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Tecnologia da informação

Conhecimento e inclusão

Saem os primeiros resultados dos projetos do Instituto Microsoft Research-FAPESP que buscam avanço da ciência e impacto social

BRAZComeçam a surgir os primeiros resultados de um esforço de pesquisa que busca obter avanços no conhecimento em tecnologia da informação (TI) e também alcançar aplicações de impacto social. Os coordenadores dos cinco projetos financiados desde 2007 pelo Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em TI apresentaram os resultados preliminares de seus trabalhos, num workshop realizado na sede da FAPESP no dia 19 de novembro – no qual também foram anunciados dois novos projetos selecionados na segunda chamada de propostas do instituto. Em comum, os projetos estão debruçados sobre questões científicas complexas cuja solução trará benefícios nos campos da inclusão digital, da saúde pública, da agricultura e da eficiência dos serviços públicos.

“Esse esforço da FAPESP com a comunidade científica de São Paulo em um conjunto de áreas ligadas à ciência da computação busca aumentar o impacto e a visibilidade internacional da boa ciência que se faz no estado”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.  O objetivo da parceria entre a FAPESP e a Microsoft não é resolver problemas tecnológicos da Microsoft, mas desenvolver aplicações futuras da tecnologia da informação. “A Microsoft apóia pesquisas realizadas no Brasil e deseja acrescentar mais projetos aos já existentes”, disse Daron Green, pesquisador sênior para investigações externas da Microsoft.

O projeto PorSimples: simplificação textual do português para inclusão e acessibilidade digital desenvolve ferramentas capazes de simplificar a linguagem dos textos em português disponíveis na internet para facilitar o entendimento tanto por crianças e adultos em processo de alfabetização quanto por analfabetos funcionais e pessoas com problemas cognitivos. A equipe do PorSimples, coor­denada por Sandra Maria Aluisio, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), já escolheu um analisador sintático que identifica estruturas complexas e adaptou um analisador de discurso capaz de mostrar as relações entre as partes de um texto, ajudando na sua compreensão. Foram avaliados nove sumarizadores para o português, alguns construídos pela equipe, para escolher o mais adequado para o projeto. Uma ferramenta que remove redundâncias também foi criada para tornar os textos mais curtos.

“O objetivo é ajudar quem tem problema de entender textos longos, construções sintáticas complexas e também de inferir informações implícitas nos textos. Nossa proposta é trabalhar na criação de páginas com acessibilidade universal ao garantir que os textos em português sejam claros e simples para que eles sejam facilmente compreendidos por um número maior de leitores”, disse Sandra Aluisio. Um dos focos do projeto é a criação de dois softwares. Um deles, que está em fase mais avançada de desenvolvimento, busca ajudar os autores a preparar versões mais simplificadas de seus textos antes de serem publicados. O autor submete o texto ao programa, que propõe uma nova versão com construções menos complexas e palavras mais fáceis de entender pela grande maioria. A segunda ferramenta procura fazer essa transformação em textos já publicados na rede – o desafio é produzir um novo texto que permaneça coerente, pois o autor não irá intervir no resultado final.

Saúde pelo celular
Usar computadores de mão ou celulares inteligentes para auxiliar profissionais que atuam em programas como o de saúde da família é o objetivo do Projeto Borboletasistema integrado de computação móvel para atendimento domiciliar de saúde. A equipe coordenada por Fabio Kon, professor do Departamento de Computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP, está desenvolvendo um sistema que permita ao profissional da saúde baixar em seu celular o histórico do paciente que será visitado, acrescentar dados, transmitir imagens e dados a um especialista e receber dele um pré-diagnóstico em tempo real. O projeto já chegou a um protótipo inicial, que vem sendo testado no acompanhamento de 40 pacientes com problemas de locomoção que precisam ser atendidos em casa. “Trabalho com o desenvolvimento de software há 15 anos e, nos últimos tempos, comecei a me preocupar com o real impacto de minhas pesquisas na sociedade. Comecei, então, a buscar temas que pudessem tocar a vida das pessoas. Daí o interesse por esse projeto”, diz Fabio Kon.

A iniciativa está exigindo esforços de pesquisa em quatro frentes. Uma delas é a criptografia, para permitir que os dados sobre a vida dos pacientes coletados pelos celulares circulem de forma segura. “Do ponto de vista científico, há um bom potencial para desenvolver novos processos de criptografia”, diz Kon. “Os algoritmos de criptografia são pesados e os celulares têm processadores mais fracos. É preciso criar novos algoritmos”, afirma. Outra frente é a pesquisa no campo de multimídia. O desafio é desenvolver meios de capturar e armazenar informações em forma de texto, vídeo, exames de diagnóstico por imagem, e também de acessá-las de forma eficiente. A terceira frente vincula-se ao campo da saúde pública. Procura-se estabelecer conceitos para nortear os modelos computacionais que vão gerenciar os sistemas. Por fim foi preciso desenvolver um software que rode nos celulares e num grande servidor – um protótipo já está sendo testado.

