Imprimir PDF Republicar

Ciência Aplicada

Engenho e música

João Fernando Gomes de Oliveira sempre transitou entre cálculos matemáticos e notas musicais

João Fernando Gomes de Oliveira: aplicação do conhecimento

Eduardo CesarJoão Fernando Gomes de Oliveira: aplicação do conhecimentoEduardo Cesar

“Na minha casa só se falava de engenharia”, diz o professor João Fernando Gomes de Oliveira, presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), ao recordar que o tema sempre foi recorrente nas conversas familiares. Afinal, ele nasceu em uma família de engenheiros. O avô estudou engenharia elétrica na ETH Zürich, o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, uma das mais conceituadas universidades europeias nas áreas de química, física e engenharia elétrica. Na época, ainda não havia cursos de engenharia no Brasil. O pai e os irmãos mais velhos cursaram engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “Com 16 anos eu já lia desenhos técnicos, entendia o que era motor, bomba e transmissão”, relata. A proximidade e o interesse que sempre teve pela área o levaram ao curso de engenharia mecânica na USP de São Carlos. Mas a vocação para a área de exatas tinha um contraponto – a música, que também fazia parte do seu universo desde a infância. Ao chegar à universidade já havia estudado acordeão e flauta. E, além desses dois instrumentos, tocava também clarinete, que havia sido comprado pela mãe. Mas um dia, durante uma serenata, o clarinete deixado sobre o banco do carro foi roubado. Um anúncio de saxofone, visto enquanto cursava a universidade em 1980, fez com que Oliveira se apaixonasse pelo novo instrumento, que comprou e toca até hoje em suas apresentações.

“Durante a graduação de engenharia meu tempo era dividido entre fotografia, engenharia e música”, diz. Trabalhava como fotógrafo em um jornal da cidade e tocava de três a quatro vezes por semana na noite, com uma orquestra de jazz, um quarteto, e em botecos. No final do curso, em 1982, decidiu que queria mesmo ser músico. Estava se preparando para o vestibular do curso de música popular na Universidade Estadual de Campinas, mas foi convidado pelo professor João Lirani, líder do grupo de máquinas, a trabalhar na USP de São Carlos, já que havia uma vaga a ser preenchida. “Além de trabalhar como fotógrafo e tocar nos bares, à tarde eu fazia um estágio na faculdade na área de desenho mecânico, projetando máquinas”, diz. Na época a contratação era indicação do colegiado.

Oliveira ficou em dúvida. Tinha apenas 23 anos e uma namorada que morava em Campinas. Mas foi convencido por um amigo que já estava fazendo pós-graduação a aceitar a vaga na USP e depois, com o tempo, poderia ir para o exterior fazer uma pós e estudar música. “Aceitei o emprego e a minha namorada mudou-se para São Carlos”, diz.

O resultado é que em um único fim de semana de março de 1983 sua vida mudou radicalmente. “Na sexta participei da minha colação de grau, no sábado me casei e na segunda comecei a dar aula”, conta. “Foi assim que comecei a minha carreira acadêmica, mas sem nunca largar os instrumentos.” Ainda hoje, com uma agenda repleta de compromissos profissionais, todos os dias, religiosamente, ele toca saxofone pelo menos durante uma hora. Já dividiu o palco com profissionais conceituados, como o saxofonista e clarinetista Paulo Moura, morto em julho de 2010, seu mestre e amigo de quase três décadas. Uma das últimas vezes em que se apresentaram juntos foi no dia 27 de junho de 2009, na Sala São Paulo, nas comemorações pelos 110 anos do IPT. A sessão solene foi encerrada com um show de música que teve a participação de Paulo Moura e do pianista norte-americano Cliff Korman. Oliveira foi chamado ao palco para fazer um dueto de sopros com o amigo que conheceu em São Carlos ainda na década de 1980, durante uma oficina de música. Alguns meses após essa apresentação, em maio de 2010, os dois contaram histórias e fizeram demonstrações sobre a física dos instrumentos de sopro no Centro Cultural São Paulo, como parte da programação da Virada Cultural Paulista. “Paulo Moura é um capítulo especial na minha vida”, diz Oliveira.

