colocado junto ao recém-nascido. Os pesquisadores já trabalham na criação de dosímetros poliméricos na forma de selos autocolantes, os quais poderão ser usados so­bre as fraldas ou em qualquer parte do corpo do bebê.

Apesar de a hiperbilirrubinemia neonatal ser um distúrbio facilmente controlado, ela exige atenção porque alguns problemas podem surgir durante a terapêutica, gerando até mesmo falsos diagnósticos. A maior preocupação recai sobre a ineficiência das fontes de radiação empregadas pelas maternidades porque as lâmpadas do aparelho de fototerapia podem estar fora das especificações, por exemplo. A distância entre as fontes luminosas e os pacientes e o mau posicionamento do recém-nascido durante o tratamento também podem não ser os ideais. Esses fatores podem levar à redução da taxa de absorção da radiação e à ineficiência da conduta, provocando sérios problemas de saúde.

Danos neurológicos
O aumento da concentração de bilirrubina no sangue do recém-nascido é extremamente tóxico para o sistema nervoso, podendo causar lesões neurológicas irreversíveis e até mesmo a morte do bebê. O principal objetivo da terapêutica é a prevenção da encefalopatia bilirrubínica, também conhecida como kernicterus. A proposta do grupo de Ouro Preto é que junto ao exame de concentração sérica (do sangue) de bilirrubina entregue ao pediatra, que avalia o teor do pigmento no sangue dos neonatos, seja anexado um laudo mostrando a dose de radiação absorvida pelo recém-nascido. “Desta forma os pediatras teriam certeza de que os bebês receberam a radiação prescrita para o tratamento da doença”, diz Bianchi, que é o coordenador do Laboratório de Polímeros e Propriedades Eletrônicas de Materiais (Lappem) da Ufop.

Os desenvolvimentos na área de dosimetria têm sido cada vez mais consistentes nos últimos anos. O aparelho ideal, segundo a aluna de doutorado Cláudia Karina Barbosa de Vasconcelos, participante da equipe, deve ser capaz de medir a dose emitida por uma fonte de radiação e também apresentar exatidão, precisão, limite de detecção e facilidade de operação, entre outros parâmetros. Algumas tecnologias, como sensores de radiação, já são empregadas no monitoramento da dose de luz que atinge a superfície corporal de bebês submetidos ao tratamento fototerápico, mas, de acordo com Bianchi, nenhuma delas se assemelha ao dosímetro polimérico feito por sua equipe. “Até onde sabemos, ele não tem similares”, diz. Segundo o pesquisador, o problema dos sensores disponíveis comercialmente é que precisam ser constantemente calibrados e nenhum apresenta uma leitura simples da dose de radiação.

Outras vantagens do protótipo mineiro são a facilidade de fabricação, de manipulação e o baixo custo de produção. Em escala laboratorial, cada ampola polimérica sai por menos de R$ 0,10, enquanto o blister tem custo inferior a R$ 0,40. A colocação do aparelho no mercado, acredita Bianchi, é apenas questão de tempo. “Trabalhamos com duas possibilidades. A primeira é a submissão de projetos de inovação tecnológica em agências de fomento. A segunda opção envolve a possibilidade de transferência de tecnologia para empresas interessadas no desenvolvimento, na fabricação e na comercialização do produto”, diz o pesquisador da Ufop. “Já estamos em conversação com um potencial interessado, mas não temos ainda nada conclusivo”, afirma. Para desenvolver o dosímetro, o grupo obteve recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

O Projeto
Dosímetro para fototerapia; Modalidade Programa Nacional de Nanotecnologia –  Jovens Pesquisadores,  Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos – Instituto do Milênio e Edital Universal  Coordenador Rodrigo Fernando Bianchi – Ufop; Investimento R$ 170.000,00 (CNPq), R$ 35.000,00 (MCT) e  R$ 90.636,00 (Fapemig)

Republicar