Combate à burocracia
A ampliação da eficiência dos serviços prestados por órgãos públicos é a meta do projeto X-gov: aplicação do conceito de mídia cruzada a serviços públicos eletrônicos. Coordenado pela pesquisadora Lucia Vilela Leite Filgueiras, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), investiga meios para coordenar diversos tipos de mídia – internet, telefone fixo, celular e TV interativa – para o cumprimento de etapas de serviços de governo. Busca-se desenvolver uma ferramenta que sirva de base para diversos tipos de operações – por meio dela seria possível fazer ajustes direcionados ao tipo de serviço eletrônico oferecido para a população. “Quanto mais simples e adaptável o software, mais chance de ele ser implementado e de o serviço tornar-se menos burocrático”, afirma a pesquisadora do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Poli.

A equipe do projeto criou 18 componentes que podem ser combinados em diferentes aplicações voltadas para a prestação de serviços públicos. Uma aplicação piloto utiliza sete desses sistemas para dar acesso a informações sobre escolas públicas. A partir do momento em que for acoplada às bases de dados das escolas, propiciará a matrícula em unidades da rede pública por meio eletrônico. A consulta para obtenção de informações e a própria execução do serviço poderão ser feitas por meio de mídia cruzada, aproveitando as vantagens específicas para apresentação e transmissão de dados do telefone celular, da internet e da TV interativa.

Hoje um cidadão pode consultar sua situação em órgãos públicos apenas pela internet, como o Detran, acessando informações sobre multas e pontos na carteira. O software expandiria as possibilidades de interação virtual entre cidadão e governo, com o envio de alertas e mensagens por e-mail ou celular e futuramente pela TV interativa, além da substituição de etapas que hoje exigem a presença do usuário no órgão público. “Trabalhar com mídia cruzada repercute também na inclusão de pessoas com necessidades especiais, porque elas teriam acesso aos serviços pela mídia com a qual se adaptassem melhor”, explica a coordenadora do projeto.

Arquitetura de redes sociais
No projeto E-cidadania: sistemas e métodos na constituição de uma cultura mediada por tecnologias da informação e comunicação, a ambição é desenvolver a arquitetura de redes sociais, semelhantes, por exemplo, à rede de relacionamentos Orkut, que permitam a interação de pessoas de quaisquer classes sociais ou diferentes necessidades – a idéia é que elas consigam facilmente compartilhar informações – como troca de produtos, serviços, idéias, bens e outras atividades. “Usamos o conceito de ‘design socialmente responsável’ para que as tecnologias sejam utilizadas em favor da sociedade brasileira, que tem desafios de várias naturezas, entre eles o baixo letramento”, diz Maria Cecília Baranauskas, coordenadora do projeto e professora do Instituto de Computação da Unicamp. O design dos sistemas disponíveis, explica a pesquisadora, não teve a preocupação de facilitar o acesso de todos os segmentos sociais. “Então, nos cabe pensar como criar essa interface de tal maneira que as pessoas olhem para o monitor e saibam o que fazer, que consigam entender e usar o sistema comunicando-se e trocando informações”, disse Maria Cecília.

Através de redes computacionais, todos podem compartilhar os mais diferentes recursos, mas o acesso fácil e universal ainda é um desafio.  Há barreiras tecnológicas, educacionais, culturais, sociais e econômicas que dificultam a interação. Por isso, diz Maria Cecília, busca-se vencer essas barreiras por meio da concepção de sistemas, ferramentas e modelos capazes de facilitar o acesso do cidadão ao conhecimento. A equipe do E-cidadania já discutiu as características de sistemas que envolvem redes sociais para definir o tipo de arquitetura que seria utilizada no software proposto pelo projeto. Um protótipo do software deverá estar pronto no início do ano, incluindo informações levantadas durante três workshops realizados com a participação da Vila União, comunidade de Campinas alvo do projeto.

O projeto E-Farms: uma estrada de mão dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede possui dois objetivos: fazer o conhecimento científico avançar, investigando novos algoritmos e modelos matemáticos para a agricultura, e desenvolver ferramentas computacionais para promover o acesso colaborativo e de baixo custo de cooperativas e pequenos produtores rurais a informações estratégicas para a tomada de decisões na área agrícola. “Este é um projeto de mão dupla porque, ao mesmo tempo que pretendemos facilitar o acesso do agricultor a dados importantes para o seu negócio, precisamos do seu feedback e da sua participação para alimentar uma rede de produtores e cooperativas”, afirma a coordenadora do projeto, Claudia Bauzer Medeiros, professora do Instituto de Computação da Unicamp.

