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Especial Einstein

Yurij Castelfranchi: Combate quixotesco

Jornalista explica a resistência do cientista alemão à mecânica quântica

Castelfranchi: brigas intelectuais

marcia minilloCastelfranchi: brigas intelectuaismarcia minillo

A luta de Einstein contra a mecânica quântica, teoria científica que ele ajudou a construir, durou 30 anos. O jornalista científico Yurij Castelfranchi, físico com doutorado em sociologia, falou sobre esse aspecto que ele considera pouco conhecido na apresentação “Quando Einstein falhou: a luta contra os moinhos de vento quânticos”, no dia 6 de dezembro. O título da palestra foi tirado de uma carta enviada ao físico alemão pelo seu amigo Michele Besso, um engenheiro suíço-italiano, que dizia: “O senhor Einstein é como o cavaleiro Dom Quixote – o Cavaleiro Dom Quixote de La Einstein – que está começando uma batalha contra os malvados quanta“.

A participação do físico alemão na construção da mecânica quântica é inegável. “Ele foi um dos primeiros a dizer que a luz, além de ser uma onda, também era feita de partículas, os fótons”, disse Castelfranchi. “Foi uma contribuição importante e revolucionária, que lhe deu o Prêmio Nobel em 1921.” Então por que Einstein dedicou a segunda metade da vida, depois de já ser famoso mundialmente pelas teorias da relatividade especial e geral, a lutar contra uma parte da física que ele ajudou a construir? “O problema estava na interpretação que os grandes físicos contemporâneos a ele davam ao funcionamento do mundo atômico e subatômico”, explicou. Um experimento da física clássica conhecido como dupla fenda, adaptado para a então chamada física quântica, deu início a discussões e contestações de ambas as partes na década de 1920. Nesse experimento acontecia algo surpreendente: os elétrons pareciam comportar-se como partículas – com uma trajetória definida – quando sua posição era observada e medida por meio de instrumentos. Mas pareciam comportar-se como ondas, passando ao mesmo tempo por uma fenda e por outra, quando se media apenas a posição final onde apareciam numa tela.

O ponto central da discórdia entre os físicos era o comportamento de partículas  como elétrons. “Einstein podia aceitar que elas se comportavam como ondas e que então as coisas se misturavam, mas ele não podia acreditar que os átomos tinham que ser imaginados como algo sem forma, sem trajetória e que só podiam ser tratados como nuvens de probabilidade”, disse Castelfranchi. Foram muitos os adversários de Einstein nessa luta. Um deles é o físico alemão Werner Heisenberg, que criou o princípio da  indeterminação, ou seja, que é impossível conhecer simultaneamente, com absoluta precisão, os movimentos e a posição de uma partícula. O outro é o físico dinamarquês Niels Bohr, um dos fundadores da teoria atômica e amigo de Einstein, mas a vida inteira um oponente intelectual. Einstein defendia a ideia de que devia existir uma maneira de investigar e detalhar o comportamento das partículas. Bohr, ao contrário, argumentava que não tinha sentido atribuir uma trajetória aos quanta, os fótons de luz, porque nesses experimentos eles não se comportavam como partículas.

Paradoxos
O teatro mais famoso dessas brigas era o Congresso de Solvay, um dos encontros mais importantes de física, realizado desde 1911. No de 1927, em Bruxelas, na Bélgica, Einstein recusou-se a falar da física atômica e manteve-se calado durante o congresso. Mas no café da manhã ele sempre lançava desafios aos físicos mais novos, interessados em mecânica quântica, dizendo que tinha inventado um novo experimento mental. “Ele conseguia levar a teoria dos físicos quânticos a paradoxos absurdos”, disse Castelfranchi. Bohr ficava calado, mas prestava atenção e se desesperava porque percebia que as objeções de Einstein eram pertinentes. Durante o dia inteiro ele pensava sobre o experimento. No jantar, o dinamarquês dizia: “Pensei sobre as objeções de Einstein, que pareciam realmente seriíssimas, mas ele estava errado”.

Em 1930, mais uma vez o Congresso de Solvay foi palco dos embates entre os dois físicos. O cientista alemão lançou um novo desafio para Bohr, complicadíssimo, que consistia em saber quanto tempo um fóton de luz demorava a sair de uma caixa que tinha dentro um relógio. Pelo experimento mental de Einstein, parecia que a teoria quântica era absolutamente incoerente. Uma testemunha que estava no congresso relatou: “Bohr não encontrou a solução na hora e passou a tarde inteira extremamente infeliz, indo de um lado para o outro conversar com todos os jovens físicos, tentando convencê-los de que Einstein estava errado, mas ele não sabia demonstrar como”, contou Castelfranchi. Após uma noite insone, Bohr conseguiu uma resposta utilizando a própria teoria da relatividade geral formulada por Einstein: “Esse seu relógio e sua caixa não vão funcionar, porque na hora em que a luz sair a caixa vai se mover e o tempo vai passar um pouquinho mais devagar. Fazendo todas as contas, você vai ver que é exatamente como nós, físicos quânticos, dizemos”. Essas brigas intelectuais são alguns exemplos da luta de Einstein sobre os fundamentos do que é a ciência, porque para ele a ciência não podia lidar só com probabilidades.

Hoje a física que se estuda é a da relatividade de um lado e a quântica de outro. As críticas que o cientista alemão fez não conseguiram modificar substancialmente a teoria da física atômica. Einstein não conseguiu explicar o mundo microscópico coerentemente com a teoria da relatividade, assim como a física quântica também não  explicou a curvatura do espaço-tempo com uma teoria coerente e unitária. “Einstein não perdeu de todo”, concluiu Castelfranchi.

Quando Einstein falhou: a luta contra os moinhos de vento quânticos
Yurij Castelfranchi, físico e pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp

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