Paulo Moura e Oliveira em dueto de sopros na Sala São Paulo

Agência Luz Paulo Moura e Oliveira em dueto de sopros na Sala São PauloAgência Luz

A dedicação à música corre em paralelo à vida acadêmica, com doutorado em engenharia mecânica pela Escola de Engenharia da USP de São Carlos em 1988, pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley, em 1994, além de mais de 200 artigos científicos publicados e cinco patentes depositadas. “Desde o início do meu trabalho na universidade, sempre procurei encontrar caminhos para transformar as pesquisas em realização prática”, diz. Assim que começou a trabalhar com projetos de pesquisa em processos de fabricação e manufatura foi atrás das fábricas para tentar entender quais eram os problemas que emperravam a produção. Foram muitas visitas a fábricas, entre elas a Bosch de Campinas, onde aprendeu muito sobre problemas industriais práticos. “Sempre procurei escolher nos meus temas de pesquisa algo que fizesse parte do problema da fábrica, com o objetivo de depois poder voltar lá e dizer ‘está tudo resolvido, se quiser pode usar’, mesmo sem receber benefício por isso.”

A ideia de aplicação do conhecimento sempre esteve presente no grupo de pesquisa que coordenava, o que levou ao estabelecimento de uma estratégia de pedir patrocínio às empresas na forma de máquinas e equipamentos. “Juntamente com outros professores e colegas de departamento começamos a movimentar um grupo de pesquisa que foi crescendo e acabou se transformando em um grande projeto nacional de manufatura, que era o Instituto Fábrica do Milênio, com participação de 800 pessoas que tinham como objetivo identificar demandas industriais para poder dar resposta a elas.” Em três anos esse grupo depositou 20 patentes e consolidou parcerias de pesquisa e desenvolvimento com mais de 100 empresas.

Em vez de dedicar-se às inovações no produto, o grupo investiu em inovações nos processos, não só de fabricação, mas também os gerenciais. “Nessa trajetória de procurar otimizar o conjunto produto e processo em um ambiente industrial eu tive muitos professores e parceiros”, relata. O professor Henrique Rozenfeld, da Escola de Engenharia de São Carlos, sempre foi um grande mentor dessas ideias de integração, assim como o professor Reginaldo Coelho, parceiro na área de tecnologia de processos de fabricação. “O professor Sergio Mascarenhas sempre foi muito próximo e produziu muito estímulo”, diz Oliveira. “Ele é o exemplo do semeador de ideias e ajudou muita gente que hoje desempenha um papel importante na ciência do Brasil.”A admiração é recíproca. “Oliveira é uma figura singular na comunidade de ciência, tecnologia e inovação”, diz Mascarenhas. “Além disso é um humanista, transitando pela música com a mesma criatividade com que faz ciência e tecnologia.”

Precisão de robô gigantesco é testada no laboratório do IPT

eduardo cesar Precisão de robô gigantesco é testada no laboratório do IPTeduardo cesar

O outro grande aprendizado que Oliveira teve foi implementar inovação em empresas como a Zema, fabricante de máquinas, a Norton, de abrasivos, e alguns grupos internacionais como Saint Gobain nos Estados Unidos, onde fica a sede de divisão de materiais de alto desempenho, e o TRW nos Estados Unidos, Europa e Ásia, um dos maiores fabricantes de autopeças do mundo. “Esse negócio de pesquisar manufatura e aplicar na fábrica, procurando aprender sempre com os desafios da aplicação, foi um projeto que durou 25 anos dentro da universidade”, relata. O resultado foi a inauguração em outubro de 2007 do novo Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) em São Carlos, uma fábrica dentro da universidade. “Era o local para demonstrar o desenvolvimento de tudo o que fizemos”, diz. Na mesma época, recebeu um convite do então secretário estadual de Desenvolvimento, Alberto Goldman, e do secretário adjunto Carlos Américo Pacheco para presidir o IPT. Ele confessa que ficou dividido, porque estava inaugurando com colegas o novo laboratório e envolvido em projetos de pesquisa em São Carlos. Mas se sentiu muito honrado com o convite. “O IPT é uma instituição que tem um nome forte e uma história impressionante, que representa a viabilização do desenvolvimento de São Paulo pela tecnologia.”

Foi quando conheceu as pessoas que considera seus mentores e parceiros de gestão, o presidente do conselho do IPT, Paulo Cunha, o secretário de Desenvolvimento de São Paulo, Luciano de Almeida, e os diretores do instituto. “O IPT é uma sociedade anônima e gerenciar uma empresa é um desafio diferente de ser professor, aqui precisamos promover o alinhamento de todos, buscar eficiência e perseguir metas muito objetivas, tenho aprendido muito.” Após conversas com Cunha e outros membros do conselho, assumiu o desafio de ajudar a gerenciar um investimento de R$ 100 milhões do governo do estado no instituto. “Em pouco mais de dois anos e meio a verba está comprometida com a construção de prédios e laboratórios, com a compra de 500 equipamentos e a contratação de 150 pessoas”, diz. “E eu estou muito feliz por estar aqui e poder participar disso.”

Republicar