De acordo com ela, o caminho para transmissão de dados do campo para a internet foi construído no primeiro ano de atividade do projeto. “Os primeiros sensores de temperatura foram montados no campus da Unicamp, simulando uma rede local em uma propriedade rural, e os dados estão sendo transmitidos via rede sem fio para um computador na Faculdade de Engenharia Agrícola, que os retransmite para o Instituto de Computação, de onde são publicados em tempo real na web”, explica. O próximo passo é concluir, no próximo ano de pesquisas, a segunda “mão” de que fala o título do projeto: programar e interferir nos sensores via a mesma infra-estrutura sem fio.  Além disso, vários resultados científicos foram obtidos no primeiro ano, com novos modelos de previsão de safra e algoritmos de processamento de imagens de satélite, capazes, por exemplo, de reconhecer padrões específicos de um tipo de cultura em uma de imagem, facilitando a sua identificação e, com isso,  diminuindo o custo para fazer previsão de safra. Esses resultados estão sendo publicados em congressos e em revistas indexadas. “O E-Farms é um bom exemplo de projeto em que avanços científicos são aplicados na solução de grandes problemas de relevância econômica e social”, diz a coordenadora do projeto. “Trabalhar em áreas aplicadas oferece desafios peculiares que acabam gerando novas perguntas científicas. Ao ajudar a resolver um problema, passamos a enxergar outras coisas – e aí surgem novos problemas para resolver”, afirma a coordenadora. O projeto tem a colaboração de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Agrícola e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, e a parceria da cooperativa agrícola Cooxupé, com 11 mil produtores de café nos estados de São Paulo e Minas Gerais.

Novos projetos
No workshop realizado na FAPESP no dia 19 de novembro foram apresentadas as duas nova propostas selecionadas na segunda chamada de projetos de pesquisa do Instituto Virtual de Pesquisas FAPESP-Microsoft Research, que terão dois anos para gerar resultados. Um deles, coordenado por Jacques Wainer, professor do Instituto de Computação da Unicamp, buscará desenvolver um sistema de informação capaz de detectar alterações em imagens de fundo de olho indicativas de retinopatia diabética, complicação do diabetes que afeta a passagem de sangue e pode levar à perda da visão.

O projeto tem como parceira a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A idéia é desenvolver um software capaz de detectar alterações de fundo de olho, como hemorragias, alterações vasculares, cicatrizes e sinais de processos inflamatórios. O programa será usado para fazer a triagem de pacientes que precisam ser submetidos a exames especializados. “O desafio é criar um sistema altamente sensível, que não deixe de fora nenhum portador da doença, caso contrário ele poderá prejudicar alguns pacientes”, diz Wainer. Por isso, durante a fase de desenvolvimento do software, todos os pacientes cujas retinas tiverem suas imagens também receberão atendimento médico. Para desenvolver o sistema, os pesquisadores usarão técnicas de pontos característicos, adotadas na análise de vários tipos de imagem, mas precisarão criar novas abordagens científicas para resolver problemas peculiares da retinopatia diabética. Após  a avaliação do sistema, ele será aplicado na Unidade Básica de Saúde da Vila Mariana, como parte do Mutirão da Catarata e do Diabetes, organizado pelo Instituto da Visão da Unifesp.

O segundo projeto, coordenado pelo professor Flávio Soares Corrêa da Silva, do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, busca desenvolver uma arquitetura de software, chamada de JamSession, que permita a construção de mundos virtuais, como o conhecido Second Life, mas de caráter descentralizado – em vez de usar um grande servidor, esses ambientes seriam baseados em vários computadores interligados. “Existem mundos virtuais 3D voltados para o entretenimento, que têm como característica possuir um proprietário, pois é uma empresa quem disponibiliza o serviço. A idéia é criar uma rede ponto a ponto que substitua o servidor”, diz Flávio.

“Essas iniciativas hoje são difíceis de implantar. É preciso ser um exímio programador para conseguir construir sua rede. A idéia é utilizar alguns avanços recentes do campo da inteligência artificial, uma área em que tenho experiência, para simplificar as interações em mundos virtuais”, afirma o pesquisador. A intenção, segundo o professor, é que qualquer pessoa com acesso a internet banda larga possa criar seu espaço nesse mundo vir­tual e, eventualmente, oferecer serviços que se revertam em renda. As possibilidades são variadas, mas, apenas para exemplificar, seria possível criar nesse mundo salas de aula virtuais, em que alunos e professor interagem por computador.

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